As eleições de 2022 e a luta pela democracia e pelo socialismo

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Confira o editorial do Jornal A Verdade nº 259 (1ª quinzena de outubro) com a análise dos resultados do primeiro turno e da campanha da Unidade Popular. Também apresentamos uma avaliação da conjuntura do país e dos desafios que as próximas lutas impõe aos lutadores e lutadoras.

Luiz Falcão | Comitê Central do PCR


“Muita alegria minha gente,

Nada de querer chorar.

A vida é um eterno sofrimento. 

Viver não é mais do que lutar.

Quem não luta não tem o direito

De vibrar quanto a vitória soar.”

(Capiba. Primeira bateria)  

EDITORIAL – No dia 2 de outubro, não tivemos uma eleição verdadeiramente democrática, uma vez que não houve igualdade entre os partidos que disputaram o voto do eleitor brasileiro. De fato, os grandes partidos, que, por coincidência, defendem todos a manutenção do injusto sistema capitalista, tiveram vários minutos para fazer suas propagandas na TV e no rádio, receberam centenas de milhões do Fundo Eleitoral, contaram com doações milionárias da grande burguesia nacional e internacional. Por sua vez, a Unidade Popular (UP), partido que representa de forma profunda a classe trabalhadora, defende o fim do sistema capitalista e sua substituição pelo socialismo, não teve sequer um segundo de propaganda eleitoral na TV. Não bastasse, Leo Péricles, o candidato da UP para presidente da República, foi censurado pelos grandes meios de comunicação de participar dos debates nas redes de TV e rádio. Essa desigualdade, que reproduz a existente na sociedade brasileira, fica bastante evidente na forma como o tempo da propaganda eleitoral foi distribuído entre os partidos. Vejamos: 

Lula (PT-PSB-PCdoB-PSOL) – 3 min 39 seg

Bolsonaro (PL-PP-Republicamos) – 2 min e 38 seg

Simone Tebet (MDB-PSDB) – 2min e 20 seg

Soraya (União Brasil) – 2 min e 10 seg

Ciro (PDT) – 52 seg

UP – Nenhum segundo

Também os R$ 4,9 bilhões do Fundo Eleitoral foram repartidos de forma a beneficiar os grandes partidos: 

PL, PP e Republicamos – R$ 288,5 milhões + R$ 344,7 milhões + R$ 242,2 milhões = R$ 875,4 milhões

União Brasil: R$ 782,5 milhões

PT – R$ 503,3 milhões

MDB – R$ 363,2 milhões

PSD – R$ 349,9 milhões

UP – Apenas R$ 3,1 milhões

Não bastasse, a atual legislação eleitoral estimula os partidos a esconderem os seus programas ao permitir formarem supercoligações para que tenham mais tempo de propaganda na TV. Nessas condições não se pode falar em verdadeira democracia no Brasil. Em resumo, ao não permitir igualdade na disputa, os donos do poder perpetuam o domínio dos grandes partidos na política nacional e, consequentemente, dos interesses da classe dominante, a grande burguesia.

UP: vanguarda na luta antifascista e pelo socialismo

Apesar de todos esses obstáculos, a Unidade Popular, suas candidatas e candidatos tiveram papel destacado nessa campanha eleitoral na denúncia do plano golpista do candidato da extrema-direita, dos generais fascistas e do Centrão. A UP fez uma ampla propaganda de seu programa e da sua proposta de uma profunda transformação social, colocando a economia nacional sob controle popular, suspendendo os pagamentos dos juros aos banqueiros, realizando a reforma agrária e convocando todos os explorados a lutarem por uma nova sociedade, sem ricos e sem pobres. 

Com efeito, apesar das imensas dificuldades impostas pela legislação eleitoral, Leo Péricles, da UP, obteve 0,05% dos votos, ficando à frente do centenário PCB (0,04%) e do PSTU (0,02%). 

Para o Governo de São Paulo, a candidata da UP, Carol Vigliar, teve 0,38% dos votos, uma votação 20 vezes maior do que a obtida pelo PCO (0,02%). Para o Senado, a candidata da UP, Vivian Mendes, obteve 280.460 votos (1,3%), ficando à frente do ex-dirigente do PCdoB e ex-ministro da Defesa de Lula Aldo Rebelo e do candidato do PCO, que teve somente 13.280 votos. Para presidente, o PCO preferiu não apresentar seu programa nas eleições e declarou apoio à chapa Alckmin-Lula.

