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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Solidariedade e luta do povo contra a fome e a carestia

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Ato na periferia de Belo Horizonte, Minas Gerais. Foto: Maxuel Vilela

Queops Damasceno e Jorge Ferreira


Mais de 120 milhões de brasileiros estão passando fome ou em situação de insegurança alimentar. Isso equivale a mais da metade da população, cerca de 55% dos brasileiros. Destes, 20 milhões declaram passar 24 horas ou mais sem ter o que comer em alguns dias.

Das casas com crianças de até quatro anos, apenas 30% comem a quantidade ideal. Ou seja, 70% das casas com crianças pequenas no Brasil enfrentam algum nível de fome, segundo levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).

Os preços dos alimentos, combustíveis, aluguéis, água e energia subiram muito mais que a inflação declarada pelo Governo Bolsonaro. Vejamos: o Índice Geral dos Preços Médios subiu cerca de 32% no período de um ano. Este índice regula principalmente os contratos de aluguel, ou seja, em um ano, o aluguel subiu 32%. A conta de energia elétrica aumentou 21%. O preço do botijão de gás subiu 30%, cinco vezes acima da inflação e hoje 20% das famílias usam lenha ou carvão para cozinhar (IBGE, 2021).

Desde quando os generais assumiram o Governo a quantidade de pessoas pobres aumentou 44% e a taxa de desemprego da metade mais pobre subiu, na pandemia, de 26,55% para 35,98% (FGV, PNADC, 2021). Mas isso não é tudo. De acordo com dados da Campanha Despejo Zero, até agosto de 2021 ao menos 19.875 famílias foram despejadas e 93.485 estavam ameaçadas de remoção. Em setembro, as famílias do MLB ocuparam as sedes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para conseguir alimentos e no mês de outubro realizou a distribuição das cestas básicas que conquistaram 18 estados do Brasil. No Dia Mundial da Alimentação, 16 de outubro, A Verdade acompanhou esse trabalho de solidariedade do Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB). Nossa reportagem perguntou a essas famílias sobre sua situação, sobre quem elas responsabilizavam pelas dificuldades e como pretendiam enfrentar as adversidades. Vejamos o que responderam:

Maria Quitéria, 56 anos, empregada doméstica no Recife, declarou: “Estou fazendo bicos. Não estou com emprego fixo. Colocar comida dentro de casa para alimentar minha família tem sido minha maior dificuldade. Moro com minha filha e dois netos, de 5 e 8 anos. A situação está muito difícil. Tem dia que não temos o que comer. Com esse governo, tudo ficou muito ruim. Salário baixo, alimentos caros e pouco emprego. Aprendi no MLB que devemos lutar. O pobre sofre muito e os poderosos do governo não querem resolver os nossos problemas. Só lutando mesmo”.

Já Maria José Ramos, 47 anos, cozinheira de São Bernardo do Campo contou: “No momento estou fazendo faxina uma vez ou duas no mês. Está muito difícil pagar as contas. Meu salário reduziu, as horas trabalhadas também e as contas aumentaram. Aí sempre passa do dia de pagamento e o juro vem muito mais alto. Durante a pandemia, ainda tinha que colocar créditos no celular para minha filha estudar por conta do ensino online. Ela estudou pelo 4G esse tempo todo. O Governo Bolsonaro é péssimo por vários motivos: por não distribuir a vacina no tempo correto para voltarmos à vida normal e por tirar os direitos dos trabalhadores. O auxílio, de R$ 600, passou para R$ 300. Para quem já não tinha um salário digno, dificultou cada vez mais. Os aluguéis cada vez maiores. Ele, ao invés de ajudar os mais fracos, deu direitos aos mais ricos. Nós, os pobres, estamos afundando cada vez mais”. E completou: “Temos que ir para a rua gritar nosso grito de guerra. Temos que fazer a nossa própria luta pelo direito de viver, comida digna e salário. A gente trabalha bastante e um salário-mínimo não dá para uma família de quatro filhos sobreviver. E, mesmo quem tem casa, não consegue pagar as contas: a luz aumentou, o gás aumentou e estamos com a água acabando. E piora para quem ficou desempregado na pandemia, que está sofrendo bastante”.

