Os projetos de privatização das universidades se venderam como uma forma de aumentar os empregos e a qualidade de vida da sociedade, mas as crises nas universidades privadas mostram que a privatização só aprofunda a miséria.
Maria Karolina
SALVADOR (BAHIA) – O projeto de privatizar a educação, que ganhou força no Brasil no período da ditadura militar, continua em alta e está encontrando seu auge durante a pandemia. Os dados e fatos, em especial da Bahia, comprovam essa situação. Em relação à conjuntura do Estado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2019, 40,4% da população baiana encontrava-se abaixo da linha da pobreza. Segundo a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), no ano de 2018, a Bahia tinha 40,09% da população em algum nível de insegurança alimentar, ou seja, pessoas que não se alimentam como deveriam, em quantidade e qualidade. A falta de dados recentes, do período da pandemia, é algo grave, porém, de acordo com a realidade nacional, sabe-se que estes estão ainda piores. E o índice de desemprego nos três primeiros meses de 2021, de acordo com o IBGE, é de 21,3%. No que cabe à educação, no último censo realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), no ano de 2019, 75,8% dos alunos do Ensino Superior estavam matriculados em Instituições Particulares. Em relação à Bahia, para cada um estudante de rede pública, se tinha dois estudantes da rede particular.
Como se sabe, os dados, na realidade, não permanecem isolados entre si, mas se entrelaçam, então se pode concluir que grande parte dos estudantes universitários baianos estão matriculados na rede privada de ensino e encontram-se abaixo da linha da pobreza, em situação de insegurança alimentar e desemprego. É nesse contexto que os estudantes, professores e demais agentes da educação estão sendo profundamente atacados na Bahia. Durante a pandemia, diversas instituições da Bahia foram denunciadas ao Ministério Público por não conceder desconto nas mensalidades, não consultar a comunidade acadêmica sobre a adoção do Ensino Remoto Emergencial (ERE), as denúncias ainda relatam sobre a inadequação e falta de qualidade do ERE. Essa mesma ação também exige que as instituições privadas sejam proibidas de cobrar multas ou juros de alunos inadimplentes durante a pandemia, assim como de incluir o nome do responsável financeiro nos cadastros restritivos de crédito (SPC e SERASA).
Desde o início da pandemia, o que tem sido feito é a demissão em massa dos professores, como na Uniruy, UCSal, Unijorge, Unime, Faculdade Batista Brasileira e UNIFTC. Foram 186 demissões de professores e profissionais do setor da educação nessas instituições, isso somente desde o segundo semestre de 2020. Em relação a esse processo, um professor relata: “A estratégia é colocar os professores antigos em banho maria, aquele que dava 4, 5 disciplinas, e coloca para ele só dar uma, para receber salário reduzido e a faculdade gastar menos, pagando menos com a rescisão, INSS e FGTS. É mais barato demitir com salário baixo”. Além disso, de acordo com dados do Tribunal do Trabalho da 5° região (TRT5), existem 1.504 processos movidos contra a Unime, UNIFTC, Ucsal, Uniruy, Unifacs e Unijorge. Os processos têm natureza de assédio moral, não pagamento do FGTS, multas rescisórias, horas extras, falta de aviso prévio e acúmulo de funções. Somente processos relacionados ao não pagamento do FGTS são 967, sendo a principal causa das ações na justiça.
Além da demissão em massa e descumprimento dos direitos trabalhistas, ainda há o corte dos salários, há casos frequentes de os salários dos professores não chegarem nem a um salário mínimo (R$1.100,00), há casos também de não haver pagamento algum por mês, no caso em que as matérias que os professores lecionam não formarem turmas. De acordo com o Sindicato dos Professores no Estado da Bahia (Sinpro-BA), a redução salarial durante a pandemia foi de até 90%. O valor da hora aula varia de R$12,50 a R$35,00, de acordo também com a qualificação (Mestrado e Doutorado) do professor, custando mais se o profissional tem doutorado. E, para se somar a essa situação, as instituições ainda têm atrasado em até 4 meses o pagamento dos salários, há casos em que os professores, até o presente momento, não tiveram seu décimo terceiro salário de 2020 pagos.
