As mulheres trabalhadoras e a luta pelo direito à moradia

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TRABALHADORAS – A opressão das mulheres e sobretudo a opressão das mulheres trabalhadoras e pretas, servem à uma classe rica que só sobrevive da exploração da classe trabalhadora. (Foto: Isabella Alho/Jornal A Verdade)
Isabella Alho, Thais Gasparini e Victória Magalhães
Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas

SÃO PAULO (SP) – A vida nas cidades brasileiras não é nada fácil para a população trabalhadora e pobre do nosso país. Tanto no campo como as grandes metrópoles, cada um à sua maneira, são extremamente explorados pelo estado capitalista, pelas ,nas grandes empresas, fábricas, no trabalho informal, sem ter acesso nem mesmo o mínimo do que é a cidade. Às trabalhadoras e trabalhadores não restam nem mesmo o direito à cidade, a moradia digna, ao saneamento básico, água potável, educação, saúde, lazer, cultura, emprego e a tantos outros direitos mínimos.

Quando fazemos, então, o recorte das mulheres trabalhadoras fica ainda mais evidente o quanto o capitalismo cresce baseado na exploração e o quanto o patriarcado, o racismo e tantas outras formas de opressão alimentam e são alimentadas por esse sistema.  A situação em que vivem as mulheres é grave. Hoje, no Brasil, 11,6 milhões de mães solos são as únicas responsáveis pelo lar, destas 59,6% vivem abaixo da linha da pobreza (IBGE), e, portanto, estão a mercê do desemprego ou de subempregos, a falta de um teto e a escassez de recursos básicos para sobrevivência humana.

Mais de 7,9 milhões de famílias não têm acesso à moradia digna. De acordo com o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), a maior parte da população em situação deficitária é do sexo feminino, representando 58,62% do total de pessoas nessa condição. Apesar desse déficit habitacional no país, faltam políticas habitacionais para a população. O programa Minha Casa, Minha Vida que prometia acabar com a falta de moradia no país, teve como plano destinar apenas 400 mil unidades às famílias com renda de zero a três salário mínimos, sendo 90% das famílias que compõem o déficit. O que antes era ruim, no governo de Bolsonaro só piorou: não houve investimento algum nessa área, alegando a falta de verba ao passo que mais de R$1 trilhão é mandado aos bancos para o pagamento da suposta dívida pública. Acontece que atacar o programa Minha Casa Minha Vida é atacar diretamente o direito das mulheres uma vez que 86% dos beneficiários eram mulheres e mães brasileiras. Não bastasse, o Governo Bolsonaro, vetou a lei que garantia prioridade à mulher chefe de família no pagamento do auxílio emergencial, também reduziu em muito os beneficiários do Programa Bolsa Família sendo elas  88,57% dos beneficiários do programa e muitas vezes dependentes unicamente desse dinheiro para garantir o seu sustento e de seus filhos. Ainda assim, o Ministério da Cidadania de Bolsonaro, fechou o ano de 2019 com mais de 1,3 milhão de benefícios cancelados, promovendo mais um ataque às mulheres pobres.

Apenas 32,7% das crianças brasileiras de 0 a 3 anos frequentam creche (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2016-2017), isso significa que a maior parte das crianças estão em suas casas aos cuidados, geralmente, de suas mães e avós. A Pesquisa Origem Destino (2007-2012) revelou que as mulheres se deslocam mais vezes, por mais tempo que os homens, além de serem a maioria nos transportes públicos. Mesmo assim, de acordo com o IBGE (2010), ganham cerca de 20% menos do que os homens.

Segundo a última edição do Atlas da Violência, entre 2007 a 2017, o número de homicídios de mulheres no Brasil cresceu 30,7%, com cerca de 13 assassinatos por dia. Mas, o que é importante destacar aqui é que fazendo um recorte deste dado, num período semelhante – de 2003 a 2013 – o Mapa da Violência mostra que enquanto os homicídios de mulheres brancas caiu 9,8%, na mesma década, o homicídio de mulheres negras, maioria nas favelas e ocupações urbanas, cresceu 54,2%. De acordo com Allana Mattos, da coordenação estadual do Movimento de Mulheres Olga Benário de São Paulo, “as mulheres, principalmente as mulheres negras, estão na extrema margem da sociedade capitalista. Por conta do patriarcado e do racismo nós somos o grupo mais vulnerável a violência e a miséria. Além de estamos submetidas às piores condições de trabalho, aos salários mais baixos, a longas jornadas, além do acúmulo de jornadas não remuneradas (que é o cuidado dos filhos e da casa)”.

