A exploração do povo na relação entre Brasil e Japão

1893

Basta um pouco de conversa com descendentes de japoneses no Brasil ou um olhar mais atento à história da imigração japonesa para conhecer o real teor das relações Brasil-Japão: a de violência contra a classe trabalhadora de todo o mundo.

Tami Tahira


SÃO PAULOA Prefeitura de São Paulo aprovou um desfile cívico no bairro da Liberdade em comemoração ao Bicentenário da Independência do Brasil que será realizado por 6 entidades representativas da comunidade nipo-brasileira. Segundo elas, “o objetivo é manifestar gratidão ao Brasil pelo acolhimento de milhões de imigrantes japoneses”.

A própria chegada de imigrantes japoneses no Brasil é cheia de controvérsias: eugenistas brasileiros queriam imigrantes que pudessem “embranquecer” uma nação que tinha acabado de abolir a escravidão, mas que ainda contava com grande população racializada. O problema era que os japoneses, apesar de não serem negros nem indígenas, também não eram brancos, ou seja, não eram ideais para o projeto racial do Brasil.

Grande figura racista da época, Oliveira Viana diz: “o problema da assimilação do imigrante japonês é infinitamente mais difícil de resolver do que o dos imigrantes das outras raças aqui afluentes… o japonês é como o enxofre: insolúvel” e a Revista Ilustrada publicou: “como se os pretos já não fossem o bastante, [agora] teremos os amarelos!”.

Durante a Segunda Guerra Mundial, um submarino brasileiro foi abatido por um ataque alemão e o governo viu como oportunidade para saquear os bens de todos os cidadãos de origem dos países do Eixo “em nome da segurança nacional”.

Na prática, expropriaram trabalhadores nipo-descendentes de suas moradias e comércios, deixando-os sem nada e expulsando-os da cidade de Santos.

A família de Silvia Sakuma foi uma das que perderam quase tudo nessa época: “A família do meu pai, Roberto Sakuma, que tinha apenas sete anos na época, foi uma das 585 famílias que foram expulsas de Santos-SP, em oito de julho de 1943. Cerca de 6.500 imigrantes foram obrigados a saírem da cidade em até 24 horas, sob pena de serem presos caso ficassem. Após saber da ordem de expulsão, meu avô ficou muito preocupado com minha avó que estava grávida de 9 meses. Antes mesmo de saírem de casa, pessoas começaram a saquear tudo o que tinham como ferramentas, carroça, cavalo, plantação. Não tinham para quem pedir socorro, pois o governo estava contra eles.”

No primeiro navio com imigrantes vindos do Japão metade deles era de origem okinawana – Okinawa é um arquipélago com população indígena na Ásia que foi tomado à força pelo imperialismo japonês.

Já baqueados pelas violências do império japonês que diminuiu a influência das mulheres, criminalizou práticas como a tatuagem originária, proibiu as línguas locais colocando-as sob risco de extinção, os okinawanos passaram a sofrer também com as violências do imperialismo dos Estados Unidos depois do país negociar o controle do arquipélago ao fim da Segunda Guerra Mundial.

O controle da ilha só foi revertido ao Japão em 1972, algo comemorado pelos japoneses, mas contestado pelos próprios okinawanos, já que o aparelho militar dos Estados Unidos não foi retirado das províncias.

Foi com este questionamento que alguns okinawanos em São Paulo realizaram o evento “50 anos da reversão de Okinawa: comemorar o que?”, com denúncia do caráter imperialista e violento em que a terra foi tirada do povo e entregue aos interesses das nações ricas.

Hiromi Toma, uma das 9 organizadoras deste evento, descreveu as atividades: “organizamos coletivamente o evento para dar voz e rosto às pessoas que passaram pela experiência da guerra e pós-guerra com as bases militares americanas e japonesa em Okinawa, mostrando motivos pelos quais não se tem o que comemorar.  Dentre as diversas apresentações que tivemos nesse dia, destacamos o lugar de fala dessas pessoas em quatro frentes: o depoimento de quem a família veio no pós-guerra e que retornou ‘pós-Reversão’ para estudar em Okinawa; o documentário Vídeo-depoimentos 50 anos ‘Reversão’ feito de forma coletiva com falas de pessoas que vivenciaram em algum grau esse período; um videoclipe que expressa em fotos tiradas em 2014-2015 a presença das bases militares; e uma roda de conversa de pesquisadores okinawanos-brasileires para contextualizar historicamente essa data, mostrar situações atuais em Okinawa e também como isso respinga para nossa vivência aqui no Brasil.”

Hoje, existe essa narrativa de paz e harmonia entre Brasil e Japão que omite a luta de classes que existe dentro dessa relação. O bairro da Liberdade, conhecido pela presença de cultura e luminárias “orientais” em sua origem era um bairro de periferia por onde negros escravizados fugiam para quilombos na zona sul. Lá havia o Cemitério dos Aflitos, que recebia o povo negro, indígena e os pobres e onde Chaguinhas, soldado negro, protestou contra 3 anos de salário atrasado.

Enquanto a burguesia nipo-brasileira e seus políticos de direita pretendem expulsar a população negra, nordestina e árabe com projetos de lei para “higienizar” essa área cidade com a especulação imobiliária, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas constrói uma ocupação de moradia chamada Jean Jacques Dessalines que homenageia o líder da Revolução do Haiti e é moradia para bolivianos, venezuelanos, haitianos e migrantes brasileiros, resgatando o caráter de luta popular do território.

A relação Japão e Brasil que deve ser saudada não é a de uma falsa harmonia que beneficiou os ricos e deixou imigrantes explorados e sim a relação de solidariedade entre a classe trabalhadora de diferentes origens no mundo que se encontrou na luta por moradia, pela libertação dos povos, pelo direito à terra da qual foi arrancada.