Costureiras e alfaiates fazem parte do grande contingente de trabalhadores explorados nos grandes centros comerciais das metrópoles brasileiras.
Michelle Ribeiro – costureira
SÃO PAULO – Muitos serviços realizados por costureiras e alfaiates ainda não foram automatizados, então esses profissionais seguem atuando em inúmeras alas do ramo têxtil condicionados a modelos de trabalho alienantes e desrespeitosos em seu cotidiano.
O universo da moda cresce cada vez mais rápido no Brasil e no mundo sendo um mercado bastante significativo e predatório que demanda bastante força de trabalho na economia mundial.
A indústria têxtil participou da iniciação do capitalismo na primeira revolução industrial tendo a lã de ovelhas e o algodão como matérias-primas – o que foi um dos motivos da ocupação do espaço de moradia dos camponeses que tiveram que seguir para as cidades.
Nesse processo deixaram de executar o trabalho completo e artesanal da produção de um tecido ou uma roupa para trabalhar em fábricas em apenas uma das muitas tarefas que compõem essa produção, agora dividida em alas e etapas.
Sob às ordens de um patrão, e não mais de maneira criativa e independente, logo começaram a surgir os antagonismos entre patrão e empregado, sujeitando as trabalhadoras e trabalhadores à jornadas de trabalho intensas e abusivas, cotidianos de trabalho inseguros e desumanos, etc., visando apenas o lucro acima da vida.
Seguimos presenciando esse antagonismo no qual o patrão de fábricas de roupas e ateliês de costura – os quais na imensa maioria das vezes não sabem nem pregar o botão de uma camisa – sujeitam as(os) funcionárias(os) a inúmeras humilhações, abuso de autoridade, exploração não remunerada e abuso moral.
Temos como exemplo fábricas de produção acelerada de peças que impõem que as(os) funcionárias(os) façam horas extras, às vezes pagando e às vezes não, mas jamais dando a real opção a(ao) funcionária(o) de não as fazer.
É bastante claro como os donos das fábricas não respeitam a carga horária e os horários individuais e da vida privada previamente estabelecida no contrato – quando estes existem.
Esse desrespeito fica bastante evidenciado também nos ateliês de reformas e peças sob medida, que muitas vezes tem horários de atendimento além do comercial e dos dias úteis, usando a maioria dos finais de semana e feriados das costureiras, sem negociação.
É o caso de Angelina Ferreira da Silva, 51, que veio do Nordeste para São Paulo e que disse ter sido escravizada por sua patroa quando chegou: “eu trabalhava, na verdade, em trabalho escravo. Eu trabalhava e morava e, por conta disso, eu acabava quase que não recebendo salário porque eu não tinha hora para entrar. Então, tipo assim: começava seis horas da manhã e ia parar meia noite e não era remunerada. A dona dizia, quando chegava o dia do pagamento e me pagava pouquíssimo, que eu trabalhava e morava, então foi muito sofrido”.
É importante citar que a imensa maioria dessas fábricas e ateliês não estão preocupados com a saúde física e mental dessas(es) funcionárias(os), pois, quase nunca vemos direitos básicos associados à essas vagas, como convênios médicos e odontológicos, cestas básicas, etc. que poderiam ajudar a sobreviver com um salário tão baixo que é mantido para evitar a valorização e qualificação dessa mão de obra.
Há de se lembrar da enorme população estrangeira que também compõem esses espaços – como bolivianos, paraguaios e muitos outros latinos como nós – e que consigo trazem muitas denúncias de modelos semelhantes à escravidão, muitas vezes por terem dificuldade com o nosso idioma e por estarem expostos a xenofobia.
Janete Pereira Porto, costureira que trabalha na região central de São Paulo, relatou que antigamente o sindicato funcionava, mas hoje a situação é outra: “faz muito tempo que eu já não sou sócia. Antes, o que tinha de bom aí era assim: tinha médico, a gente podia passar, dentista, ginecologista, eles encaminhavam a gente quando precisava ir para laboratório, essas coisas. Mas agora, ultimamente, o que eu escuto falar é que ele está péssimo, não tem mais nada, não tem acho que nem acerto da firma, que antigamente eles faziam, tinha como fazer o acordo, receber… eu lembro quando era lá no centro, às vezes eu ia lá para fazer o acerto das empresas, na frente dos advogados, ver se estava tudo certinho, mas nem isso ultimamente está tendo. Eu vejo o pessoal reclamando muito, afinal de contas eles ficaram ricos”.
Esses relatos e a situação vista cotidiana nos grandes centros comerciais de roupas, como as regiões do Brás e do Bom Retiro, no centro da cidade de São Paulo, mostram que é preciso avançar com o trabalho político, sindical e social nas mais diversas frentes para poder libertar costureiras e alfaiates da grave exploração que sofrem.