Carol Matos
SÃO PAULO – A Ford anunciou o encerramento da produção de veículos no Brasil ao declarar que irá fechar de imediato as unidades de Taubaté (SP) e Camaçari (BA) e que pretende encerrar as atividades da fábrica em Horizonte (CE) até o fim deste ano. Em 2019, a Ford já havia fechado a planta em São Bernardo do Campo (SP).
A crise causada pela pandemia do novo coronavírus provocou uma queda brusca nas vendas em inúmeros setores da economia em todo o mundo. A queda no faturamento das unidades brasileiras e uma reestruturação global na companhia foram algumas das razões apontadas para decisão da companhia.
Em todo o mercado nacional do setor automotivo a queda foi de 26,2% em 2020 comparadas ao ano anterior; na Ford, foi ainda maior: 39,2%.
O fim da produção da Ford no Brasil deve fechar cerca de 6 mil empregos diretos e ameaça milhares de outros empregos de fornecedoras em todo o setor metalúrgico e em áreas como serviços e vendas.
Acontece que as grandes companhias nunca deixaram de angariar lucros líquidos com a produção e a venda global de automóveis. Segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA), em 2018, com 2,566 milhões de veículos novos vendidos, as montadoras instaladas no país faturaram USD$ 61,8 bilhões.
Diante das 2,058 milhões de unidades vendidas em 2020, dá para se ter uma dimensão do alto faturamento do setor e da Ford, uma vez que ela possui quase 8% do mercado nacional.
É importante ficar claro como isso mostra que os reais problemas da matriz giram em torno de uma “baixa margem de lucratividade”, como a própria companhia declara, e não de prejuízos.
A despeito dos supostos percalços do mercado a Ford sempre contou com generoso apoio governamental. Segundo informação publicada primeiramente em blog do jornal O Globo, a montadora recebeu R$ 20 bilhões em incentivos fiscais desde 1999. A empresa beneficiou-se de isenção ou redução em tributos como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Lucro capitalista impede real desenvolvimento industrial no país
No Brasil, companhias como a Ford foram responsáveis por uma intensa guerra fiscal entre os estados, especialmente na região Nordeste. Nos anos 1980, utilizando poder de barganha, grandes empresas induziam governos locais a oferecerem o máximo de incentivos fiscais com a promessa de instalar unidades em regiões pouco dinâmicas economicamente. Assim, puderam utilizar terrenos públicos e contaram com isenção de até 100% de impostos estaduais.
Mais de 30 anos depois continuam sendo beneficiadas com tais vantagens. Em 2019, por exemplo, o governo do Ceará cedeu incentivos para a fábrica da Ford em Horizonte, reduzindo ICMS na importação de matéria-prima.
As principais políticas de desenvolvimento industrial no país passam pela concessão de incentivos fiscais sem quase nenhuma contrapartida social e econômica e a Ford aproveitou-se enormemente disso.
Depois de décadas de faturamento significativo, a companhia – junto com o anúncio do fim da produção nacional de veículos – impulsiona o enfraquecimento da cadeia produtiva do setor automobilístico nas regiões onde vinha atuando, gerando ainda mais desemprego.
Essa intransigente busca por super-lucros e a injusta apropriação privada de toda riqueza gerada pelos trabalhadores e trabalhadoras das fábricas são os verdadeiros entraves para produção industrial e sua distribuição.