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quinta-feira, 25 de abril de 2024

Carta: Não é sobre corrupção

A corrupção é sim, uma chaga aberta na história desse país, mas não é sobre isso. É sobre um governo perverso.

Cyntia H. Rossini – Historiadora


SÃO PAULO – Há quatro anos a nação brasileira levou um “tombo”. Não era crível que aquele senhor que esteve por 26 anos em exercício no Congresso sem aprovar nenhum projeto relevante que fosse, poderia ganhar as eleições para presidente do Brasil.

Partindo do princípio que para votarmos em um candidato deveríamos pesquisar sobre sua vida política, sobre seu passado, propostas, lutas e conquistas, aparentemente essa vitória não fazia o menor sentido, porém, o candidato foi eleito em segundo turno com quase 58 milhões de votos.

Em 2018, manifestações nascidas nas redes sociais e organizadas por mulheres, levaram as ruas brasileiras mais de 500 mil pessoas no movimento conhecido como #elenão. Houve participação de populares também nas cidades de Barcelona, Paris, Lisboa, Berlim e Nova Iorque.

Aliás, bem se sabe que o distanciamento geográfico e os movimentos sociais, vem sendo encurtado desde 2013 graças as mídias sociais. O #elenão clamava por uma reflexão e repúdio às falas preconceituosas e agressivas do então candidato, principalmente direcionada às mulheres.

Ainda que artistas e intelectuais renomados tivessem executado uma forte campanha a favor do candidato petista, a ala conservadora de extrema-direita venceu. Levamos um “tombo”!  Jogo político? Golpe? Desejo por uma mudança radical? Antipetismo? Voto de protesto? Qualquer que fosse a resposta ela não se sustentava porque a discussão precisava ir além.

O fato é que nesse período em que esteve no poder, as falas do presidente da república passaram a não estar apenas na retórica, mas deram espaço para que outras pessoas se sentissem no direito de praticá-las. Basta fazer uma breve pesquisa e vemos o quanto a violência do país aumentou.

Um exemplar do relatório elaborado por 18 entidades internacionais foi entregue a Embaixada Brasileira em Paris em janeiro de 2021 e aponta, entre outros dados, que (…) os dois anos de gestão do presidente Jair Bolsonaro comprovam uma deterioração real da situação de direitos humanos e desigualdades no país (…) passados mais dois anos, o que mudou?

Vemos todos os dias nos noticiários violações de direitos nas periferias, contra a mulher e a população preta e pobre.  Àqueles que mantinham seus pensamentos retrógrados, preconceituosos e excludentes em um lugar restrito aos seus pares, passaram a externalizar não somente nas redes sociais, mas nos espaços públicos.

Estão sendo noticiadas agressões verbais e físicas contra a população LGBTQIA+ e contra àqueles que não compartilham da mesma ideologia política.

O documento em questão mostra o ódio político e eleitoral no Brasil onde (…) pelos menos 327 casos de violência contra políticos. Foram 127 assassinatos, 85 ameaças e 33 agressões (…) O desmonte da educação, o descaso com o meio ambiente, as invasões de território indígena, desemprego, perdas de direitos, insegurança alimentar, racismo e violência policial são mais alguns dos alertas do relatório.

Então, não é sobre corrupção.

A corrupção é sim, uma chaga aberta na história desse país, mas não é sobre isso. É sobre um governo perverso. Podemos perfeitamente compreender e debater sobre ideologias de esquerda ou direita. Podemos divergir sobre pensamentos progressistas ou conservadores e ouvir com respeito os diferentes pontos de vista. É completamente compreensível que haja uma grande diversidade de opiniões quanto ao caminho que cada chefe de estado percorre para cumprir com suas promessas de campanha ainda que as agendas da “direita” sejam completamente diferentes da “esquerda”.

Não é sobre divergência política!

É sobre um governo negacionista em um momento de crise sanitária mundial que minimizava a pandemia e afirmava ser apenas uma “gripezinha”.

A pessoa que ocupava o cargo mais alto do executivo imitando pessoas sufocando, atrasando a compra de vacinas que teriam evitado a morte de pelo menos 400 mil pessoas e defendendo o uso de hidroxicloroquina, um medicamento indicado no combate à malária e que não havia nenhuma comprovação científica no tratamento da COVID-19.

Um presidente que afirmou preferir um filho morto a um gay e que depois de quatro filhos homens “deu uma fraquejada e nasceu uma menina”.  Que não teria um neto negro pois educou seus filhos muito bem…

Um chefe de Estado que apoia a população civil armada, bem como a tortura e afirma que não houve ditadura no Brasil. Então, não é sobre corrupção ou político ruim.

É sobre desrespeito as maiorias “minorizadas”, descaso com a ciência e educação, misoginia, homofobia, racismo e falta de empatia com seus semelhantes. É sobre perversidades.

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