Paulina Apata, 49 anos, costureira, fala sobre a sua caminhada: “Sou da Bolívia, minha cidade é Oruro, mas moro em São Paulo há uns 15 anos. Estou tentando sobreviver, faço muita coisa. Quando cheguei, eu sofri, trabalhei para os outros. Trabalho independente agora. Não estou conseguindo pagar o aluguel. O aluguel mata a gente, essa é minha maior dificuldade. O governo daqui também não é bom porque muita coisa foi privatizada. Quando cheguei não era assim. Agora a coisa está pior, subiu praticamente tudo, alimentação, aluguel, condução, tudo. O salário que a gente ganha não alcança, e olha que eu trabalho todo santo dia, sem descanso.”

Maria Nazaré Vieira, também de 49 anos, é professora, cozinha doces e salgados, mora em Florianópolis, vende panos para sobreviver e recebe um auxílio-doença: “Não tenho condições de pagar o aluguel, comida, gás, luz com o que ganho, por isso tive que sair de onde morava para morar na Ocupação Anita Garibaldi, ou então iria para baixo do viaduto. Tenho oito filhos, mas dois vivem comigo, além da minha netinha. O trabalho dificultou muito na pandemia. Eu, que vendia panos, não conseguia mais, pois ninguém queria comprar, com medo. Muita gente me ajudou, ganhei cestas básicas. Mas essas prefeituras, esses governos não me ajudaram em nada, nem com um leite. Tive que suar, capinar, catar latinha, vender bala, pois a minha aposentadoria não dá. Os governos federal e estadual são uma vergonha. Não fizeram nada para o povo. Zero. Não ligam para os pobres, só para os ricos. Eles estão enganando os pobres. Eles não gostam de pobres e negros, eles são racistas. Para acabar com a fome só tem um caminho, que é lutar todos juntos, fazer passeata, ajudar uns aos outros, nos unirmos mais. Vamos botar o Bolsonaro para fora. Ele não merece estar lá. Semana passada recebemos cestas básicas aqui na ocupação com tudo, inclusive com verduras e legumes. Mas foi isso garantido pelo movimento, porque do governo eu mesma nunca vi”.

Marise e Edilson são irmãos e moram em Salvador. Ela é diarista e ele, catador. Edilson recicla materiais, catando alumínio, metal e papelão. Marise diz que está “se virando da maneira que dá, porque emprego não tem, de jeito de nenhum!”. Quando perguntados sobre como avaliam o governo, Edilson grita “Fora Bolsonaro!”. Já Marise, responde: “Péssimo, tem que sair para ver se o que vai entrar dá uma vida melhor a gente, uma vida digna. Então a gente tem que tirar ele, lutar para ele sair. Está tudo caro, tudo difícil. O gás de cozinha ninguém pode mais comprar, tem que cozinhar em fogo de lenha e aí fica complicadíssimo. Gente que nunca pensou em passar fome, está passando. Então tem que reciclar pra comprar uma comidinha, alguma coisa”.

Marceolinea Francisca, 66 anos, moradora há 40 anos da favela 9 de julho, Zona Leste de São Paulo, resume o drama da sua família: “Se meu gás acabar neste exato momento, hoje, segunda-feira, eu não tenho o dinheiro para comprar outro. Eu tenho que me virar. Não tenho uma panela para esquentar água. Moro com meu marido e três netos em dois cômodos, tirando o banheiro: quarto e cozinha, tudo pequenininho. Tenho que me virar comprando mortadela para comer com pão para ter um alimento suficiente para dar para eles [netos]. Não tenho dinheiro para comprar o gás porque as coisas estão todas caras. O arroz, o quilo de feijão é R$ 8, um quilo de açúcar ruim é muito caro. Não tem condição esse gás. Tem gente que chegou para mim e disse que pagou R$ 130 num botijão de gás. Isso é um roubo! Somos quatro, sendo três adultos, porque meu neto já tem 18 anos e ganha metade do nosso salário, R$ 700. O que você faz com R$ 700? Nada. Eu também ganho R$ 700. Meu marido ganha R$ 1.100 só. Só isso”.

