Aviso aos que esperam as eleições de 2022

216
Foto: reprodução

Stefan Chamorro Bonow*

OPINIÃO – No mês de dezembro de 2021, o ex-ministro da Defesa do governo Bolsonaro, general da reserva Fernando Azevedo, aceitou o convite para ser diretor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Fundamentalmente, o TSE é o administrador eleitoral, assumindo toda administração executiva, gerencial, operacional e boa parte da normatização do processo eleitoral; enfim, é o controlador do ato de votar, momento máximo da democracia burguesa. Tudo que está vinculado ao processo do voto, passando pela organização dos espaços, até a contagem final, está sob o controle de um general.

Precisamos recordar que Fernando Azevedo apoiou a candidatura de Bolsonaro desde a primeira hora, por laços de amizade com o general Mourão (vice-presidente da República). Antes disso, ele havia sido convidado, em 2018, e se tornou assessor do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), quando este foi o presidente da Corte. Logo após a eleição, foi convidado para integrar o gabinete ministerial de Bolsonaro.

Com isso, supõe-se que ele seja bolsonarista e que esteja planejando contribuir para a permanência do presidente genocida? Claro que não! Engana-se quem pensa que exista um movimento político ameaçador chamado de bolsonarismo, instituído e controlando o governo, e que deva ser combatido. O que existe é uma quadrilha de militares, sob a forma de máfia institucionalizada dentro do Estado, composta por um grupo de amigos generais, formado por históricas famílias militares e proprietárias de terras, que são amigas entre si e que usa a estrutura das Forças Armadas para cooptar outros oficiais para participarem do grupo ou, como alternativa, ditarem ordens através da rígida estrutura militar que impõe lealdade e obediência aos demais escalões. No entanto, é um grupinho de poucos homens formado por sujeitos que se formaram na década de 1970, aquele que controla a situação, mantém sob controle um verme psicótico e corrupto cujo papel é fazer parecer que manda, ocultando os verdadeiros protagonistas do poder, tomado e mantido com eles desde 2016.

Há muitos cooptados. Basta ver a quantidade de oficiais eleitos no Brasil afora, em posições estaduais e federais. Eles se encontram em diferentes partidos de direita.

O general Fernando atuou de 2004 a 2005 como chefe de operações do contingente brasileiro na missão da ONU no Haiti, a chamada MINUSTAH. Nessa época, ele esteve sob o comando do general Augusto Heleno, responsável pela missão. A missão de paz no Haiti foi na verdade uma missão de guerra, para ocupação e dominação, contra a população de um país que se encontrava à beira de um processo revolucionário, na qual o exército brasileiro sob o governo Lula teve papel de agir como delegado a mando dos interesses dos EUA.

Além deles, participaram como comandantes da MINUSTAH, entre outros, os generais Carlos Alberto dos Santos Cruz e Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira. Todos eles estiveram ativamente envolvidos na política nacional, desde o golpe de 2016. Além de terem sido, ou ainda serem, componentes do atual governo. De menor expressão, mas que também estiveram no Haiti, sob influência direta dos EUA e se vincularam a Bolsonaro, estão os generais Edson Pujol e Otávio Rêgo Barros, além do capitão e engenheiro militar Tarcísio Gomes de Freitas (respectivamente durante parte do atual governo, Comandante do Exército Brasileiro, porta-voz da Presidência da República e ministro da Infraestrutura).

Santos Cruz hoje diz ser oposição. Alguns diriam que é a outra perna da mesma pinça. Apresenta-se como alternativa e defensor da democracia burguesa. Flerta cada vez mais com o ex-juiz Sérgio Moro, formado em cursos nos EUA, responsável pela destruição da indústria brasileira. Não seria surpreendente os dois formarem uma dobradinha concorrendo em 2022.

Eduardo Ramos foi o interventor no Rio de Janeiro durante o governo golpista de Michel Temer, utilizando aqui, como laboratório, os métodos de controle de massa e de levantamento de informações empregados no Haiti; com a ajuda de Rêgo Barros, responsável pelas missões no Complexo do Alemão. Época do assassinato da vereadora Marielle Franco.

Tudo ocorrendo com o apoio logístico do general Sérgio Etchegoyen (de tradicional família de generais, assim como Mourão), nomeado por Temer como Ministro-chefe do Gabinete Institucional da Presidência da República (cargo recriado pelo presidente golpista e que controla os serviços de informações do país). Etchegoyen é amigo de infância do general twitteiro Villas-Boas, sendo depois substituído no Gabinete Institucional em 2018 pelo general Heleno, que se encontra até hoje nesta posição. 

Essa é a espinha dorsal de generais que compõem o governo golpista e ditatorial que comanda o Brasil desde 2016. Nele, Jair atua como testa de ferro, cortina de fumaça e para-raios, fazendo com que a gente não veja quem está de fato no comando.