No Rio de Janeiro e em Minas Gerais, as candidatas da UP, respectivamente, Juliete Pantoja e Indira Xavier também superaram a votação das candidatas e candidatos do PCB, PSTU e PCO. Essa comparação é pertinente e necessária, pois, além de a UP participar pela primeira vez de uma eleição presidencial, ao contrário desses outros partidos, também o PCB, o PSTU, o PCO não tiveram direito a tempo de TV e rádio. 

A maior intervenção de um governo nas eleições 

Nunca na história desse país um governo gastou tanto dinheiro público e adotou tantas medidas econômicas para influenciar os eleitores. Eis algumas delas: em 2021, 14,5 milhões de famílias tinham direito ao Auxílio Brasil; em 2022, ano da eleição, esse número foi ampliado para 20,2 milhões de famílias. Somente no Estado do Rio de Janeiro, onde o candidato apoiado pelo Governo Federal venceu a eleição no primeiro turno, ocorreu um aumento de 72% no número de beneficiários. Mais: as vésperas da eleição, o governo concedeu cinco parcelas de R$ 1.000,00 para um total de 341 mil caminhoneiros (e suas famílias) e para 247 mil taxistas. Não bastasse, o governo deu uma gigantesca “tratorada” no teto de gastos e liberou R$ 19 bilhões do Orçamento Secreto para que os deputados e senadores do Centrão promovem a maior compra de votos no dia da eleição. Crime que ficou escancarado em todos os bairros pobres nas grandes cidades. 

A dinheirama dos tubarões do agronegócio para o candidato Jair Bolsonaro também revela como o poder econômico age para garantir que o Congresso Nacional represente não a sociedade brasileira, mas os interesses da classe rica: as maiores empresas do agronegócio doaram R$ 15,3 milhões para 450 deputados, que formarão uma ampla maioria conservadora e reacionária do Congresso.

Quem ganhou o primeiro turno?

Mas, apesar de todo o abuso do poder econômico, o genocida viu seu principal adversário, o candidato da Frente Brasil Esperança, Lula, vencer as eleições no primeiro turno com 48,4% dos votos válidos, faltando somente 1,6% para sepultar o governo do Centrão e dos fascistas. Bolsonaro, com toda a máquina a seu favor e o apoio do Alto Comando das Forças Armadas, obteve 43,2%, ficando seis milhões de votos atrás do candidato do PT.

Porém, diversos analistas burgueses apresentam o candidato que mais votos teve na eleição (Lula) como quase derrotado e o candidato derrotado (Bolsonaro) como quase o vitorioso. Propagam a mentira de uma “força bolsonarista” com claro objetivo de evitar o desânimo nos bandos fascistas. Quase nada dizem da humilhante perda de um milhão de votos do filho do presidente Eduardo Bolsonaro para deputado federal de São Paulo. Em 2018, ele, teve 1 milhão e 800 mil; neste ano, reduziu para 741 mil votos. Mal falam que o campeão de votos em São Paulo foi o candidato Guilherme Boulos, do PSOL, que alcançou mais de um milhão de votos. 

Vale salientar que, além do uso do dinheiro público e privado para manter o governo do Centrão, muitos trabalhadores foram ameaçados pelos patrões de que, se Bolsonaro não vencesse a eleição, a empresa seria fechada. Até pessoas que recebiam marmita ou cesta básica tiveram o benefício cortado por declarar voto em Lula. 

Tem mais: dos 105.542 milhões de eleitores que votaram nas eleições, somando os votos dos candidatos declaradamente contrários a Bolsonaro, temos 65 milhões de eleitores, quase 2/3 dos votantes, que disseram não à intervenção militar e Bolsonaro nunca mais.  

Portanto, a votação obtida por Lula nada teve de decepcionante, muito pelo contrário. Mostrou a enorme disposição e determinação da população brasileira de acabar com um dos piores governos de nossa história, responsável pela morte de centenas de milhares de pessoas pelo vírus da Covid, pelo aumento da violência contra a mulher, por 33 milhões de brasileiros passando fome e por várias tentativas de realizar um golpe militar fascista. Com efeito, para Lula vencer no segundo turno, basta manter os votos que teve. Já o candidato do fascismo terá de, além de manter todos os seus votos, conseguir mais sete milhões de votos, o que, convenhamos, só será com uma grande fraude eleitoral. Eis porque o governo que disse que não há fome no Brasil antecipou os pagamentos do Auxílio Brasil e do Vale Gás para, antes da votação no segundo turno, ampliou mais 500 mil famílias para receber o Auxílio e promete 13º salário a todas as mulheres, com exceção das que foram vítimas do feminicídio em seu governo.