Maria, outra moradora da 9 julho, concorda com a vizinha e complementa: “Moro aqui há 31 anos e minha situação é precária. É difícil. Moro aqui com meu filho, minha nora, meu neto e meu marido, está todo mundo desempregado. Ganho um salário-mínimo, R$ 1.100. Eu sou a mãe, o pai e a dona da casa em tudo. Então meu dinheiro não dá para tudo. Tenho duas contas de água sem pagar: uma de R$ 110 e uma de R$ 96. Meu marido fez um fogão de lenha para mim porque o gás está muito caro, um botijão é R$ 110. Cozinhando para esse bando de gente o gás não dá para um mês. Daqui a uns dias, cortam minha luz e eu não sei o que vai ser. Estamos providenciando um lampião. Eu morava na roça e nós sempre usamos assim, mas eu prefiro ficar sem luz do que sem água. Sem luz a gente dá um jeito, né? A gente faz um candeeiro, um lampião, pega umas velas e tá tudo bom. Pelo menos está clareando. Ruim é ficar sem água. Este mês eu tenho que ir lá para fazer alguma coisa e pagar a conta, nem que seja a mais baixa, para não ficar sem água porque sem água ninguém fica”.

Joilsa Oliveira Gomes mora na região de São Mateus (SP) desde dezembro de 2013 e conta como passou pelo perrengue de ver seu gás acabar: “Atualmente estou separada. Moro com meus três filhos: Eloá, Raissa e Gabriel. No mês passado acabou meu gás e eu passei a noite sem preparar a janta. Consegui trocar o gás no outro dia porque pedi ao meu ex-marido porque eu não tinha recebido o pagamento ainda. Ele que trouxe o gás para mim. Se hoje o gás acabar, neste momento, como recebo o pagamento só no dia 20, eu ficaria sem. Aí eu teria que ligar para alguém da minha família ou colega para conseguir comprar o gás. Moro de aluguel, pago R$ 600, sendo que meu salário é R$ 1.400, pago R$ 100 de luz, que foi o que veio esse mês, e mais R$ 75 foi a conta de água. O que ajuda mesmo a não passar dificuldade é porque eu recebo o VR da escola das crianças e uma cesta do meu trabalho, que ajuda bastante”.

E, por último, uma companheira que mora na região de Tietê: “Meu nome é Regina, tenho 39 anos e moro de aluguel. Moramos eu e meu marido, por enquanto. Só meu marido está trabalhando e nosso gás está por um triz e só vamos saber o que fazer quando acontecer mesmo, porque o gás está um absurdo. Estou desempregada e não consigo arrumar serviço porque estou com problemas de saúde também. Tá difícil por conta da pandemia. Temos que dar um jeito em relação ao gás porque se a gente não tiver dinheiro, vamos ter que fazer um fogão de lenha igual estão fazendo por aí porque o preço está um absurdo. Quem tem R$ 120 para dar em um botijão de gás? Espero que Deus nos ajude, porque é só Deus. Não podemos contar com o presidente porque é um lixo o presidente que nós temos”.

Os relatos de várias regiões escancaram a condição de fome e desemprego que o povo brasileiro enfrenta.

É verdade também que enquanto crianças, homens e mulheres passam fome e vivem em condições desumanas, existe em nosso país um punhado de gente comendo muito bem e morando em mansões milionárias. Para essa minoria de pessoas, o Governo Bolsonaro tem feito um bom serviço, tal como era boa a escravidão para os senhores de escravos. Mas é preciso lembrar a essa classe de ricos que nem mesmo aquele brutal regime foi capaz de parar a luta do povo por liberdade.

 

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