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domingo, 22 de dezembro de 2024

CORDEL | Chorei por Brumadinho

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Cordel em homenagem às vítimas da Vale, em Brumadinho, escrito em fevereiro de 2019 pelo poeta mineiro Fabiano Gumier.

CHOREI POR BRUMADINHO

Que tristeza gigantesca,
tragédia tão surreal!
A empresa tão poderosa,
inumana e desleal,
soterrou tantas pessoas,
coletivo funeral.

Só pensando no poder,
esburaca, só explora.
Fica tão rica e influente
enquanto meu povo chora,
depois chega com dinheiro,
muito tarde, com demora.

A receita é muito simples:
rasga a terra, tudo cava,
natureza castigada,
animal nenhum se salva.
É incrível nossa cegueira,
tantas almas que enganava!

No passado foi do povo,
tal império incalculável,
e os abutres criticavam:
máquina pouco rentável!
Miram agora pianinhos,
de cantinho confortável.

Quero ver se vai mudar
ridícula condição.
Essa máquina velhinha
tá mais forte que a nação.
O governo pau mandado
bate palma pra ladrão.

Ouvindo a Vale dizer,
parece tão bonitinho.
Cavucam a terra fundo
e restauram direitinho,
mas é somente maquiagem
e miséria no caminho.

Depois do crime em Mariana,
então nada transformou?
A Vale ficou mais rica,
mais de trezentos matou.
O belo Estado submisso
por que a ninguém condenou?

Ela se pintou de verde,
mas sempre será marrom.
Enquanto o investidor
visa às cifras como bom,
sinto lama aí por dentro
a pulsar no mesmo tom.

Quando penso no meu povo,
terra de Minas Gerais,
dá tristeza, choro certo,
agonias e tantos “ais”.
Por favor, não se repitam
tantas cenas infernais!

Então, senhor Presidente,
que falava com brabeza
em campanha eleitoral,
quero ver sua firmeza
de intervir sem titubeio
e bater na realeza.

Pode ser assim tão grande,
superior ao Brasil?
Pode matar sem ir presa
nessa terra varonil?
Vai brincar com nossa gente,
esse povo tão gentil?

Lama tóxica ela joga,
faz chorar o Jesus Cristo,
mas pra Vale é tudo fake.
Ilusão, na qual insisto,
mineração é do inferno,
presidida por Mefisto!

Traga cá seu relatório
com zero de poluição,
tudo tão bem inventado,
escondido no jargão
de pessoas desonestas,
visando ganhar milhão.

Acorda, povo cegueta!
Lógica mais imbecil!
Foi de graça, de presente,
o subsolo do Brasil.
Vamos mudar o cenário,
menos foco mercantil.

Como é bonito assistir
robusta agenda social!
A instituição boazinha
faz bonito no jornal.
Na verdade maquiagem,
engodo promocional.

O Brasil sem essa chaga
respirará sem terror.
Vai-te embora, feia Vale,
minerar no exterior,
ou liberte toda a Terra
de teu jugo explorador.

Afirmo sem medo algum:
tem a pinta de assassina,
já matou várias pessoas,
pura água que contamina,
sepultou as coisas boas,
nada de bom nos ensina.

A natureza é alterada
de maneira radical.
Não te quero nessa terra,
praticando tanto mal.
Desejo vê-la distante,
bem antes do carnaval.

Iludidos funcionários,
até o mais douto engenheiro,
pensavam estar seguros,
batalhando o seu dinheiro.
Todos eles surpreendidos,
nem se sabe o paradeiro.

Sempre vejo nossa Minas
sendo toda devorada,
o minério sai ligeiro,
deixa a terra maltratada.
Fica então essa cratera
que não nos serve de nada.

Não se aflija nem desista.
Coragem, gente mineira!
Nossa vida é bem maior
que só a meta financeira.
Vamos juntos brigar forte
contra entidade traiçoeira.

Sabemos nome e endereço,
bem vista e identificada.
Seu nome modificou
também a cor disfarçada.
Afirmam que Vale muito,
essa gente está enganada.

Veja, na televisão:
Pobre pai desesperado
nada sabe de seu filho
pelo rejeito arrastado,
chora e não ouve notícia,
ele não foi encontrado.

