“Quando vou ao supermercado minha vontade é de chorar” 

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No natal do ano passado, famílias organizadas pelo MLB ocuparam supermercados Assaí em todo o país exigindo cestas básicas, a rede varejista lucrou quase 40 bilhões de reais em 2020. Foto: Jorge Ferreira / JAV

Jorge Ferreira e Selma Neila | São Paulo

A simples ida ao supermercado em busca dos alimentos básicos que todo ser humano precisa para sobreviver tem causado angústia e tristeza nos pais e mães de família que vivem do próprio trabalho. Andar pelos corredores abarrotados de comida, mas não ter condição de levar para casa o mínimo para garantir o sustento da família tem sido um processo duro e gerado revolta na imensa maioria do povo brasileiro.

Com a palavra, trabalhadores de Mauá, no ABC paulista, moradores da Ocupação dos Desabrigados pela Chuva: Antônio Conselheiro, do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB.

“Quando vou ao supermercado minha vontade é de chorar…O salário mínimo não compete com o preço das compras, a gente recebe uma mixaria, uma humilhação de salário, mal dá pra trazer arroz e feijão. Tenho dois filhos, não compro danone, nem nada pra eles, não tem condição de dar o que eles precisam. A gente precisava de um salário com dignidade, o salário de R$1.200,00 não dá pra pagar aluguel, pagar conta e ir no mercado. A gente tá refém desse sistema opressor.” – Karina Stefany, 33 anos. 

“Tenho 3 filhos, quando estou dentro de um mercado minha sensação é de impotência. Mesmo trabalhando em dois empregos, não consigo levar os mantimentos para suprir as necessidades básicas dos meus filhos. A gente quer que algo seja feito para mudar esse cenário. É muito difícil a gente fazer nossa parte e não ter o mínimo para ter dignidade na nossa vida.” –  Soraia, 37 anos. 

“Quando chego no mercado minha vontade é de sair correndo, às vezes minha filha pede alguma coisa, às vezes bate aquele desespero, dá vontade de sentar e chorar, me desespero… Tô tentando pensar numa solução, mas não sei… Parece que as coisas só pioram. Cada vez o salário diminui e os produtos aumentam, a gente tá cada vez mais sem condição de comprar as coisas.” – Esmael, 28 anos. 

Barriga vazia, prateleiras cheias

Qual trabalhador não esteve diante de um corredor de supermercado, com todas suas cores, iluminação e embalagens, e não engoliu seco a vontade de comprar algum alimento? A verdade é que a “vontade de chorar”, a “sensação de impotência” e a “vontade de sair correndo” expressam uma das principais contradições do capitalismo. Nesse sistema, a grande maioria do povo trabalha e vive do próprio suor, produz os alimentos, constrói os supermercados, mas o resultado desse trabalho é roubado por 1% da sociedade, que transforma tudo em mercadoria e nega o direito dos trabalhadores terem acesso àquilo que eles mesmo produziram. Além disso, os donos das redes internacionais de supermercados preferem jogar toneladas e toneladas de alimentos fora todos os dias a distribuírem para a população mais pobre.

Se de um lado milhões de brasileiros tem vontade de chorar ao irem ao supermercado e não poderem adquirir o mínimo para sobrevivência, do outro lado se acumulam mercadorias e riquezas concentradas na mão de um punhado. As prateleiras e as contas bancárias de alguns poucos bilionários estão cheias. Há comida para todos, mas o povo pobre e trabalhador não pode pagar o valor que os capitalistas impõe ao preço dos alimentos, isso porque o 1% de homens ricos que mandam na economia brasileira querem aumentar seus lucros, mesmo que para isso milhões de seres humanos tenham que morrer de fome. 

Afinal, quem lucra com a fome? 

Apesar de nos últimos anos o brasileiro estar enfrentando dificuldades para garantir até mesmo o arroz e feijão na mesa, de ver carne virar item de luxo, e até o preço do ovo, do óleo e de todos os ítens básicos dispararem absurdamente, a verdade é que mesmo durante a pandemia as principais redes de supermercados quebraram recordes de faturamento. Segundo a Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS), no ano de 2020, o Carrefour faturou R$ 74,7 bilhões, o Assaí R$ 39,4 bilhões, e o Grupo Pão de Açúcar  R$ 31 bilhões. Isto é, somente os 3 maiores varejistas do setor de supermercados faturaram juntos quase 150 bilhões de reais.

Para quem não sabe, o Grupo Carrefour Brasil, que administra também a Rede Atacadão, de Brasil só tem o nome, pois os super ricos que a controlam estão sediados na França. Por sua vez, o Grupo Pão de Açúcar, dono de diversas redes de supermercado no país, e a Rede Assaí são controladas por outro monopólio francês, o Grupo Casino. 

Se em uma parte a concentração de riqueza se acumula na mão de uma minoritária burguesia nacional associada ao capital estrangeiro, foi justamente nesse cenário desumano que movimentos sociais organizaram lutas durante toda a pandemia para garantir que milhões de famílias pudessem ter garantido o direito de comer. As ocupações de supermercados e a solidariedade entre a classe trabalhadora foram fundamentais para a sobrevivência daqueles que têm fome. 

Mas por falar em fome, há que se falar também em revolta. A contradição entre as prateleiras cheias e as barrigas vazias tem se transformado em combustível e intensificado a luta por uma sociedade em que todos que trabalham possam comer e sustentar seus filhos dignamente. Uma sociedade sem nenhum parasita bilionário lucrando com a fome do povo.