Fernando Alves, da Redação
17 de abril é o Dia Internacional da Luta Camponesa. Há exatos 25 anos, 21 trabalhadores sem terra foram executados pela Polícia Militar do Pará quando protestavam pela solução de um conflito de terras no Município de Eldorado dos Carajás. À época, mais de duas mil famílias organizados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam a Fazenda Macaxeira. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) anunciou um laudo comprovando que as terras da fazenda eram próprias para plantio e o MST sustentava que eram improdutivas e denunciaram que o laudo havia sido forjado de maneira ilegal.
Independente dessa situação, o Instituto de Terras do Pará prometeu acelerar a desapropriação da área em favor dos sem-terra. Diante da demora, 1.500 trabalhadores iniciaram uma caminhada pela rodovia BR-155 até Belém para exigir a imediata desapropriação. A PM bloqueou a estrada na localidade Curva do S, impedindo a caminhada prosseguir e pressionando pela desobstrução da rodovia. Os trabalhadores não acataram às ordens da PM e resistiram, prosseguindo a caminhada.
Diante da tensão criada, os trabalhadores decidiram enfrentar o aparato militar, já que a PM se mostrou intransigente e disposta a reprimir o movimento. Os fatos já demonstravam um ataque desproporcional e covarde por parte das forças de repressão, pois os trabalhadores rurais estavam desarmados e apenas queriam caminhar pacificamente pelos seus direitos. Na ação, 69 trabalhadores foram feridos e 19 mortos no local, posteriormente outros dois morreram vítimas do confronto.
Violência e impunidade
Logo as notícias do massacre percorreram o Brasil e o mundo, trazendo uma enorme indignação e dando início a uma guerra judicial pela punição aos policiais envolvidos, em particular, aos comandantes da operação, o coronel Pantoja e o major José Maria Oliveira, e ao governador do Pará na época, Almir Gabriel. Pressionado pela chamada opinião pública, o presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) criou o Ministério Extraordinário de Política Fundiária 12 dias após o massacre. Em 1997, a Fazenda Macaxeira foi desapropriada para fins de reforma agrária e as famílias foram assentadas oficialmente na área, o que representou uma grande vitória para a luta pela Reforma Agrária e que atendeu uma das reivindicações dos trabalhadores rurais.
Mesmo diante da repercussão, o processo de julgamento para punir os responsáveis diretos pelo massacre foi totalmente viciado e os comandantes foram absolvidos de condenação. A pressão popular em todo o país e no mundo e as manifestações em frente ao Tribunal de Justiça de Belém obrigaram o TJ a anular a sentença no ano seguinte. Em 2002, diante de um novo julgamento, o coronel Mário Pantoja e o major José Maria Oliveira foram condenados a 228 e 158 anos de prisão, respectivamente.
Os demais policiais envolvidos foram absolvidos sob a alegação de que não haveria como identificar de quais policiais saíram os tiros que feriram os sem-terra. Mesmo sendo condenados, o coronel Pantoja e o mafor Oliveira recorreram em liberdade, sendo presos somente em 2012. Durante o julgamento, foram ignorados fatos importantes, como a ocultação da identificação dos policiais e de terem extraviados as cautelas (documento utilizado para relacionar o policial à arma utilizada numa ação). Porém, nenhum latifundiário mandante do massacre foi sequer julgado e ficaram ilesos da Justiça. E, na prática, os crimes cometidos nesse episódio de Eldorado dos Carajás continuam impunes.
A realidade no campo
Mesmo com esse e outros casos de assassinatos e massacres ocorridos no campo, a luta popular pela Reforma Agrária continua sendo uma das mais importantes para diminuir as injustiças históricas contra os pobres. Embora, depois do massacre de Eldorado dos Carajás tenha havido um número maior de desapropriações de terras no Brasil, não existe uma política de investimentos em agricultura familiar e o agronegócio se tornou política de Estado, fomentando através de subsídios públicos a grande propriedade privada rural, beneficiando, assim, o surgimento de uma moderna burguesia rural e fortalecendo o latifúndio e empresas que continuam utilizando métodos medievais violentos de ocupação de terras de pequenos agricultores e dos povos indígenas, concentrando ainda mais a propriedade da terra nas mãos de pecuaristas e de latifundiários, investindo na ampliação do agronegócio, com trabalho assalariado e maior mecanização.
Justiça para os heróis e heroínas de Eldorado dos Carajás
Segundo o MST, mais de quatro milhões de famílias camponesas não possuem terras no Brasil. A luta organizada no Sul do Pará que ceifou a vida de 21 trabalhadores sem-terra naquele “longínquo” 17 de abril entra em mais um capítulo das lutas de resistência popular e serve como exemplo da abnegação e do heroísmo de um povo que resiste há mais de cinco séculos de massacres e exploração. Os heróis de Eldorado dos Carajás e de todas as lutas camponeses contra o capital e a burguesia jamais devem ser esquecidas. Pela justiça e pela memória dos que tombaram como vítimas da repressão brutal e das injustiças.