Matheus Troilo
SÃO PAULO – Diante da pandemia da COVID-19 e do agravamento da crise econômica do país milhares de famílias estão ficando desempregadas e o Brasil voltando ao mapa da fome, onde muitas vezes é preciso escolher entre comer ou morar, já que o preço dos mantimentos básicos mais que dobrou e os aluguéis podem ter reajustes de até 25%, mesmo já consumindo atualmente metade da renda das famílias que não possuem casa própria, um direito garantido por lei, mas negado ao povo pobre. Diante desse cenário, em março de 2020, o trabalho do Movimento de luta nos bairros, vilas e favelas (MLB) foi impulsionado nos bairros periféricos da cidade de Mauá, grande ABC, culminando na construção da Ocupação Manoel Aleixo em setembro do mesmo ano.
Selma Maria, uma das coordenadoras da Ocupação, relata a entrada no prédio: “era uma manhã e ainda estava muito incerta sobre tudo aquilo, cheguei inclusive a desistir de ficar na ocupação, mas ao voltar pra minha casa onde pagava aluguel foi pior ainda, pois não conseguia parar de pensar em todas aquelas famílias que estavam iniciando essa luta e que não tinham outro lugar pra ir. Sem contar que já era uma das pessoas atendidas pelas Brigadas de Solidariedade construídas pelo MLB, pois todo o dinheiro que tinha como renda estava servindo para pagar aluguel e não me sobrava nada para comer”.
Aumento dos despejos durante a pandemia
Além da profunda crise econômica e sanitária, o povo sofre com o número crescente de despejos, que mais que dobrou no último ano com incentivo do governo Bolsonaro, que vê o povo pobre como terrorista e uma ameaça para o contínuo enriquecimento da sua família que, frente a essa situação de miséria da maioria da população, tem adquirido imóveis milionários em áreas nobres de grandes cidades. A moradora Eliete, vítima de um despejo ilegal, conta como o Estado derrubou sua moradia ano passado: “eles não têm respeito nenhum com o povo pobre e trabalhador, chegaram derrubando tudo sem nem consultar se tinha alguém na casa, perdi tudo e tive que morar de favor com meu irmão, se estivesse em casa teria sido soterrada com todas as minhas coisas”.
A Ocupação Manoel Aleixo virou referência da luta pela moradia na cidade e tem sido procurada pela população, que busca apoio do movimento para enfrentar o déficit habitacional e os despejos. Exemplo disso foi a mobilização dos moradores do bairro Nova Mauá, que foram à ocupação pedir apoio contra as ameaças de remoção que o bairro vem sofrendo desde o ano passado, com dezenas de moradores recebendo notificação de reintegração de posse e uma casa tendo sido demolida em ação arbitrária da Polícia Militar. Michel, morador do bairro, denunciou ao jornal A Verdade: “nós estamos recebendo intimação do fórum para sair de casa, pra ele demolir. Isso está errado!” e continua sobre o despejo ilegal ocorrido: “a família foi despejada e mesmo a notificação sendo para despejo, eles demoliram a casa, não podiam demolir e eles demoliram com arbitrariedade!”.
O crescimento dos despejos na pandemia deixa claro que o Estado está preocupado em garantir o direito dos ricos e grandes proprietários, não se importando em colocar pais e mães de família na rua diante da pior crise sanitária da história. Porém, as vitórias conquistadas contra essas injustiças demonstram que a organização e a luta são o caminho para que o povo pobre possa vencer a força e as arbitrariedades do Estado.
Organização coletiva garante moradia e renda para as famílias
No dia 07 de setembro ecoou a voz daqueles que não tiverem uma verdadeira independência, que são excluídos e marginalizados por um Estado que prefere manter um imóvel abandonado, sem cumprir sua função social e com dívidas milionárias, a assegurar o direito à moradia de dezenas de famílias. Tânia conta à situação que vivia antes da ocupação: “eu sempre me virei vendendo algum tipo de produto para poder pagar as contas, mas com essa situação toda ficou tudo muito mais difícil e o dono do barraco onde eu morava não queria saber, tinha que pagar o aluguel em dia se não era rua. Sem opção, cheguei a vender até alguns móveis para poder garantir um teto para mim e meus 3 filhos. Se não fosse a Ocupação Manoel Aleixo talvez estivesse na rua agora. Aqui dentro já penso e estou organizando alguma atividade para garantir uma renda, por exemplo, a venda de produtos de limpeza para nós e o bairro em volta”.