Logo após votar na Escola Estadual Firmino de Araújo, em São Bernardo Campo, São Paulo, Lula declarou que “o povo quer trabalhar, quer morar, quer ter acesso ao lazer, quer ter um salário, quer jantar, almoçar, tomar café da manhã, quer cuidar da família”. 

Poderia ter acrescentado que o povo quer o fim do racismo, direito integral à Saúde e à Educação, etc., mas, em poucas palavras, Lula resumiu algumas das principais aspirações da imensa maioria do povo brasileiro.

Pois bem, nenhum país capitalista do mundo, mesmo os mais ricos, resolveu nenhuma dessas aspirações ou reivindicações de seu povo e menos ainda dos trabalhadores que imigraram para estas nações. 

Os EUA, país capitalista mais rico do mundo, com um PIB de US$ 25 trilhões, tem 5,7 milhões de desempregados e, a cada semana, mais de 200 mil trabalhadores são demitidos. Entre 1973 e 2007, os salários reais caíram 4,4% por hora de trabalho, já o 1% mais rico dos norte-americanos triplicou sua renda. Além disso, somente neste ano, dois milhões de imigrantes foram presos. A Alemanha, maior exportador da Europa, tem 5,5% dos trabalhadores desempregados, totalizando quase três milhões de pessoas. Na China, nação que desde a década de 1970, abandonou o socialismo e restabeleceu a economia capitalista, 19,9% dos jovens entre 16 e 24 anos estão desempregados e nas 31 principais cidades do país, o desemprego atinge 5,6% da população.

O sistema capitalista é tão nefasto para a humanidade que, além das dezenas de guerras imperialistas realizadas nas últimas três décadas e que foram responsáveis pela matança de milhões de crianças e civis no Afeganistão, Iraque, Síria, Mali, Haiti, e mais recentemente na Ucrânia, com a guerra entre a Rússia e a Otan, agora ameaça a humanidade com uma Terceira Guerra Mundial, que pode levar a destruição do nosso planeta e do ser humano. 

O Brasil é um país capitalista há quase 200 anos e o que esse sistema trouxe de benefício ao povo desta nação? Exploração, baixos salários, desemprego, pobreza, fome, falta de moradia, saúde privada para uma minoria e sucateamento do SUS e da educação pública para os filhos e filhas dos trabalhadores. Hoje, em pleno século 21, temos 125 milhões de brasileiros vivendo em insegurança alimentar e 33 milhões passando fome. A carteira assinada, direito conquistado pelo trabalhador há mais de 70 anos, é negada para 40 milhões de pessoas. As mulheres, debaixo desse sistema onde a classe capitalista é a classe dominante, tem salário inferior ao homem e, no último ano, 17 milhões sofreram violência. A juventude não tem direito nem ao trabalho nem ao estudo, uma vez que não há vagas suficientes nas universidades públicas nem bolsas para os estudantes pobres. A saúde é um retrato da divisão da sociedade de classes, os ricos recebem tratamento de reis e rainhas em luxuosos hospitais particulares, enquanto os trabalhadores dormem em filas para conseguir uma simples consulta médica. Tudo isso não é falta de dinheiro nos cofres públicos, pelo contrário, o Brasil arrecada trilhões todos os anos, mas usa os recursos públicos para pagar juros aos banqueiros, financiar o agronegócio e pagar propinas para ministros e a sagrada família do presidente abençoada por pastores corruptos.

Que burguesia progressista é essa?

Há, entretanto, ilustres pensadores que acreditam que há uma burguesia lúcida no Brasil que apoia Lula e, por isso, devemos nos aliar a ela, deixando intocável seus interesses e privilégios. É natural pensarem assim, afinal aprenderam nas escolas uma história do Brasil onde ditadura era democracia e Dom Pedro I, o herói da independência. Contemos, pois uma historinha para abrir seus olhos: o site Metropoles vasculhou o lixo da residência de Lula em São Bernardo do Campo, a serviço de quem, pode-se imaginar. Nele encontrou um cartão de um burguês “progressista”, o presidente da Cosan, Rubens Ometto. 

