Reitoria quer aprovar novo regimento que mantêm USP elitista e anti democrática

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INCLUSÃO – Contra o histórico e a atual Reitoria da USP, que representam a defesa de um ensino elitista, estudantes e trabalhadores lutam por uma Universidade inclusive e democrática (Foto: Reprodução)

Gabriel Borges

SÃO PAULO – Em meio a pior fase da pandemia da COVID-19, em que todos os dias no e-mail universitário há novos comunicados de falecimento de estudantes, professores e funcionários da Universidade de São Paulo, a Reitoria da USP resolveu votar uma nova proposta de Regimento Interno, fechando os olhos para a realidade e imaginando um conto de fadas onde a comunidade universitária está em plenas de condições de debater, propor e se mobilizar para a discussão de um documento de tamanha importância.

Um fato incontestável é que o atual regimento interno da USP – datado de 1972, portanto, um fóssil da ditadura militar que persiste na maior instituição de ensino superior da América Latina – precisa ser modificado, e o quanto antes. Em 2011, após a polícia militar ter invadido o vão da História e Geografia e detido dois estudantes, uma grande mobilização inundou a universidade em defesa da democracia e da liberdade de manifestação no interior dos campi. O fato culminou com a Ocupação da Administração da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), tendo como reivindicação precisamente a ampla discussão de um novo regimento, que superasse o de 1972 e garantisse a democracia universitária. Apesar dos esforços para elaboração de uma nova proposta de Manual de Convivência, a Reitoria ignorou qualquer aprofundamento no caso, preferindo empurrar com a barriga os códigos de conduta ditatoriais que sempre lhe agradaram na repressão aos movimentos estudantil e sindicais.

Agora, com o conjunto da comunidade universitária desmobilizada devido à pandemia, a Reitoria achou que seria um bom momento para voltar a discutir o Regimento. Com a formação de uma comissão extremamente restrita presidida pelo diretor da Faculdade de Direito da USP, foi gestado o chamado Estatuto de Conformidade de Condutas (ECC). Sem debate algum com as demais unidades, departamentos, cursos, entidades estudantis, funcionais ou de docentes, O ECC foi apresentado no Conselho Universitário na penúltima sessão do ano, em novembro, exigindo que as Congregações debatessem e apresentassem pareceres já em janeiro, se revirando nas férias para debater um documento de mais de 50 páginas, munido de um vocabulário jurídico de difícil acesso e que em seu conteúdo define os parâmetros de como deve se comportar um membro da comunidade USP.

E o que diz esse documento? 80% dele fala sobre inúmeros comportamentos dignos de punição entre docentes, professores (em exercício ou até aposentados!), estudantes, pesquisadores e qualquer pessoa com vínculos com a universidade. Essas punições vão desde a abertura de processos internos até a expulsão ou a quebra de contratos. O direito à greve é veementemente atacado, impondo punições de média a alta gravidade não só para as pessoas envolvidas em greves consideradas “abusivas”, mas para qualquer um que tenha conhecimento da organização prévia de um movimento como esse e não tenha comunicado aos seus superiores.

Organizar piquetes ou trancaços em contexto de mobilização, método tradicional do movimento estudantil e sindical, pode ser punido gravemente por supostamente bloquear o acesso à universidade. Nada se diz que a pior maneira de bloquear o acesso à universidade é mantendo-a uma das instituições públicas de ensino mais elitistas do Brasil, atrasada no debate de inclusão de cotas, com um dos vestibulares mais excludentes do país e que ainda por cima quase nada faz pelos estudantes mais pobres que sofrem com a dificuldade de permanência na universidade. Mas quem são punidos são aqueles e aquelas que se revoltam contra isso.

Outro ponto absurdo é que passa a ser considerado infração alguém com vínculos com a USP “macular o nome da universidade” em qualquer meio. Fica assim em aberto que quando bem entender os mecanismos da Reitoria podem punir falas em que ela se entenda como maculada. Um exemplo: falar que a USP é uma universidade de base escravocrata que só foi aprovar cotas recentemente é uma crítica frequentemente feita à Universidade; uma mácula que a USP insiste em negar que carrega. Até quando se terá a liberdade de expor máculas gravíssimas como essa?

Apesar da intensa mobilização da Reitoria, no último Conselho Universitário do ano foi aprovado o adiamento da entrega dos posicionamentos das Congregações para maio. Foi uma conquista importante na tomada de fôlego e na mobilização para os mais amplos setores saberem do que se trata a proposta da Reitoria, um problema fundamental que ainda existe. Em maio, a expectativa dos especialistas é que a pandemia siga em seu pior momento, inclusive em São Paulo. Apesar de existirem comissões paritárias elaborando contrapropostas ao ECC, o tempo é curto, não há possibilidade de dialogar com todos os setores da universidade para elaborar uma proposta que atenda as principais demandas. Ademais, o ECC não representa avanço nenhum com relação ao Regimento de 1972, ainda em vigor: tem caráter extremamente punitivista, centraliza todas as decisões na alta cúpula da burocracia universitária, desconsidera e ignora as necessidades de estudantes que pautam o racismo, o machismo, a LGBTTfobia, o capacitismo e outras questões ligadas aos Direitos Humanos.

O movimento estudantil, em unidade com os demais setores, precisa barrar a votação do ECC. No Conselho Universitário já se vê a debilidade da reitoria para aprovar o documento da forma como pretendia. Sindicatos de professores, trabalhadores e diversas entidades estudantis já se colocaram contra. É preciso somar-se às iniciativas que já existem no sentido de interromper essa discussão e retomá-la em outros termos pós-pandemia e com o retorno presencial das aulas: com uma discussão democrática, interunidades e que ouça as mais diversas reivindicações. Não podemos permitir que a USP seja mais uma vez vanguarda de um retrocesso tão grande a nível da democracia universitária em tempos do genocida Bolsonaro e do privatista João Dória.