Alan Rafael e João Gabriel
SÃO PAULO (SP) – Desde que o capitalismo passou a ser o modo predominante de organização da economia mundial, inaugurou-se um estágio de grande crescimento das forças produtivas. Essa ação poderia significar que o povo teria as suas necessidades atendidas de modo mais urgentes, uma vez que a produção se tornou maior. Porém, não é difícil de encontrar, mesmo no século 21, pessoas que não possuem uma casa para morar, que não se alimentam adequadamente, não possuem um acesso a uma saúde de qualidade, dentre várias outras necessidades básicas que poderiam ter sido solucionadas há muito tempo.
Apesar do pouco tempo que se passou, o modo como se pensava a produção se modificou. Hoje o capitalismo destrói as forças produtivas. Mesmo tendo condições de atender as demandas e as necessidades das pessoas, o que rege o sistema capitalista é a conquista do lucro por parte de uma parcela, cada vez menor, de pessoas. Essas mesmas pessoas concentram poder e dinheiro, à custa das vidas de milhões de trabalhadores em todo o mundo. Não faz parte da economia capitalista atender as demandas concretas da vida dos trabalhadores. O que é considerado essencial nesse modelo é a anarquia completa da produção, isto é, independente da demanda concreta do povo com relação a tecnologia, o burguês que detém o monopólio desse mercado é quem determinará o quanto será produzido. Exemplo disso é que mesmo que 7,2 milhões de pessoas passam fome no Brasil (IBGE 2013) são os latifundiários que determinam o que será plantado em solo brasileiro. Eles tomam essa decisão sempre levando em consideração a ampliação de seus lucros e nunca pensando nas pessoas pobres do seu país.
A produção em larga escala, intitulada também de superprodução, segue sendo um dos elemento centrais das crises econômicas do capitalismo, que estão cada vez mais frequente e duradouras, o demonstra o quão decadente esse sistema é. Apesar dessas crises atingirem alguns representantes da burguesia e esses terem seus lucros prejudicados, é nas costas dos trabalhadores que as políticas de recessão, aliadas à ampliação da exploração, são aplicadas como “solução” para o povo. Além disso, mesmo diante do aumento da pobreza para maioria da população, os capitalistas precisam de estratégias cada vez mais complexas para manter as ruínas desse sistema sob pilares ocos, ou seja, tentam a todo custo levar o capitalismo adiante mesmo sabendo que esse é um modelo frágil e datado. Os donos do meio de produção liberam quantidades elevadas de produtos e mercadorias, mantendo dessa forma os pobres cada vez mais próximos da miséria. A concretização dessas ações só é possível diante de estratégias ideológicas e econômicas. Que agem de maneira subjetiva e concreta e, orientam o comportamento das massas com relação ao consumo.
Um exemplo de estratégia desenvolvida pelos capitalistas é a obsolescência, cujo significado é tornar um produto ultrapassado, sem utilidade. Essa estratégia foi aplicada pelos burgueses responsáveis pela produção de lâmpadas. Foi combinado em cartel a redução de dois terços da vida útil do filamento das lâmpadas. A aparição do conceito “obsolescência” foi em 1932, feito pelo capitalista do setor imobiliário, Bernard London, em um folheto publicado com o título “Fim da depressão por meio da obsolescência planejada” (traduzido do inglês). A ideia de London era que os ciclos de vida dos produtos deveriam ser interrompidos de maneira planejada, por decreto desconectado da duração real e assim, os consumidores voltariam às compras agitando a economia (London, 1932).
Esse primeiro exemplo de obsolescência é conhecido como obsolescência programada. No nosso cotidiano não faltam exemplos de produtos que seguem essa tendência. É muito recorrente ouvirmos comentários que as geladeiras, as máquinas de lavar, dentre outros equipamentos domésticos, duravam muito mais antigamente. Em certos casos as famílias passavam seus eletrodomésticos para as gerações seguintes. Em contrapartida, hoje, os mesmos itens possuem um “prazo de validade” bem mais curto. Com pouco tempo de uso os equipamentos apresentam falhas e muitas vezes simplesmente param de funcionar. Esse fim antecipado da vida útil é gerado pelo desgaste precoce das peças ou meramente por uma evolução tecnológica, que obriga a atualização do item. Isso é fruto de táticas que tem o intuito de manter o consumo mais frequente. Nos fogões, por exemplo, peças que tem uma maior facilidade de se deteriorar com o calor são as que estão mais próximas da fonte de calor do eletrodoméstico, ou seja, o projeto de design passa atender as exigências da estratégias de lucro dos capitalistas e não apresentar um produto com um desempenho melhor.
