Poesia | O nosso 48

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No 48 não morava ninguém,
nem baratas, nem ratos, nem gente,
só se escutava o ranger dos metais.
O cadeado era inteiro, ali ninguém tinha que ver.

Nós, que sempre fomos os donos dessas ruas,
por vontade ou não, perguntamos:
E se o 48 fosse nosso?

Seria um escândalo, de certo.
Diziam que logo mais surgiriam
as baratas,
os ratos, a polícia.
Até as colunas colossais começariam a ceder ante o absurdo.

Mas eu sei que, se no nosso 48 fizesse frio,
logo mais um abraço esquentava.
O silêncio não seria o dono, mas convidado entre as vozes
que vêm de todos os cantos a ocupar o dia e assentar a noite;

No nosso 48 há trabalho e há pão.
Aqui se constrói sobre os escombros velhos e enferrujados,
que teimam em bloquear a passagem,
mas no 48 quem mora é o povo,
que produziu tanto o ferro quanto a madeira
que leva nos ombros e agora protege as portas e a gente,
das baratas, dos ratos, e da polícia.

No nosso 48 o improvável acontece:
O esquecido é lembrado;
Nasce a goiabeira no concreto;
O povo toma o poder, e enfim,
passa a ter um teto.

Como o Almirante,
Viramos os canhões para os senhores,
nosso Palácio resiste,
Começa a luta e findam-se os credores.
As crianças nos disseram:
Por moradia, não temos medo.

Em barricadas enfileirados,
Cada um deve ser espelho,
para que floresça o broto
que dos escombros veio cedo,
percebendo o mal que há
em tanta casa sem gente
e tanta gente querendo morar.

Alexandre Borges
Rio de Janeiro

Homenagem às famílias da ocupação Almirante João Cândido, do MLB-RJ