Conforme o coronel da reserva Marcelo Pimentel, em seu texto “A Palavra Convence, o Exemplo Arrasta”, essa catrefa organizada forma um chamado “Partido Militar”, não organizado em uma sigla, mas usando várias para exercer um domínio particular para alguns (ver em: Os Militares e a Crise Brasileira). Marcelo não se cansa de denunciar a apropriação e o mau uso dos símbolos nacionais, bem como o indevido uso das patentes militares para usos políticos, feito por aqueles que se apresentam como capitães, majores, coronéis e generais. Lembra que esses militares são os mesmos que, continuamente, nos quartéis fizeram uso oficial do dia 31 de março como data comemorativa para um golpe travestido e chamado de “Redentora”.

Sua discrição e difícil percepção se dão como consequência do emprego daquilo que o antropólogo Piero Leirner (especialista no estudo de militares, que detalha os pormenores no seu livro “O Brasil no Espectro de uma Guerra Fria”) chama de guerra híbrida. Uma estratégia para causar confusão, desenvolvida nos EUA e empregada pelos generais brasileiros que estiveram no Haiti, principalmente após os desdobramentos do que aconteceu nas jornadas de 2013.

Marcelo Pimentel diz que os generais agem como flares. Flares são sinalizadores disparados pelo avião que tenta escapar de um míssil que se guia pelo calor. Ao fazer o míssil se confundir e ir em direção dos sinalizadores, o piloto do avião pode escapar ileso.

Voltando ao Fernando – infiltrado desde 2018 no STF -, caberá a ele, na nova função a ocupar em 2022, o controle sobre a Secretaria de Tecnologia, responsável pelo desenvolvimento do software usado pelo TSE nas eleições, afiançando o funcionamento e a segurança. Lembrando que o TSE é presidido pelo, também ministro do STF, Luís Roberto Barroso (grande apreciador dos EUA, país no qual tem casa, tendo sido ele um entre centenas de pessoas públicas descobertas como praticante de envio ilegal de dólares ao exterior no escândalo das CC5 do Banestado). Na gestão Barroso do TSE foi assinada a parceria com a empresa paranaense Positivo, para o fornecimento das urnas eletrônicas.

A Positivo é uma empresa originalmente surgida de um centro educacional. Criada em 1972 (mesma época de formação dos generais durante a ditadura militar), voltada para a produção de material de ensino e atuar como centro universitário. Ela cresceu muito com parcerias feitas nos anos de governo do PT, como produtora de equipamentos eletrônicos.

Curiosamente, o ex-presidente da Positivo, Oriovisto Guimarães, foi eleito senador pelo Paraná em 2018. Na disputa, venceu e desbancou o então senador Roberto Requião. Requião foi governador na época e contribuiu para a investigação no caso das contas CC5 do Banestado – Banco do Estado do Paraná. Até um mês antes da eleição de 2018, Requião aparecia nas pesquisas com 43% de intensões de voto, enquanto Oriovisto aparecia com míseros 3%! Oriovisto foi eleito com 29% dos votos válidos do estado.

A Positivo possui uma série de contratos para serviços e fornecimento de equipamentos junto ao Exército Brasileiro. Atualmente, ela possui um convênio, através da sua universidade, que concede descontos para os membros das Forças Armadas Brasileiras. Pode ser tudo coincidência e paranoia de algumas cabeças anti-imperialistas muito desconfiadas. Ou não?

Setores eleitorais/eleitoreiros da esquerda falam em “ganhar de lavada no 1º turno”. Mesmos setores que afiançaram a segurança total das urnas eletrônicas. Alguns creem que a melhor maneira de mentir é dizer a verdade. Existiria a possibilidade de haver desconfiança, como teria afirmado/mentido, o genocida que carrega a faixa presidencial? Se o PT, que se diz o representante único para a saída da atual crise institucional, não vencer, o que se poderá fazer? Antecipo: nada. Seria fazer coro ao chamado gado, o que seria inadmissível ou desmoralizante. Claro, porque as armas foram apontadas para o para-raios, não para quem o instalou.

Urge que a esquerda tenha a responsabilidade de usar o espaço institucional de debate político para denunciar o esquema militar em conluio com a justiça, ao invés de apostar todas as suas fichas num processo eleitoral comandado pela burguesia e pelos milicos e nos seus seus próprios acordos espúrios com estes. Precisa ficar claro: a saída é sim a revolução, e não a negação pública dela para “acalmar os ânimos do mercado”.

Na dúvida, talvez aconteça de todos ficarem quietos. Basta a PL 1595/2019, do Major Vitor Hugo ser aprovada. Lembremos de novo dos cooptados. Vitor Hugo é militar do Exército de formação e afiliado de Augusto Heleno, trabalhou no gabinete do deputado federal Jair B. e deu baixa do seu posto. Seu projeto antiterrorista visa principalmente atacar os movimentos sociais e de esquerda. Fechando o cerco, não precisa dizer mais nada.

*Doutor em história, professor do IFRS e membro da coordenação estadual do MLC/RS