Outro tipo de obsolescência que vemos se ampliar nos dias de hoje é a obsolescência perceptiva. Esse tipo é mais ligado ao consumo e como as pessoas se relacionam com essas mercadorias. A ideia de “fim antecipado” é aplicada, por exemplo, na utilização de um aparelho celular, mas dessa vez quem determina o fim da utilidade do aparelho é o próprio consumidor. Contudo, o comprador é induzido pelas propagandas e pelo marketing. Mesmo durante a vida útil do equipamento, enquanto seu funcionamento ainda acontece de maneira completa, o aparelho é substituído por um novo, porque não atende mais às “novas necessidades” que o mercado oferece de modo incisivo ao consumidor por meio do marketing feito para os novos modelos. Na maioria dos casos as novidades são sutis, geralmente ligadas ao design e apresentam pouca evolução tecnológica com relação a geração anterior do mesmo equipamento. Além dos setores de eletroeletrônicos, principalmente de uso pessoal, essa estratégia também é muito usada na indústria da moda. Em todos os casos, o efeito da obsolescência perceptiva está estreitamente relacionado aos comportamentos de consumo das massas, que por sua vez está ligado ao desperdício. Esse modelo de consumo caracteriza o hiperconsumismo, que é um modelo doentio. O capitalismo faz questão de impulsionar esse modelo de vida.
Essas estratégias de manutenção desse sistema falido causam enormes impactos sociais, mas também ambientais. Uma vez que para produzir quantidades sempre maiores de produtos com matérias primas tão específicas utilizam-se de técnicas de extração e exploração cada vez mais danosas ao meio ambiente. Além disso, não é só a produção que é nociva à natureza. O descarte desses produtos também é realizado de maneira irresponsável, ignorando as possibilidades de reutilização e de descarte correto de materiais como o chumbo e mercúrio, ambos tóxicos, presentes no lixo eletrônico, que são descartados em containers e levados para países do sul do planeta, principalmente para o continente africano que recebe 90%(UNEP) do que é descartado pelos países imperialistas mais ricos do planeta, dentre eles Estados Unidos e China. Gana, por exemplo, recebe uma das maiores quantidades de lixo eletrônico do mundo. Em 2012, o país contava com a quantidade de 170 mil toneladas de lixo eletrônico, valor acumulado das centenas de contêineres que chegavam diariamente no país.
Apesar dessa lógica se multiplicar por diversos setores da produção capitalista, o setor de eletrônicos concentra todos os impactos negativos ao meio ambiente e afeta o comportamento das pessoas com relação ao consumo. Os eletroeletrônicos são os itens de maior rotatividade do mercado, com uma média de um a dois anos entre a compra e o descarte. Além disso, esses aparelhos são os maiores causadores de poluição por resíduos tóxicos, uma vez que todos esses dispositivos têm metais considerados pesados e tóxicos, extremamente prejudiciais ao meio ambiente e as pessoas. Nos resíduos eletroeletrônicos podem ser encontradas mais de 20 substâncias tóxicas dentre elas Alumínio (Al), chumbo (Pb), lítio (Li) e mercúrio (Hg). Essas substâncias quando descartadas de maneira irregular, podem integrar a cadeia alimentar humana, sendo ingeridas por peixes. Uma característica desses metais é que são permanentes em tecidos biológicos, ou seja, uma vez ingeridos por animais que compõem a alimentação dos homens, passam a fazer parte dessa dieta venenosa propiciada pelos capitalistas ao nosso povo. Esses alimentos contaminados sendo consumidos posteriormente junto causam diversos tipos de doenças, dentre as mais comuns o câncer, pois a maioria desses resíduos tóxicos são cancerígenos (todos catalogados pela agência internacional de pesquisa do câncer) (IARC).
A obsolescência programada e perceptiva são os principais fatores da poluição por resíduos tóxicos no mundo. Apenas no ano de 2014, nos Estados Unidos foram descartados 200 milhões de aparelhos celulares, sem nenhuma preocupação com o descarte que gera os impactos já citados.
Do lado de cá, ecologistas tentam disputar a consciência dos consumidores com relação a seus hábitos e destino dos produtos. ONGs como a Greenpeace difundem estratégias, individuais e subjetivas, de como tratar esse problema como o 3R (reduzir, reaproveitar e reciclar). Não é dessa maneira que evitaremos uma sentença de morte ao meio ambiente e de padrão de consumo ordenado pelos interesses de um punhado de famílias, esses mesmos interesses construíram materialmente uma forma de produzir na qual só se sustenta ampliando cada vez mais essa lógica de hiperconsumo, desperdício e destruição do planeta e da vidas que habitam nele.
A luta em defesa do meio ambiente precisa estar intrinsecamente ligada à luta por uma nova sociedade. Uma sociedade organizada não pelo interesse de alguns, mas pelas necessidades da maioria. A mesma maioria que produz tudo o que hoje garante a fortuna de parasitas que propõem um projeto de destruição ao mundo. As mãos dos trabalhadores é a única ferramenta capaz de colocar em prática a sociedade socialista, de homens e mulheres livres da miséria e morte. Produzimos e destruímos muito, nossa natureza é finita e isso é indiscutível. A finalidade da geração de produtos não pode ser mais a produção de lixo e geração de lucro, deve ser a emancipação do povo produzindo produtos que estejam diretamente ligados às necessidades da população e melhoria da qualidade de vida, culminando em uma sociedade justa e igualitária.