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quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Chile: a revolta popular, de 2019 aos dias atuais

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Clarice Filgueiras, Minas Gerais

Mais uma vez, o Chile passa por momentos decisivos na sua política. Desde a aprovação da Convenção Constituinte até as eleições presidenciais do último dia 21, que culminaram num segundo turno entre Gabriel Boric, da coalisão social-democrata Apruebo Dignidad, e José Antonio Kast, ultradireitista admirador de Pinochet e Bolsonaro, mostra um cenário que repete em várias partes do mundo.

O resultado não foi uma surpresa, considerando que Kast cresceu e abocanhou parte do eleitorado da direita com seu falso discurso antissistema nas últimas semanas, mas não deixou de chocar a população e a comunidade internacional. Para muitos setores, o Chile pós revolta social era mais progressista, já que conseguiu, com grandes mobilizações populares, aprovar uma convenção para mudar a constituição de Pinochet. Assim, apresentamos uma análise dos marxistas-leninistas chilenos do PCR para entender melhor esses processos.

A revolta de 2019 é a terceira de uma série de levantes populares significativos e, em cada um deles, o resultado institucional seguinte favoreceu a direita. O primeiro foi em 1949, durante o governo de Gonzáles Videla, e recebeu o nome de Revolución de la Chaucha. O seguinte período é o da Unidade Popular (1970-1973), coalizão de forças de esquerda liderada pelos Partidos Socialista e Comunista, que chegou ao poder pela via institucional.

A revolta de 2019 é a última nessa escala. Começa com uma questão do aumento da passagem do metrô em 30 centavos de peso e logo escalona, de forma espontânea, para um movimento maior que concentra muitas demandas. O slogan “Não são 30 centavos, são 30 anos” mostra claramente que essa mobilização traz demandas desde a transição democrática, feita de forma institucional e que manteve as políticas neoliberais, aumentadas a cada governo eleito.

Por seu caráter espontâneo, pegou de surpresa aos partidos de esquerda e centro-esquerda institucionais, que não conseguiram inserir-se ali como possíveis direções. Até chegaram a ser hostilizados. Com o prolongamento das mobilizações nas ruas, a violência policial e as demandas, criou-se a Mesa Social, mesa de negociação com parlamentares, dentre eles o então deputado Gabriel Boric, que tentou trazer o movimento e as reivindicações para a institucionalidade. O governo Piñera, acuado, propôs um acordo de paz que previa a Convenção Constituinte, vista como a forma de tratar com todas as demandas levantadas pelos manifestantes.

A Convenção, não uma Assembleia. Em Assembleias, os poderes do Estado não podem atuar, não pautam discussões, há autonomia plena. Na Convenção já estão estabelecidos alguns limites, como não discutir questões econômicas basilares do Chile desde a constituição de 1980, não se discutir a propriedade privada dentre outros limites. Após a eleição dos constituintes, a Convenção começou a se desgastar, principalmente porque os poderes do Estado correram para aprovar projetos que seriam discutidos ali para a redação da nova Constituição e pelos quais vários candidatos colocaram suas bandeiras, como o casamento igualitário e o direito à água.

O PCR chileno colocou-se contrário à forma como se encaminhou a questão constitucional. Não haverá uma verdadeira mudança na vida dos chilenos com uma discussão cerceada pelos poderes do Estado, e não é a forma institucional que dará essa mudança. Os partidos de esquerda da coalizão Apruebo Dignidad, como a Convergência Social de Boric e o Partido Comunista, apostam todas suas fichas nisso.

Outro destaque que é crucial para entender o Chile atual é que cerca de 80% da economia chilena hoje é pautada em pequenas empresas, na pequena burguesia. As mineradoras seguem sendo um pilar importante, principalmente em organização sindical, mas o cobre, estatizado por Allende, não é mais a principal forma econômica do Chile. O setor das mineradoras não chegou a somar-se significativamente na revolta, porque continuaram funcionando ininterruptamente. Assim, os manifestantes presentes são quase todos desse setor majoritário, bastante afetado pela revolta e pela pandemia.

Com as eleições presidenciais e com o avanço de Kast, a centro-esquerda traz a palavra de ordem de mobilização contra o fascismo, que consegue unir mais as esquerdas, mas que tem o efeito adverso de não conseguir a compreensão desse fenômeno como um todo e a discussão sobre programas e projetos de país. Se o projeto de Kast segue a mesma linha dos projetos vagos e neoliberais de Bolsonaro, mas que vários não seriam aprovados pelo parlamento eleito, que está bastante dividido, o de Boric traz consigo propostas que soam bem, porém que em um parlamento como o atual a maioria não seria aprovada. Também há uma nostalgia no discurso dos dois candidatos, Kast por Pinochet e Boric (menos) pela UP, que não correspondem ao Chile atual.

Há de se destacar também a alta porcentagem de abstenção às urnas presidenciais. Compareceram 47% dos eleitores, o que deixa a amostragem de público de ambos os candidatos pequena e confusa. O percentual alcançado por Boric, por exemplo, representa cerca de dois milhões de eleitores. E com isso além do desafio dos programas, há o enorme desafio de chamar mais eleitores para o segundo turno.

O segundo turno se tratará principalmente de ceder em vários pontos do programa para agregar mais apoios do centro e ausentes. Dentre eles, o fenômeno Franco Parisi. Economista, ex-ministro de Piñera e fundador do Partido de la Gente, agregador de muitas figuras que não alcançaram os votos suficientes para eleger-se e da pequena e média burguesia, o candidato fez sua segunda candidatura de forma remota, por estar foragido da Justiça chilena nos EUA por dever pensão aos filhos. E obteve 12.8% dos votos. Para muitos, outra surpresa, porém desde sua primeira candidatura Parisi vem trabalhando e bastante para ser uma figura conhecida, uma figura que se apresenta como “neutra”, e nestas eleições foi o candidato que melhor uso fez das redes sociais.

Com a revolta de 2019, também cresceu o número de jovens interessados em estudar o marxismo-leninismo, e com o ciclo de estudos básicos para juventude do partido estão chegando novos militantes. Também está se articulando com outros grupos da esquerda revolucionária com linha similar para movimentos sindicais e de bairros. O trabalho do partido é mais forte nas cidades de Santiago e de Valparaíso. E quanto às eleições, o partido trabalha e se empenha em apontar que nenhum dos dois candidatos fará avanços quanto aos trabalhadores, mas que Kast não é e nem pode ser visto como alternativa. O modelo chileno de economia é voraz e é de suma importância mobilizar-se contra ele e suas tentativas de implementação em outros países.

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