Rubens Ometto é fundador do grupo Cosan, empresa que é a maior processadora de cana de açúcar do mundo e atua nos ramos de açúcar, energia, lubrificantes e logística e sua fortuna é estimada em mais de R$ 45 bilhões. Na véspera do casamento de Lula, ele enviou um presente a Lula e escreveu no cartão: “Caro presidente, conforme prometido, espero que goste!!! Abraços”. Em 2018, Ometto votou em Bolsonaro e, neste ano, doou R$ 5,7 milhões para os candidatos bolsonaristas, Tarcísio Freitas, Onyx Lorenzoni, Tereza Cristina e Ricardo Sales, R$ 1 milhão para Bolsonaro e R$ 100 mil para o candidato a deputado federal do PT de São Paulo Ricardo Zaratini. Detalhe, em setembro, Lula já teve dois encontros com o bilionário Ometto.

Acreditar, portanto, que um governo socialdemocrata, que faz questão de deixar claro que seu objetivo é manter a economia capitalista e não mexer nos privilégios da burguesia irá satisfazer ou atender as aspirações do povo de cuidar da família, é tornar-se um porta-voz da escravização dos trabalhadores pela classe dominante.

De fato, enquanto uma minoria de pessoas, a burguesia, continuar dona das terras, das fabricas, dos bancos, das empresas, das terras férteis, das usinas, isto é, das riquezas do nosso país, a miséria e a pobreza continuarão se propagando nesse país. Com efeito, o objetivo do capitalismo não é trazer benefícios para os pobres ou promover a justiça social, mas tão somente garantir o máximo de lucros e vantagens para os capitalistas. 

De fato, somente numa sociedade dominada por relações socialistas de produção, a produção deixa de ter como objetivo o lucro capitalista e passa a satisfazer às necessidades da sociedade. As fábricas produzem não para proporcionar lucro para uma minoria; mas para atender as necessidades sociais. O mesmo acontece na agricultura. Em vez de produzir alimentos para o mercado exterior, a prioridade é alimentar o povo do nosso próprio país. 

É claro que para realizar essa transformação na sociedade é necessário uma revolução social, e não há motivo nenhum para esconder essa verdade, pois a própria história da humanidade e de nosso país tem centenas de exemplos de que o único meio para alcançar as aspirações dos trabalhadores e trabalhadoras é realizar uma revolução socialista, como, inclusive, há mais de um século escreveram Marx e Engels: “A revolução é necessária não só por ser o único meio de derrubar a classe dominante, mas também porque apenas uma revolução permitirá à classe que derruba a outra varrer toda a podridão do velho sistema e tornar-se capaz de fundar a sociedade sobre bases novas” (K. Marx, F. Engels. A Ideologia Alemã. Editora Hucitec. 1977).

Este é, portanto, o nosso objetivo: realizar uma revolução para varrer a podridão do velho sistema e construir uma nova sociedade. Cada passo que damos, e tempos dado muitos, tem esse objetivo. Cada conquista que alcançamos, fortalece esse objetivo. Às vezes, como neste segundo turno, lutaremos para assegurar as melhores condições possíveis, isto é, garantir os direitos democráticos já conquistados, para que nossa luta siga avançando. No entanto, independente de quem será o próximo governo, caminhamos para um período de novos e maiores enfrentamentos entre a maioria dos explorados e a minoria dos exploradores, entre o capital e o trabalho. Deste embate, que já acontece em um nível ainda inicial em nosso país e em outros países da América Latina, ou a revolução vence ou a grande burguesia nacional e internacional imporá um regime fascista. 

De fato, independente do resultado da eleição no segundo turno, as contradições entre as classes na sociedade brasileira seguirão se aprofundando. A diferença é que, se a extrema-direita vencer, ela tratará de implantar uma ditadura militar e cassar as poucas liberdades que conquistamos, inclusive a própria legalização da UP. Se Lula vencer, esse risco não existe, mas a grande burguesia seguirá sendo favorecida e manterá o controle sobre os meios de produção, a terra, o capital financeiro e os meios de comunicação. Por isso, a luta principal agora é derrotar a extrema-direita e seu candidato fascista. 

Os revolucionários nunca escolhem as condições ou os meios para travar essa luta. Buscamos sim nos aperfeiçoar a cada dia para estarmos preparados e darmos o melhor de nós em qualquer situação. Temos feito isso, honrando, assim, nossos heróis Manoel Lisboa, Emmanuel Bezerra, Amaro Luiz Carvalho, Manoel Aleixo, Amaro Félix, entre centenas de outros heróis de nosso povo, como Zumbi e Aqualtune.

(Publicado na edição impressa de A Verdade nº 259, 1ª quinzena outubro)