TRABALHADOR UNIDO – Em meados de janeiro, o Banco do Brasil anunciou um plano de demissão voluntária e o fechamento de dezenas de agências em todo o país. Esse plano faz parte da política de Bolsonaro e seu ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, de privatizar o que resta do patrimônio público, entregando nossas estatais de bandeja ao capital financeiro.
Para entender melhor as consequências dessa política para o país, A Verdade entrevistou os bancários Célio e Roberto, funcionários do Banco do Brasil no Rio de Janeiro, que falaram como a categoria tem enfrentado essas ameaças do governo e quais ações devem ser encampadas pelos bancários para impedir a venda do Banco do Brasil.
Por Christian Vincenzi
Rio de Janeiro
A Verdade: Recentemente, o Banco do Brasil anunciou um programa de demissão voluntária e o fechamento de mais de 100 agências em todo o país. Se forem efetivadas, como estas medidas vão interferir na vida dos brasileiros?
Célio: Isso criará muita dificuldade para os clientes utilizarem as agências, especialmente o público mais idoso, criando uma insatisfação muito grande na população, que optará por migrar para outros bancos. Além disso, o cliente será obrigado a utilizar os meios eletrônicos. O grande problema é que boa parte da população ainda não está adaptada à era digital. Essa decisão do governo acaba afetando a imagem da instituição, porque o público fica com o sentimento de que o BB pertence cada vez menos à população.
Há vários anos, o Banco do Brasil está na mira da privatização. Qual o prejuízo disso para o país e para os funcionários do banco?
Célio: O Banco do Brasil é uma empresa muito lucrativa. Todo ano, repassa mais de 5 bilhões para o governo. Com a venda, não haverá mais esse repasse. Não podemos esquecer, também, que o banco tem um espírito público, pois atua em algumas áreas que os bancos privados não querem atuar, por não haver lucratividade nesses tipos de serviços. Outro prejuízo para o país é que o Banco do Brasil, junto com a Caixa Econômica Federal, trabalha com a menor taxa de crédito. São esses bancos que puxam a taxa de empréstimo para baixo. Com o Banco do Brasil privatizado, a tendência é que as taxas passem a aumentar porque o maior concorrente dos bancos privados deixará de existir. Por exemplo: quem vai emprestar dinheiro a juros baixos para rodar o agronegócio? Quanto aos funcionários, praticamente todos serão demitidos. E são mais de 90.000 funcionários. A remuneração de um bancário do Banco do Brasil é maior do que a de um bancário do banco privado. Se o Banco do Brasil for comprado por um banco privado, quase todos os funcionários serão demitidos, pois sua remuneração é maior. Não podemos esquecer que isso também afetará todo o mercado, pois serão mais de 90.000 trabalhadores que diminuíram o seu consumo por não ter mais emprego.
Que papel social o Banco do Brasil cumpre atualmente? O que impede que o banco esteja mais presente na vida da população na luta contra as desigualdades?
Célio: O Banco do Brasil cumpre um papel social no crescimento econômico do país, nas indústrias e na parte comercial e social do Brasil. Fazemos financiamento para o agronegócio, financiamos a educação através do FIES e mais outras ações que os bancos privados não fazem. Podemos até dizer que uma das coisas que impedem que o Banco do Brasil esteja menos presente na vida da população é que hoje há uma busca incessante por lucros para os acionistas, e isso passou a ser a principal meta do Banco do Brasil. Em 2012, na era do PT, a presidente Dilma Rousseff fez com que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica reduzissem a taxa de empréstimo e de financiamento para estimular o mercado automobilístico, eletrodomésticos e outras empresas. Isso ajudou a população a adquirir bens e as empresas a não quebrarem, consequentemente ajudando muitos trabalhadores a manterem esses empregos. Quando houve a pandemia, em que várias pessoas ficaram sem emprego ou tiveram seus salários reduzidos, o Banco do Brasil quase não baixou os juros, que continuam altos, principalmente os dos empréstimos não consignados.
