A Casa de Referência para Mulher Helenira Preta, um espaço de combate a violência contra mulher na cidade de Mauá, corre sérios riscos devido a um leilão do prédio onde realiza seus trabalhos atualmente. Hoje, em assembleia que reuniu dezenas de mulheres, elas organizaram a luta frente a essa situação.
Por Amanda Bispo
MAUÁ – “Eu tive o privilégio de conhecer a Casa Helenira no momento em que mais precisei e foi nela que encontrei apoio. Fui muito bem acolhida e orientada para que juntas, pudéssemos encontrar a melhor solução para minha situação. Eu e minha filha conseguimos sair da situação de risco em que estávamos vivendo. Meu sentimento é de gratidão a todas vocês mulheres por tanto empenho em seguir em frente nesta luta para o fim da violência doméstica e preconceitos sofridos por tantas e tantas mulheres.” conta RN¹, 54 anos, uma das primeiras mulheres atendidas na casa.
Há quase quatro anos, indignadas com o crescimento da violência contra mulher e inspiradas em ações realizadas por mulheres em outros estados brasileiros, um grupo de mulheres decidiu ocupar uma casa abandonada em frente a Praça 22 de Novembro. No ano seguinte, após a prefeitura não atender todas as reivindicações, ocuparam um prédio abandonado na Vila Bocaina. A ação foi organizada pelo Movimento de Mulheres Olga Benario que luta para combater a violência e a opressão contra as mulheres em todo o Brasil.
Em 2017, ainda não existia sequer uma Secretaria de Políticas Públicas para mulheres na cidade de Mauá, que fica no ABC Paulista, São Paulo. Essa foi uma das reivindicações das mulheres conquistada alguns meses depois.
Apenas em 2020 foram 290 casos de violência contra a mulher por dia no país, segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. 72% desses casos foram de violência doméstica e familiar.
Até hoje, a Casa de Referência para Mulher Helenira preta é o único serviço específico para acolher as mulheres na cidade de Mauá. Ao longo destes anos a Casa realizou um trabalho sério atendendo mulheres que precisam de amparo jurídico, social e psicológico. São profissionais voluntários que atuam para que a casa possa oferecer seus serviços.
Maria Aparecida, assistente social da casa, moradora do IV Centenário, relata: “Trabalhamos com as mulheres que procuram a casa diretamente ou através de busca ativa com panfletagens nas ruas, estação de trem, terminais de ônibus, nas comunidades, associações amigas de bairro e redes sociais. Atendo mulheres vítimas de violência, com trabalho de articulação de rede, com uma equipe de acolhimento técnico que em reuniões periódicas desenvolve uma escuta qualificada: reuniões de grupo com vítimas de violência doméstica familiar, atendimento individual, elaboração de relatório social, encaminhamentos e orientações. Junto com as Assistentes Sociais, estamos elaborando um projeto social para promover reuniões dinâmicas, acompanhamentos e ações para a superação de risco e vulnerabilidade, assim, potencializar e fortalecer as mulheres vítimas de violência e a superação para sua cidadania.”.
Neste mês de março foi aberto o leilão do terreno onde hoje está a Casa Helenira. Sem nenhum contato prévio com as mulheres, o leilão foi aberto no mês que marca a luta das mulheres no mundo. Ele tem seu fim em 27 de abril e avalia o prédio em mais de R$ 8 milhões, avisando apenas que o espaço está ocupado.
Além da Casa Helenira no terreno também está a Ocupação Manoel Aleixo, uma ocupação com dezenas de famílias que lutam por moradia. Paula, 29 anos, moradora da ocupação Manoel Aleixo, também é atendida na Casa Helenira Preta e conta: “Cheguei na ocupação precisando de ajuda com meu filho no colo, apenas com a roupa do corpo, desempregada, sem nenhum um real no bolso e com danos psicológicos porque sofri agressões do meu ex-marido. O pessoal do MLB me indicou a Casa Helenira Preta, lá as mulheres me ajudaram muito. Eu pensei que estava nessa guerra sozinha, mas não estava não, elas me ajudaram segurando minhas mãos. Me falaram “Paula, você nunca mais vai estar sozinha nessa batalha”, lembro como se fosse hoje. Hoje estou tratando minha depressão e saindo dessa situação. Eu agradeço pelos cuidados e a atenção de cada detalhe que a casa Helenira Preta tem comigo e com meus filhos e agradeço a todos da ocupação Manoel Aleixo que me receberam como uma família.”
Durante a pandemia, com a necessidade do isolamento social, da quarentena e da piora de condições de vida das pessoas, a violência contra a mulher cresceu e o trabalho se faz ainda mais necessário, como no caso da Paula. Neste momento, a Casa Helenira junto a Universidade Federal do ABC, através do Projeto de Combate a Violência Contra a Mulher na pandemia, foi impulsionadora da articulação da rede de enfrentamento a violência contra a mulher da cidade de Mauá. A qual conta com a participação da Defensoria Pública, do CREAS, do NUDEM, da Casa Helenira, PLPs e da Secretaria da Mulher de Mauá. Esta rede ajudou para que mais atendimentos fossem realizados e com melhor apoio às mulheres.
Além disso, a Casa realizou uma ampla Campanha de Solidariedade com entrega de álcool e gel, máscaras e cestas básicas nos bairros mais carentes da cidade. Foram milhares de cestas entregues, além da conversa com a população para explicar sobre o vírus, como se proteger e como acessar os auxílios oferecidos pelo governo.
A casa também é um espaço de diversas formações, cursos profissionalizantes e de formação política, oficinas de geração de renda e atividades culturais, como saraus, batalhas de rima, espaço de grafite etc. A casa ainda conta com uma biblioteca e ativa organização de uma roda de mulheres gestantes.
É importante ressaltar que todo este trabalho é realizado sem nenhum tipo de financiamento. Apenas doações apoiam o trabalho das mulheres, principalmente através de vaquinha online, que ainda não tem sua meta 100% alcançada. Saiba mais em: https://apoia.se/casahelenirapreta.
Hoje em assembleia da Casa Helenira Preta se reuniram quase 100 mulheres para debater como atuar frente a situação do leilão. Após o debate foi aprovada a criação grupos de trabalho que debatam a resistência política, jurídica, divulgação nas redes sociais, a preparação de um documentário sobre o trabalho da casa, além de um grupo para realizar mobilização nas ruas de Mauá. Ao longo da semana também acontecerão colagens de lambes e intervenções artísticas. Um ato está sendo convocado para o dia 15 de abril (quinta-feira) com concentração às 17h em frente às ocupações.
Nestes 4 anos, a casa já impactou a vida de milhares de mulheres como é o caso de Dalva França, professora, 39 anos, moradora do Falchi: “A Casa Helenira Preta em Mauá teve papel fundamental na minha vida quando voltei do sul. Lá eu obtive ajuda psicológica gratuita que me ajudou muito a lidar com os problemas de forma mais reflexiva. Conheci as meninas que construíram a Casa e logo quis me envolver. A Casa se torna um local essencial para a cidade de Mauá por se tratar do nosso único centro de referência de acolhimento para mulheres que sofrem violência. Como professora licenciada em Arte Visuais, tenho o sonho de ministrar oficina de arte para ajudar outras mulheres. O fechamento da Casa Helenira Preta significaria o sacrifício do sonho de muitas mulheres e muitos moradores da nossa cidade. A Casa Helenira Preta precisa continuar para o bem de Mauá.”