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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Jovem imigrante é espancado até a morte por cobrar salário atrasado

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RACISMO. “Eles mataram o meu filho porque ele era negro”, denuncia mãe de Moïse (Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo)

O congolês Moïse Kabagambe veio para o Brasil como refugiado político em 2014, fugindo da guerra e da fome com a família. Ao cobrar pagamento de dois dias de serviço no quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, o imigrante foi amarrado e morto a mando do gerente Luciano Martins de Souza.

Heron Barroso | Redação Rio


RIO DE JANEIRO – No último dia 24 de janeiro, o jovem congolês Moïse Kabagambe, de 24 anos, foi amarrado e morto a pauladas por quatro homens, entre eles Luciano Martins de Souza, gerente do quiosque onde Moïse era diarista, no Rio de Janeiro. O crime aconteceu após o trabalhador ter cobrado dois dias de pagamento atrasado. Seu corpo foi achado amarrado em uma escada ao lado do local do espancamento.

Yannick Kamanda, primo de Moïse, teve acesso às imagens das câmeras de segurança. Segundo ele, o gerente do quiosque e o primo discutiram. Em seguida, Luciano pediu ajuda a outras pessoas, que imobilizaram o trabalhador e o agrediram com chutes, socos e um taco de beisebol. Moïse também teve as mãos e pernas amarradas. “O início da gravação que eu vi é ele reclamando com o gerente do quiosque. Alguns minutos seguintes, o gerente pegou um pedaço de madeira para ameaçar ele. Até então, ele estava só recuando. E o cara foi atrás dele. Como ele estava reivindicando alguma coisa, ele pegou uma cadeira e dobrou para se defender. Ele não chegou a atacar ninguém”, contou.

Yannick afirma que as agressões foram piorando. “Veio uma galera que o arremessou no chão, tentando dar um golpe de mata-leão nele. Vieram mais algumas pessoas bater nele com madeira, veio outro com uma corda, amarrou as mãos e as pernas para trás, passou a corda pelo pescoço. Ficou amarrado no mata-leão, apanhando. Tomando soco e taco de beisebol nas costelas. Até ele desmaiar”, relatou. O espancamento durou pelo menos 15 minutos.

Veja o vídeo da agressão: https://globoplay.globo.com/v/10261763/

Em seguida, ainda segundo Yannick, os agressores foram embora e o gerente do quiosque continuou trabalhando como se nada tivesse acontecido. “Eles (os agressores) foram embora e ficou só o gerente do quiosque. E ele (Moïse) deitado no chão, como se nada estivesse acontecendo. Trabalhando, atendendo cliente. E o corpo lá”.

A família só soube da morte na manhã do dia seguinte (25/01). “Em menos de 72h ele foi dado como indigente”, denuncia Faida Safi, prima de Moïse.

Com o pouco que recebia no quiosque, Moïse ajudava a mãe a pagar o aluguel (Foto: Reprodução)

Ele reclamava que ganhava menos que os colegas”

A situação precária dos imigrantes no Brasil não é segredo para as autoridades. Todos os anos, milhares de pessoas chegam ao país vindas da África, Oriente Médio e América Latina, fugindo das guerras, da fome e da violência. Em muitos casos, encontram aqui condições de trabalho análogas ao escravo, longas jornadas, baixos salários e zero direitos sociais.

Moïse Kabagambe foi mais uma vítima da superexploração a que os patrões submetem os trabalhadores imigrantes no Brasil, como relata sua mãe, Ivana Lay, em depoimento ao repórter Rafael Nascimento de Souza, do jornal O Globo. “Moïse trabalhou nessa barraca antes e durante a pandemia. Conhecia todos lá do local. Eles conheciam o meu filho e tiraram a vida dele. Naquele dia, o Moïse saiu de casa para trabalhar e disse que pegaria o dinheiro. Acho que ele foi reclamar, e bateram nele. Cinco pessoas bateram nele. Ele era trabalhador e muito honesto. Ganhava pouco, mas era dele. No final, chegava com parte do dinheiro e me dava para ajudar a pagar o aluguel. E reclamava, dizendo que ganhava menos que os colegas”.

Ivana também falou dos motivos que levaram a família a vim morar no Brasil. “Morávamos em uma região da República Democrática do Congo onde fica a guerra. Nessa guerra, eles mataram a minha mãe, meus parentes, toda a minha família. Na minha cabeça, eu tinha que fugir para o Brasil para ficar calma. Viemos para cá em 2014. Nesses anos todos, o meu filho virou um brasileiro. Tudo dele era do Brasil. A gente chegou aqui e os brasileiros sempre foram pessoas boas. Mas, hoje, não sei mais”, lamenta.

“Eles mataram o meu filho aqui como matam em meu país”, denuncia Ivana Lay (Foto: Reprodução)

Eles mataram o meu filho porque ele era negro, porque era africano”

Inconformada com a brutalidade praticada contra Moïse, a família acredita que o racismo foi um dos motivos que levaram à morte do jovem.

“Por que eles mataram o meu filho? Olha a foto do meu filho, meu bebezinho. Era um menino bom. Era um menino bom. Era um menino bom. Eles quebraram o meu filho. Bateram nas costas, no rosto. Ó, meu Deus. Ele não merecia isso. Eles pegaram uma linha (uma corda), colocaram o meu filho no chão, o puxaram com uma corda. Por quê? Por que ele era pretinho? Negro? Eles mataram o meu filho porque ele era negro, porque era africano”, desabafa a mãe. E completa: “Eu fugi do Congo para que eles não nos matassem. No entanto, eles mataram o meu filho aqui como matam em meu país. Mataram o meu filho a socos, pontapés. Mataram ele como um bicho”.

https://twitter.com/sbtrio/status/1488249919488110601?t=p2vNlEg7ueSpGSUUWUPTqw&s=08

Lentidão na investigação do crime

A morosidade na investigação do assassinato do jovem africano reforça o racismo presente na polícia do Rio de Janeiro e o sentimento de injustiça sentido pela família. Fosse um jovem branco, morador da Zona Sul, filho de família rica, com certeza os responsáveis pelo crime teriam sido identificados e presos no dia seguinte.

Porém, não é o que está acontecendo no caso de Moïse. Passados oito dias desde sua morte, nenhuma autoridade pública se pronunciou sobre o caso e sequer o gerente Luciano Martins de Souza foi preso, apesar das imagens que comprovam sua participação no espancamento.

Apenas hoje (02/02), três dos agressores foram detidos pela polícia: Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, o Dezenove; Brendon Alexander Luz da Silva, o Totta; e Fábio Pirineus da Silva, o Belo. Os três tiveram a prisão temporária decretada pela Justiça do Rio e devem responder por homicídio duplamente qualificado.

Há fortes suspeitas de envolvimento de uma milícia que controla a região no crime.  

Movimentos sociais estão convocando para o próximo sábado (05/02) um ato em frente ao quiosque Tropicália, onde Moïse foi assassinado, para cobrar justiça. 

Com informações de O Globo

Matéria atualizada em 02 de fevereiro, às 19:10h 

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