Reginaldo, ex-morador do Zaíra, trabalhador da construção civil e pai de 2 crianças também conta que não tinha mais condições de se manter no aluguel: “o emprego fixo é difícil, mas de vez em quando aparecia uma obra aqui e ali que dava pra garantir o básico pra família, mas ultimamente além de faltar trabalho as coisas aumentaram muito, não tava dando pra pagar aluguel e ainda comprar as coisas para as crianças. Com tanto imóvel abandonado igual a esse pela cidade e a gente tendo que passar por tanta dificuldade, isso não está certo”.
Eliete conta sobre a responsabilidade do brechó organizado pelo movimento: “recebemos muitas doações de diversos lugares e toda vez que uma doação chega, verificamos a necessidade dos moradores e oferecemos alguns itens, com esse trabalho conseguimos garantir que todo mundo pudesse vestir e ter móveis nas suas casas. No começo do ano começamos a vender alguns itens e nosso bazar tem sido um sucesso, garantindo renda para algumas famílias que trabalham para o funcionamento, uma contribuição para a Ocupação e o crescimento da nossa relação com os moradores do bairro que vem comprar ou doar pra gente”.
Solidariedade e luta rumo a nova sociedade
Nossa Ocupação é fruto das brigadas de solidariedade organizadas pelo MLB, Movimento de Mulheres Olga Benario e União da Juventude Rebelião, que mesmo durante a pandemia se dedicaram a ir aos bairros periféricos da cidade para cadastrar informar, conversar e conscientizar as famílias que estão passando por dificuldades diante da crise e realizar a entrega de cestas básicas junto a um exemplar do jornal A verdade, discutindo as principais matérias e apontando os verdadeiros responsáveis pela situação em que nosso país se encontra.
Selma Maria relata como foi esse processo de enxergar a luta como saída: “eu fui uma das pessoas atendidas pelas brigadas de solidariedade e através desse trabalho conheci os movimentos. Até então, eu me considerava de direita e bolsonarista, ao começar a participar das atividades pude ver quem realmente está do lado do povo e que, com certeza, não eram os ricos, muito menos o governo Bolsonaro, que escolheu que a gente passasse por tudo isso”.
No último mês completou-se um ano das redes de solidariedade desses movimentos que acontecem em todo o país, com milhares de famílias recebendo cestas e podendo discutir a situação econômica, política e sanitária do Brasil. Com o mesmo espírito, todos os moradores têm se envolvido na arrecadação dos itens pedindo nos mercados, igrejas, parentes e quem mais possa contribuir com nossa rede, além da montagem e entrega das cestas. Fazemos todos esses trabalhos e mantemos nossa casa sempre bem limpa, arrumada, com alimentação garantida e muito companheirismo, como conta uma de nossas moradoras, Keyth: “Aqui encontrei pessoas que se tornaram minha família, pessoas solidárias e generosas que se ajudam mutuamente e que, em sua luta diária, conseguem sobreviver às adversidades. Encontrei um partido, a UP, que deu um novo sentido para minha vida, agora tenho motivos para lutar”.
Portanto, a Ocupação Manoel Aleixo, assim como tantas outras ocupações do MLB, aponta o exemplo de organização, de reconstrução do ser humano através da luta e da conquista do seu direito de usufruir daquilo que produz. Este exemplo se torna uma ameaça aos poderosos que sempre buscam eliminar tal organização e que nesse momento planejam leiloar nossa moradia, sem nem conversar com as famílias que possuem a posse do prédio. Mas nós continuamos com os punhos e cabeças erguidos, honrando o nome de Manoel Aleixo e daqueles e daquelas que tombaram pela construção de um novo mundo.
Não nos intimidarão!
Não ao leilão!
Resiste Manoel Aleixo
MLB essa luta é pra valer!