Existem diversos relatos de acúmulo de funções e exigências que estão além do alcance dos professores, como a gravação de aulas assíncronas, podcasts, vídeos e textos autorais. O assédio moral também é uma prática, na UniRuy, 34 professores se uniram para fazer uma carta endereçada à reitoria denunciando a falta de humanidade no trabalho, destes, 20 foram demitidos. Os professores têm apresentado cada vez mais casos de depressão, ansiedade generalizada e hipertensão. O clima é de que há uma fila para o abatedouro, em todo mês, os professores se perguntam quais serão demitidos daquela vez. E, para os próximos que ocuparem os cargos, os salários diminuem cada vez mais. Um professor fez um relato muito condizente sobre essa situação que vem se intensificando desde os últimos sete anos e o futuro da educação, caso esta continue sendo tratada como mercadoria e fonte de lucro: “Grandes grupos empresariais da educação se apropriaram de quase 80% do ensino universitário do país, vendo o professor como gasto e o estudante como número. Isso também é resultado de uma política rígida do MEC [Ministério da Educação], que não protege a qualidade de ensino e não garante o acesso ao Prouni e Fies”.
Com tudo isso, há também a pouca oferta de professores, tem instituição que tem somente quatro professores de Salvador ofertados no curso, os outros são da rede, de outras cidades. Há também a superlotação das salas de aula virtuais, havendo com frequência mais de 100 alunos em uma só aula. No curso de Direito da UNIFTC, existem salas com cerca de 240 alunos. A evasão também está em alta, principalmente entre os alunos que não são beneficiados pelo ProUni e/ou pelo FIES. Houve, também, no ano de 2021 corte de um terço da oferta de bolsas ProUni, além de haver diversos relatos de estudantes (não somente na Bahia), de cortes arbitrários das bolsas do FIES.
As instituições alegam que estão realizando isso por conta da diminuição de matrículas, da inadimplência e da crise “causada” pela pandemia de Covid-19. Porém, ao se pesquisar mais a fundo sobre as empresas que estão por trás. A Cogna Educação, nona maior empresa de educação do mundo, que é dona da Unime, no ano de 2020, teve uma receita líquida, que representa quanto que a empresa faturou em determinado período, abatendo do valor gerado impostos a pagar, devoluções e descontos concedidos, R$1,25 bilhões. O empresário Gervásio Meneses de Oliveira, dono da UNIFTC, tem empresas que, juntas, somam R$68.644.654,00. Além disso, já foi acusado de corrupção ativa, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e fraudes em licitações. Ele também consta como recebedor de parcelas do auxílio emergencial, chegando a ter recebido três mil reais. Foi ele quem comprou um apartamento de Flávio Bolsonaro no valor de R$2,6 bilhões, adquirido pelo senador no sistema de rachadinhas, o imóvel não está no nome dele. Gervásio teve seu pedido de prisão expedido e está foragido. A Ilumno, holding dona da Unijorge, tem uma receita estimada de U$91,8 milhões por ano e seu novo diretor no Brasil aposta no Ensino Híbrido, Ensino Remoto e EAD no país, afirmando que é o futuro da educação e que a torna mais prazerosa e dinâmica. A YDUQS, holding dona da UniRuy, tem um valor de mercado de R$309.088.851, e R$9.642.667 em bens e direitos.
Ao analisar esses dados, pode-se concluir que a desculpa que essas instituições dão não passam de mentiras. É necessário mobilizar os estudantes das universidades privadas, ainda mais na Bahia, para que lutem contra os tubarões do ensino superior, que nada visam além do aumento esmagador do lucro, nem que isso custe a vida das pessoas. Nesse cenário, também é urgente organizar a luta pela derrubada de Bolsonaro, visto que esse governo só tem a garantir a crise, a fome e a morte, mas não se deve parar por aí. Além disso, deve-se propagar entre os estudantes, professores, funcionários e o povo em geral que não há como se ter educação privada e educação de qualidade no mesmo cenário, já que a única saída para uma educação de qualidade é a luta para que esta se torne pública, gratuita, laica, de livre acesso e socialmente referenciada. E isso somente será conquistado com a derrubada do sistema capitalista, que permite que haja o lucro na educação.