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sexta-feira, 26 de abril de 2024

Sobre a Violência Revolucionária

Foto: Julio Cortez/AP

Por João Magalhães

SÃO PAULO – Após o assassinato de George Floyd, uma série de protestos foram espalhados por todo o mundo no mês passado. Não é a primeira vez que negros são brutalmente assassinados nos Estados Unidos, e tampouco, a primeira vez que tal situação produz protestos violentos em massa por todo país.

Diante disso, alguns setores da sociedade – incluindo partidos e movimentos ditos de “esquerda” -  preferiram se calar ou mesmo criticar a postura das manifestações, alegando “espontaneísmo” ou “ações de caráter pequeno-burguês”. O liberalismo presente na própria esquerda também não é novidade e acredito que tais acusações vêm de uma falta de firmeza em assumir o protagonismo de mobilizações mais radicalizadas.

Neste sentido, gostaria de apresentar uma breve defesa da violência enquanto instrumento de transformação social, sobretudo a violência organizada e não a mera reação espontânea frente à repressão do Estado burguês. Para isso, cabe retornarmos a um clássico do marxismo, o livro “Os Condenados da Terra” de Frantz Fanon.

Revolucionário marxista, o martinicano Frantz Fanon é uma das figuras mais importantes do século XX para entender o colonialismo e as táticas que o sistema capitalista utilizou e utiliza em sua dominação sobre os países mais pobres. Uma prova disso é sua participação ativa na guerra de independência da Argélia e no contato com o marxismo-leninismo. Anos antes de sua morte precoce, aos trinta e sete anos, Fanon escreve este livro. Na obra, ele mostra como a luta anticolonial organizada e a criação de uma nova nação é a única saída para a emancipação do colonizado.

Porém, antes de entrarmos em Os Condenados, cabe antes analisar seu primeiro livro, Peles negras, máscaras brancas. Neste livro, ainda na França, Fanon argumenta que a sociedade branca constrói o negro a partir de uma determinada situação cultural. Em outras palavras, a condição de sujeito negro é construída em uma sociedade racista a partir da ideologia da classe dominante através da literatura, dos jornais, da educação, do cinema, etc.

Em um segundo momento de sua vida, quando Fanon vai para a Argélia e conhece de perto os horrores da violência colonial, sua análise teórica sofre uma leve mudança. Pois enquanto que na sociedade industrialmente desenvolvida o branco produz o negro principalmente a partir da ideologia, na sociedade colonial o colono constrói o colonizado a partir da violência. Portanto, a violência assume o papel que a ideologia tem nas sociedades europeias, ou seja, o papel de construir o sujeito negro.

Dessa maneira, podemos notar diferenças entre duas principais formas de dominação econômica e racial sobre o povo negro. Isto é, uma pela cultura, outra pela violência. Mas, isso não significa que nas sociedades europeias não haja violência, ou que nas sociedades coloniais não haja a presença do racismo. Até porque, o racismo é a principal justificativa da violência. O que distingue uma sociedade da outra é o grau de cada tipo dominação.

Assim, é a partir desta constatação que Fanon vai desenvolver sua defesa da violência enquanto meio de transformação social. Isso porque a libertação do povo negro é um processo histórico e deve ser analisado a partir da realidade concreta. Pois esses sujeitos são produto da situação colonial.

Foto: Designer gráfico Emory Douglas.

Como vemos, o colonizado é educado com a violência e enxerga nela a única forma de diálogo com o colonizador. Para Fanon, “O povo argelino escolheu a única solução que lhe foi deixada e essa escolha se manterá firme para nós”. Assim, a violência do povo argelino não é um ódio à paz, nem uma rejeição das relações humanas, nem uma convicção de que apenas a guerra pode pôr um fim ao regime colonial na Argélia”. Ele não é nenhum pacifista, e nem adepto da passagem “O poder brota do cano de uma arma”, mas é alguém que defende “todos os meios necessários” para a libertação do povo negro. Por fim, a violência do oprimido se legitima pela violência do opressor. Portanto quando a ordem é violenta, ela deve ser quebrada, para assim, fundar uma nova ordem, livre do conflito e do racismo.

Por outro lado, Fanon deixa claro que a violência do colonizado não pode ser encarada como uma reação à violência do colonizador. Pois, ela tem como fim a superação da ordem e o fim do sistema que reproduz opressões. Neste sentido, a violência do colonizado se diferencia completamente da violência do colonizador.

Apresentadas as ideias de Fanon, podemos concluir que os protestos que ocorreram em resposta ao racismo americano são legítimos. Diante de um regime de exploração brutal e de pura violência como o dos Estados Unidos, a população afro-americana não tem alternativa a não ser a revolta radical e popular. O genocídio do povo negro, o encarceramento em massa, as formas de dominação total sobre suas vidas, corpos e cultural persistem desde o período de escravizadão.

Quem se coloca contra a violência dos protestos antiracistas, se coloca contra a libertação do povo negro, contra sua autodeterminação e acaba reproduzindo a visão burguesa, se utilizando de palavras vazias de significado como “ordem” e “baderna”. Ora, o que diferencia uma da outra não são seus meios, mas seus fins e as classes que os representam.

No entanto, cabe aqui um contraponto. É importante lembrar que Fanon nos alertas sobre os limites do espontaneísmo. As manifestações são de fato legítimas, e não devem se deslegitimar por si mesmas. Os que alegam a falta da característica de classe das revoltas sob os gritos de “desvio pequeno burguês!” Não entenderam nada do fenômeno do racismo e muito menos de sua especificidade nos Estados Unidos. E aos setores organizados que condenam as formas espontâneas de mobilização, recomendaria Lenin, quando diz que “o ‘elemento espontâneo’, no fundo, não é senão a forma embrionária do consciente”.

Mas precisamos enfatizar que sem organização, essas revoltas não conseguem adquirir um caráter construtivo, e, portanto, não superam o estado reativo da violência rumo a uma revolução. Ao apontar as fraquezas do espontaneísmo, Fanon nos mostra que “Essa brutalidade pura, total, se não for imediatamente combatida, produz infalivelmente a derrota do movimento, ao fim de algumas semanas”. Assim, “Só a violência exercida pelo povo, violência organizada e esclarecida pela direção, permite as massas decifrarem a realidade social e lhe dá a sua chave”. Pois apenas dessa maneira o nível racial e racista é superado, para enfim, alcançar a consciência de classe e a autodeterminação dos povos oprimidos.

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