Dói pensar no funcionário
distraído, em pleno almoço,
sem sonhar com esse risco,
surpreendido em alvoroço.

Prosa e vida interrompida,
foi-se a moça, foi-se o moço.
Desaparecidas vítimas
o Estado quem foi buscar.
Santa empresa poderosa,
caladinha, só a esperar.
A sujeira que ela fez
triste povo vai limpar.

Pais chorosos que nós vimos,
e todo triste parente,
desejam somente os corpos
para um enterro decente.
Quem teve o lar soterrado
viverá penosamente.

Uma dor que não tem fim,
sujeira que não se lava,
tantas mortes dolorosas
de quem antes bem estava.
Mostraram mortos em vídeos,
bruta lama carregava.

Há justiça no caminho,
reparo do irreparável,
ou na próxima semana
volta tudo a ser rentável?
Pobres que morreram hoje
por destino miserável!

Nossa nação é submissa
nesse idílio liberal,
namora elegante empresa
até em nível federal.
Ela ganha seus presentes,
mas o povo lamaçal.

Pois repare, nobre amigo,
que bisonho, que arte feia:
o chefão da Vale solto,
mas o Lula na cadeia.
A Vale, que foi marrom,
tá ceifando a vida alheia.

Grifo a licença ambiental,
que esse tempo no Congresso,
leva peia o tempo todo,
pois nos priva do progresso.
Agora este triste show
custou-nos vital ingresso.

E sigo marcha selado,
tal certo cavalo manso.
Usam cabresto e chicote,
não dão água, nem descanso.
Mas um dia me revolto,
dou coiçada, não me canso!

Ela grita lá de cima:
— Monto no tatu de ferro,
sai da frente, povo trouxa,
ou fácil eu já te enterro!
Vou cavando muito fundo
não me importo com seu berro!

Sigo voraz e faminta,
como terra todo dia.
Encho o bolso, forro a pança,
sustento a metalurgia.
É daqui que vem seu carro
e tanta quinquilharia.

Sou seu moderno automóvel,
cada talher e as panelas,
tô no miolo das casas,
até no aço das janelas.
Se já espatifou as pernas,
tem matéria minha nelas.

Tenho discurso afiado,
usado para iludir,
e sem meu rico minério
não poderia existir
modo de vida factível,
sem a terra destruir.

Não foi pouco em Mariana,
foi um trágico começo.
Brumadinho foi terrível,
outras minas já conheço,
mais tragédias seguirão
o fatídico endereço.

Em Carajás e região
há barragens de vocês.
Que fortuna mineral,
ferro, cobre e manganês!
Se projeto malcuidado,
quantas mortes sem porquês?

Foram muitos alteamentos,
igarapés represados,
virgem floresta alterada,
naturais cursos desviados.
A população protesta:
acabaram-se os pescados!

Mas tudo muito bonito,
cenário representado.
Quem habita lá por perto
sabe o caso bem contado,
na foto o mato verdinho
por Photoshop editado.

Não importa o mineral,
ouro, níquel e bauxita,
um presente natural
que virou sorte maldita.
A pessoa pobre lavra,
nessa sina mal escrita.

Vêm à boca facilmente
palavras que leva o vento:
Esse laudo me garante,
científico documento!
Isso não resolve nada
nem abranda o sofrimento.

O rio Doce azedou,
foi tudo esterilizado.
Pouco tempo transcorrido,
explodiu naquele lado
surto de febre amarela,
que matou mais um bocado.

Sem os peixes e outros bichos,
fauna que o rio abrigava,
veio forte a mosquitada,
que rápido se espalhava,
infestou todo o Sudeste
com o vírus que matava.

No presente em Brumadinho,
outro rio foi transformado.
É a vez do Paraopeba,
todo foi contaminado!
Outro surto de doenças
pela Vale encomendado!

Em dois mil e dezenove,
até barragem faz mal.
A gigante é poderosa,
publicitário arsenal,
tem um jurídico exército,
tecnologia medieval.

As rastejantes criaturas,
no sentido figurado,
são os nobres dirigentes
que escaparam do cercado.
Transcorridos já três anos,
nenhum deles condenado.

Encerro essas simples rimas
de maneira bem modesta,
esperando novidades
sobre a pobre gente honesta.
No momento sem notícias,
esperança é só o que resta.

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