Esse cenário de opressão das mulheres, não nasce do acaso. A opressão das mulheres e sobretudo a opressão das mulheres trabalhadoras e pretas, servem à uma classe rica que só sobrevive da exploração da classe trabalhadora. Portanto, a luta feminista e o fim da violência contra das mulheres deve fundamentalmente estar atrelada à luta pela derrubada do sistema de produção capitalista, assim como precisa estar diretamente ligada aos movimentos sociais, aos bairros, as fábricas e as lutas populares que são tão fundamentais na politização e organização das mulheres que ocupam esses espaços.

Um dos pilares que sustentam o sistema capitalista é a propriedade privada, e mesmo a Constituição de 88 dedicar um capítulo inteiro para o Estatuto da Cidade, em que defende a função social da propriedade, milhões de imóveis vazios e abandonados não são destinados à moradia, educação e serviços. Os que ganham com isso são as empreiteiras e imobiliárias, os grandes ricos do país que se sustentam também com a especulação imobiliária. Portanto, a luta pela moradia cumpre um papel fundamental no processo da transformação na sociedade.

Historicamente as mulheres se destacam na linha de frente da luta pela reforma urbana e agrária. Sara Lorena, do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas de São Paulo, diz que “quando a gente fala do período da escravidão, não foram as pessoas que escravizaram que libertaram os escravizados, o que libertou foi a luta. E quando a gente fala da mudança na nossa estrutura social hoje a gente fala da importância de ter o protagonismo das pessoas que estão sendo oprimidas por essa estrutura, e por isso as mulheres têm um papel definitivo”.

Ora, se são as mulheres trabalhadoras as mais afetadas pelos problemas das cidades e do campo, as primeiras na fila do desemprego e do déficit habitacional, entre tantas outras formas de violência, é fácil entender a firmeza e a luta aguerrida de mulheres como Valdete Guerra e Eliana Silva, que por anos coordenaram ao lado de outras grandes trabalhadoras e trabalhadores sem teto as ocupações urbanas do MLB, que são uma forte ferramenta na luta pelo direito à cidade e pela moradia digna. Sara completa que “as ocupações têm um papel de organizar o povo para lutar e reivindicar esse direito – a moradia – que é mínimo e básico, e provar na prática que o poder popular dá certo. Porque são nesses espaços que o povo toma todas as decisões e é por isso que a consciência das pessoas muda, deixa de ser individual. Por exemplo, não se torna responsabilidade de uma única mãe procurar creche para seu filho, mas responsabilidade dos moradores da ocupação de construir uma creche, um local seguro para as crianças. Além disso, quando se tem uma ocupação, se tem um forte do povo.”

Este ano, só durante a pandemia da Covid19, ao menos 2500 famílias foram despejadas de forma violenta e criminosa na capital Paulista, dentre estas, a maioria compostas prioritariamente por mulheres. Não fosse o MLB e outros movimentos sociais, essas famílias se somariam às centenas as famílias que hoje moram nas calçadas, expostos fome e a toda violência que esse estado é capaz de oferecer, e mais, não fossem esses movimentos que organizam principalmente as mulheres para lutar pela reforma urbana, para ocupar os espaços políticos da sociedade e por sua emancipação. Ainda segundo Allana, “numa sociedade que silencia, ter voz é libertador. Essas são provas de que a luta pela moradia é também uma luta feminista, capaz de emancipar as mulheres”.

Sendo assim, a luta pela moradia está totalmente atrelada a luta das mulheres e por sua emancipação. Num sistema em que o espaço urbano é tratado como negócio, não há chance de que a vida das mulheres seja priorizada. Para que as mulheres mães, negras e trabalhadoras não tenham mais que deitar suas cabeças em seus travesseiros com a angústia de não saberem se vão continuar tendo um teto sob suas cabeças que não desabe na hora de dormir, é preciso organizá-las não só pela reforma urbana. Apenas uma sociedade que priorize a vida, que atenda às necessidades da população, que estejam no poder aqueles nascidos no seio do povo, filhas e filhos de Dandara, Aqualtune, Luísa Mahin, Helenira Preta, Maria Felipa, Carolina Maria de Jesus, Olga Benário, Tina Martins e Teresa de Benguela, dará conta de superar o sistema de nos oprime. A construção de uma sociedade socialista é, portanto, uma tarefa urgente que deve andar de mãos dadas com a luta pela reforma urbana, agrária e pelo fim da opressão das mulheres trabalhadoras.