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quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Os desafios da educação revolucionária

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TEORIA E PRÁTICA. Mesmo na guerrilha, Fidel não abria mão de estudar (Foto: Arquivo)

Para não permitir que a consciência da classe trabalhadora se limite ao adquirido pela educação formal burguesa, a nossa organização deve se esforçar para que na mesma medida em que cresça a sua influência sobre as massas, cresça também o trabalho teórico entre seus membros. 

Matheus Medeiros
Rio de Janeiro


TEORIA MARXISTA Por um lado, uma transformação das circunstâncias sociais é exigida para se estabelecer um sistema de educação apropriado; por outro, um sistema de educação apropriado é exigido para fazer surgir uma transformação das circunstâncias sociais. Nós devemos começar, então, por onde estamos.” (Discurso de Karl Marx na Associação Internacional dos Trabalhadores, em 1869).

Essa afirmação de Marx deve orientar qualquer início de formulação do problema da educação revolucionária para os comunistas. Há fundamentais contribuições para uma perspectiva revolucionária da educação, destacando os vários limites de qualquer educação que obedeça à lógica do capital. No entanto, permanece o problema da relação específica entre a educação e a realização prática da revolução, a tal “transformação das circunstâncias sociais”. 

Como Marx já aponta em sua terceira tese sobre Feuerbach, ao criticar seu materialismo contemplativo, “a doutrina materialista sobre a modificação das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias são modificadas pelos homens e que o próprio educador tem de ser educado. […] A coincidência entre a alteração das circunstâncias e a atividade ou automodificação humanas só pode ser apreendida e racionalmente entendida como prática revolucionária”

Os clássicos do marxismo, portanto, já nos ensinam que não é a educação formal em si que muda a sociedade, mas sim as lutas concretas da classe oprimida, que somente na luta e pela luta pode ser propriamente educada. Prova disso são as diversas revoluções que ocorreram em países onde grande parte da população era analfabeta, como Rússia, China, Cuba, etc.

São as contradições de classe que, em última instância, permitem o desabrochar de um novo mundo. Ou seja, um problema é a formação teórica que nós precisamos fornecer agora aos trabalhadores, com vistas a realização da revolução; outro problema distinto é o sistema de educação que nós precisaremos estabelecer para que, uma vez feita a revolução, nós possamos superar de fato as formas sociais (econômicas, políticas e culturais) do capitalismo. 

“Ser culto para ser livre” (Foto: JAV/Rio)

A principal escola para educar os comunistas é a própria luta

Na atual situação, em que ainda lutamos contra a decadente sociedade capitalista, devemos realizar um intenso e paciente trabalho de formação teórica e política do proletariado, sem o qual não será possível acirrar as contradições de classe que poderão trazer a revolução. Esse trabalho não pode ser realizado em nenhuma instituição do Estado burguês, por mais avançada que ela seja.

É nesse sentido que Lênin, em “O Que Fazer?”, citando Kautsky, escreve: “A tarefa da social-democracia [dos comunistas] é levar ao proletariado a consciência de sua situação e da sua missão. Não haveria necessidade de o fazer se esta consciência derivasse automaticamente da luta de classes”. Isto quer dizer precisamente que a formação teórica do proletariado (ou pelo menos de seus elementos mais avançados) constitui um desafio que apenas os comunistas, no interior de suas organizações independentes, podem levar a cabo. 

Isso significa que, no que tange às tarefas de organização e agitação do partido proletário, nossa luta pela educação se apresenta em dois níveis. O primeiro é o nível da formação militante, organizada de forma independente pelos próprios trabalhadores e direcionada para a ação revolucionária. Este é o nível de uma educação revolucionária que, por mais distinta da educação socialista ideal, será a mais “apropriada para a transformação das circunstâncias sociais”.

O segundo nível é o da educação formal, institucionalizada, sobretudo no aparelho escolar e universitário. Neste, podemos e devemos reivindicar, com as devidas mediações táticas, avanços e ampliações, sem, no entanto, alimentar a ilusão de que qualquer concepção revolucionária possa ser posta em prática sem a prévia derrubada do Estado burguês como um todo.

Nos dois casos, devemos nos basear nas contribuições dos vários teóricos revolucionários que pensaram uma educação emancipadora, ainda que seus ensinamentos só possam ser aplicados de formas distintas e com muitas limitações em cada um dos níveis, uma vez ainda nos encontramos inevitavelmente sob relações sociais capitalistas.