Roberto: Eu acho que o Banco do Brasil sempre teve uma função de ser (comparando com a Caixa Econômica Federal) um banco mais “de mercado” porque ele sempre foi mais forte em relação a isso. Então o Banco do Brasil exerce uma função de intervenção do governo (se houver essa intenção) no mercado. Ele é o braço forte pro governo dizer assim: “Itaú, Bradesco, etc., olha, a gente vai fazer isso aqui. Se vocês não quiserem fazer, é um problema de vocês”. E aí o mercado geralmente tem que seguir porque o BB é muito grande, é muito forte. É o banco mais presente se considerarmos o território nacional inteiro. O Itaú, Bradesco, Santander e outros querem abrir uma agência ou estarem presentes fortemente onde a população concentra dinheiro. Então, no Rio de Janeiro, você encontra Itaú em tudo que é esquina e pode dizer: “pô, tem Itaú em tudo o que é lugar. Banco do Brasil não tem tanto”, embora tenha bastante, mas não tanto. Mas o Banco do Brasil vai estar naquela cidadezinha de interior que tem 20.000 habitantes. Eu já morei numa cidade de interior de quase 30.000 habitantes, e as pessoas diziam: “Esse mercado aqui, eu abri graças ao Banco do Brasil”. Então, o BB tem uma função de desenvolvimento da cidade mesmo. E tem a questão rural da agricultura familiar, do Pronaf e Pronamp, que é praticamente monopólio do Banco do Brasil. Desde o governo Temer para cá, o BB vem esquecendo completamente a sua parte social e a sua importância para o país. Ele vem trabalhando da mesma forma que os outros bancos. “Olha, se a gente diminuir mil funcionários aqui, a gente vai economizar tanto e o mercado vai entender que o Banco do Brasil está se modernizando, se enxugando, está sendo uma empresa mais moderna”. Assim, começou o processo de reestruturação e a gente já está na terceira ou quarta do governo Temer para cá. Éramos 120.000 funcionários, e hoje somos cerca de 90.000. É uma precarização em relação ao atendimento do Banco do Brasil para que isso possibilite a criação de uma onda que justifique a privatização do banco ou de qualquer outra coisa que seja parecida. A perda do Banco do Brasil vai fazer com que um próximo governo que queira intervir no mercado, através de um banco público, tenha muito mais dificuldades.
Existe uma pressão dos bancos privados e do mercado financeiro pela privatização do Banco do Brasil?
Célio: Sim, todos querem comprá-lo e eliminar um grande concorrente dos bancos privados. A BB DTVM, que é uma empresa do Banco do Brasil que cuida da parte de investimentos e aplicações financeiras, possui uma carteira de mais de um trilhão em investimentos. A pouco tempo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou fazer com que o Banco do Brasil vendesse essa empresa, que é um dos pilares do lucro do Banco do Brasil.
Que outras medidas o governo Bolsonaro/Guedes tem tomado em relação ao Banco do Brasil nos últimos dois anos?
Célio: A venda de imóveis, obrigando o banco a pagar aluguel. Inclusive, o prédio onde ficam localizados os principais escritórios de negócios do Rio de Janeiro foi vendido e os funcionários irão para outro prédio que será alugado pelo Banco Pactual, que era do ministro da Economia, o senhor Paulo Guedes. O Banco Pactual é a mesma empresa que comprou uma carteira de empréstimos de clientes inadimplentes, que era avaliada em mais de 3 bilhões de reais, por pouco mais de 300 milhões de reais, e que também tinha como sócio o atual ministro da Economia.
Diante disso, como tem sido a atuação do movimento sindical bancário? Quais são as reivindicações dos trabalhadores para impedir o desmonte do Banco do Brasil?
Roberto: Eu acho que o movimento sindical depende da participação da categoria. O sindicato tenta atuar da maneira que dá para atuar, só que sem a participação do próprio bancário, o sindicato é só uma forma de a gente atuar em conjunto. A gente ouve muita coisa do tipo: “o sindicato é vendido, só serve pra manter aquelas mamatas lá”. Mas, se tem votação todo ano, é só trocar. Só pode reclamar se participar. A questão é que o enfrentamento a tudo isso é uma questão de unidade da categoria. A gente está num momento de pandemia para as pessoas tentarem refletir em relação justamente a esse pensamento individual. É um caminho coletivo. Tem que ser um caminho em que todos possam estar bem, e para muita gente é difícil entender isso. É muito difícil pensar no próximo. Dentro do Banco do Brasil a gente tem colegas sofrendo, colegas passando mal, colegas sofrendo psicologicamente com toda a pressão de meta e agora com a restruturação, por medo de perderem suas comissões, salários, etc. Então, a pessoa mantém o seu trabalho e não olha para o lado. É difícil a gente manter uma unidade. Fora que você tem todo o trabalho psicológico do próprio banco para evitar que essas pessoas façam esse tipo de movimento. É complicada a relação do comparativo de forças, é desproporcional. O sindicato tenta fazer o que pode, mas o sindicato não é nada sem a categoria. A categoria tem que estar unida. A categoria que tem que estar no sindicato.