Daniela Mora Saavedra | Rio de Janeiro
COLÔMBIA – No dia 21 de fevereiro, as mulheres colombianas fizeram história na luta pelos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e meninas, mas sobretudo, para que o aborto deixe de ser um privilégio de classe. Cinco décadas de luta nas ruas, organização e incidência pela autonomia física das mulheres e a liberdade.
A chamada “onda verde” que já teve conquistas importantes na Argentina e no México chegou agora na Colômbia, onde o aborto só era permitido sob três causas: mal formação do feto, saúde mental e física e estrupo. O movimento de mulheres que luta há décadas pela descriminalização total do aborto, sabia que esses fundamentos eram insuficientes e colocavam em risco a vida de milhares de mulheres e meninas todos os anos, especialmente aquelas que vivem em áreas rurais e em situação de vulnerabilidade econômica.
A justiça teve que responder ao movimento de mulheres, feministas e setores sociais que há anos pedem a retirada do aborto como crime do código penal. Graças à ação movida perante o Tribunal Constitucional pelo movimento Causa Justa, (movimento pela eliminação do crime de aborto do código penal, composto por mais de 100 organizações e milhares de ativistas) e as mobilizações nas ruas e nas redes sociais, foi que o Tribunal Constitucional teve que eliminar o aborto como crime até a 24 semana de gestação.
Descriminalizar o aborto é um ato de justiça com as mulheres. Desde 2008, 400 mulheres fizeram abortos na Colômbia ao ano, a maioria clandestinamente. Somente em 2020, 4.268 meninas entre 10 e 14 anos eram mães na Colômbia, a maioria dos casos trata-se de abuso sexual durante a pandemia. Além disso, 42% das mulheres criminalizadas por terem acesso ao aborto foram vítimas de violência (doméstica, agressões, crimes sexuais etc.). (Causa Justa, 2021)
O acesso ao aborto legal e seguro, além de refletir um sistema de opressão contra a mulher, também mostra que existem limitações e desigualdades devido ao sistema capitalista em que vivemos. Sem acesso à educação, saúde, trabalho e uma vida digna, as mulheres não podem decidir sobre seus corpos e garantir a maternidade desejada.
Descriminalizar não é sinônimo de prática obrigatória de interrupção voluntária da gravidez, faz obrigatórias as garantias de saúde e assistência médica e psicológica para tomar essa decisão para não fazê-lo clandestinamente arriscando suas vida. Esta foi a decisão na Colômbia: 1. O Tribunal Constitucional reconhece o aborto livre; 2. Adota um modelo misto que permite o aborto em todos os casos durante as primeiras 24 semanas de gravidez e depois sob os três fundamentos; 3. O sistema de saúde deve prestar este serviço a quem o solicitar; 4. Não podem perseguir ou criminalizar as mulheres que o realizam.
O próximo passo é garantir políticas de educação sexual e saúde sexual e reprodutiva, assim como igualdade de acesso à informação e mecanismos eficazes de contracepção para homens e mulheres, além de exigir o respeito à decisão de interromper voluntariamente a gravidez para quem assim o desejar. Feministas de todo o mundo celebram essa conquista histórica. Para você, para mim, para todas: lutar funciona!
Daniela Mora Saavedra
Colombiana, cientista política, militante do Movimento de Mulheres Olga Benario no Rio de Janeiro