Apesar disso, os dois níveis devem ser campo de ação dos comunistas. O mais importante, contudo, é não confundir os dois. Isso quer dizer que, para não permitir que a consciência da classe trabalhadora se limite ao adquirido pela educação formal burguesa, a nossa organização deve se esforçar para que na mesma medida em que cresça a sua influência sobre as massas, cresça também o trabalho teórico entre seus membros. 

A instituição escolar é um aparelho ideológico de Estado, e, como tal, é instrumento de dominação da classe dominante burguesa. Isso significa que, ainda que seja um campo fundamental da luta de classes, as instituições de educação apresentarão limitações insuperáveis enquanto estivermos sob um Estado burguês. Seja no currículo, na arquitetura, na divisão de turmas ou na própria pedagogia, a escola e a universidade são estruturas que servem, em última instância, para a manutenção da divisão de classes, para a alienação do indivíduo.

Stálin foi um dos grandes teóricos do marxismo (Foto: Arquivo)

Elevemos a compreensão dos pontos de vista proletários  

O sistema educacional cumpre para a burguesia um importante papel na reprodução de saberes técnicos, que preparam o proletariado para o trabalho mecanizado e repetitivo, mas também saberes teóricos que justificam o estado de coisas vigente, que naturalizam a sociedade capitalista, como se ela fosse o destino final e insuperável da humanidade.

Antonio Gramsci, em seus “Escritos Políticos”, descreve bem esses dois níveis da luta, quando nos diz que “não nos podemos propor, antes da conquista do Estado, modificar completamente a consciência de toda a classe operária; seria utópico porque a consciência de classe, como tal, só se modifica quando estiver modificado o modo de viver da própria classe, isto é, quando o proletariado se tornar classe dominante […] Mas o partido pode e deve, em seu conjunto, representar esta consciência superior; de outro modo não se apresentará à cabeça, mas à calda das massas, não as guiará, mas será arrastado por elas”. 

Assim, esses dois níveis nos impõem também dois aspectos da luta pedagógica, que são distintos, mas complementares. O primeiro é para que, mesmo no âmbito da sociedade capitalista, a educação tenha um caráter universal e crítico. Não pode ser indiferente para nós que um trabalhador seja ou não analfabeto, que saiba ou não os clássicos da filosofia, que conheça ou não as leis da física e da matemática.

Tais conhecimentos compõem uma etapa importante, ainda que básica, da capacidade crítica que a classe trabalhadora terá de obter para que, uma vez organizada, em seu trabalho militante cotidiano, seja capaz de elaborar por si mesma os caminhos da luta. É por essa razão que, no campo institucional, cabe-nos reivindicar o mais amplamente possível, o ensino público, gratuito e de qualidade. Não porque isso seja uma condição imediata para a revolução, mas porque isso representa, para o povo trabalhador, a conquista de condições sociais bem mais vantajosas para a obtenção de uma maior autonomia crítica. 

Mas o outro aspecto da luta, sem o qual toda autonomia crítica será impotente, é o da organização política revolucionária, que, pelos meios que puder dispor no momento, terá de construir seu próprio “aparelho escolar”, ou melhor, tornar-se ela própria uma escola de luta da classe trabalhadora. Esse aparelho, dependendo das circunstâncias, pode se estender da alfabetização até o ensino dos clássicos do marxismo. Além disso, ele deve fundar-se no amplo debate de ideias e na profunda unidade política, evitando tanto o ecletismo quanto o dogmatismo. Mas seu método e seu conteúdo devem ser qualitativamente distintos dos de um ensino formal.

Essa formação deve ter sua concepção totalmente voltada para as circunstâncias concretas da luta de classe, com todo seu foco no objetivo principal de tomar o poder político. Mais uma vez, Gramsci nos ajuda quando escreve: “Nem um ‘estudo objetivo’, nem uma ‘cultura desinteressada’ podem ter lugar nas nossas fileiras, nada que se assemelhe ao que é considerado objetivo normal de ensino, segundo a concepção humanista, burguesa, da escola. Somos uma organização de luta e nas nossas fileiras estuda-se para aumentar, para afinar as capacidades de luta de cada um e de toda a organização, para compreender melhor quais são as posições do inimigo e as nossas, para melhor poder adequar, a partir delas, a nossa ação de cada dia”. 

O que mais importa para nós, portanto, é que nossa organização tenha condições de servir às necessidades e interesses objetivos do povo trabalhador, e a partir dele, formar nossos membros para a luta política revolucionária contra o capitalismo. 

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