Bolsonaro corta do SUS para entregar ao Centrão

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O pagamento de consultas fantasmas e de procedimentos que não ocorreram fazem parte do mecanismo de desvio do dinheiro público do SUS para compra de apoio político via orçamento secreto.

Daniel de Brito, Joana Queiros e Rogério Fachine| Militantes da Unidade Popular pelo Socialismo


SÃO PAULO – O SUS é um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo e garante acesso gratuito para toda a população do país. Conforme a Constituição Federal de 1988, a “saúde é direito de todos e dever do Estado”.

No Brasil, a população é de 212,6 milhões (dados do IBGE) e cerca de 70% das pessoas utilizam o serviço que, durante sua criação no período de redemocratização brasileira, teve impedida qualquer tentativa de se instituir uma fonte segura de financiamento pelo então Senador José Serra (na época no PMDB e que depois seria governador de São Paulo pelo PSDB). Isso condenou nossa saúde ao subfinanciamento e à precarização.

Muito embora tenha ficado mais que provada a importância do SUS no enfrentamento à pandemia de Covid-19 tanto nos cuidados emergenciais quanto nas campanhas de vacinação, a burguesia brasileira segue sabotando nosso sistema de saúde.

Esse quadro se agrava ainda mais atualmente, diante de um governo que faz chacota frente aos 685 mil mortos na pandemia de Covid-19 e que, no período entre 2018 e 2022, retirou R$ 48 bi do orçamento do SUS. Como se não fosse o bastante, o governo militarizado de Jair Bolsonaro já desviou mais de R$ 150 mi do SUS para as Forças Armadas.

O que deveria ser utilizado para a saúde e bem-estar do trabalhador brasileiro foi empregado para o conserto de aeronaves militares. A denúncia foi feita pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), através da Comissão de Orçamento e Financiamento.

A Atenção Primária em Saúde (APS) cooptada por interesses escusos

A porta de entrada para o SUS se faz pela atenção primária à saúde (APS). Pela APS o usuário da rede tem direito de passar por atendimentos multiprofissionais que tem como objetivo principal realizar o cuidado e a promoção da saúde de famílias no território considerando os princípios da Saúde Coletiva.

Isso permite que a equipe de saúde realize um cuidado que considere o contexto de cada pessoa, além de possibilitar acesso ao atendimento entre diferentes especialidades médicas ou com outros campos, como da educação e do serviço social. Enquanto porta de entrada, cabe também a APS o encaminhamento de casos que exigem uma complexidade tecnológica e especializada que o equipamento de saúde primária (UBS – Unidade Básica de Saúde) não é capaz de realizar.

A APS vem sofrendo um processo de terceirização ao ser gerida por Organizações Sociais de Saúde (OSS) que colaboram para o seu sucateamento, uma vez que não há uma clareza de como o dinheiro repassado pelo governo é usado e, na prática, podemos afirmar que não é para a melhoria do atendimento do povo. As OSS fazem a gestão de orçamentos bilionários, contratam profissionais de saúde de forma precária e oferecem serviços insatisfatórios. Tudo isso sem licitação alguma.

É um caso típico de política neoliberal em que os interesses privados se colocam a frente dos interesses públicos.

Entre 2008 e 2020 os valores repassados para as OSS no Brasil chegaram a R$ 161,1 bilhões. Como as OSS são instituições do terceiro setor, o dinheiro repassado a elas é de difícil rastreamento abrindo caminho para todo tipo de desvio, roubo e uso indevido. A situação é ainda mais alarmante quando se leva em consideração que 26% dos Estados e 21% dos municípios sequer declaram ao Sistema de Informação Sobre Orçamento Público em Saúde (Siops) como o dinheiro foi empregado, em clara violação à Lei Complementar 141/2012.

A gestão privada do recurso público não é um acidente, mas um projeto, por um lado se precarizam as relações de trabalho e atendimento no serviço público através da OSS, por outro se fortalecem as redes de convênios médicos.

A fonoaudióloga, servidora pública do Estado de São Paulo e candidata a deputada estadual Ligia Mendes (UP) esteve na Casa de Cultura da Vila Guilherme, no dia 17 de setembro, discutindo os problemas e desafios que o SUS enfrenta. Na ocasião, ela declarou que: “o SUS sofre ataques desde sua criação em 1989 e que as elites econômicas que buscam destruí-lo, querem tornam o acesso à saúde uma mercadoria para os que podem pagar”.

DEBATE. Ligia Mendes (ex-candidata pela UP) participou de atividade sobre o SUS e atenção primária à saúde (Foto: Thiago Ribeiro/ A Verdade).
O orçamento secreto de Bolsonaro é um ataque direto a saúde

Um dos principais serviços oferecidos pela atenção primária é o fornecimento de medicações para aqueles que precisam.

Apenas nos últimos 12 meses, a inflação acumulada sobre os medicamentos já passa dos 13,8% – maior inflação dos últimos 10 anos. Neste cenário econômico, em que os preços dos medicamentos (assim como alimentos e outros itens básicos) aumentam desproporcionalmente se comparado à realidade financeira do povo brasileiro, o SUS é a única opção para que o trabalhador tenha acesso gratuito para o tratamento que necessita para viver com maior qualidade. 

O SUS, através do “Programa Farmácia Popular do Brasil” (PFPB), tem como objetivo complementar a disponibilização dos medicamentos utilizados na Atenção Primária por meio de parceria com farmácias e drogarias de rede privada, realizando também o fornecimento gratuito de medicamentos para tratamento de doenças crônicas.

O atual Presidente da República enviou o Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2023 ao Congresso Nacional com previsão de corte de 60% para Farmácia Popular, deixando nítido que não dá a mínima importância para a saúde da população brasileira.

O orçamento que era de R$ 2,04 bilhões para o programa Farmácia Popular do Brasil agora é de R$ 842 milhões.

O presidente Bolsonaro fez os cortes na carne do povo com o objetivo de engordar o orçamento secreto que hoje já passa de 19 bilhões de reais. O orçamento secreto é um esquema em que o governo federal repassa dinheiro para deputados federais que deseja comprar o apoio sem ter que declarar valores nem divulgar para qual finalidade o dinheiro será destinado.

Os efeitos do orçamento secreto já podem ser sentidos e os escândalos com o superfaturamento na saúde são inúmeros. O famoso Hospital de Amor em Barretos é uma das “instituições filantrópicas” que mais recebeu recursos do orçamento secreto, no entanto, a maioria dos municípios agraciados pelo orçamento são pequenas cidades no interior do Maranhão.

O município Igarapé Grande, que conta com 11 mil habitantes e se localiza a 300 km de São Luiz, declarou ter realizado 385 mil consultas com médicos especialistas – o que dá uma média de 34 consultas por habitante.

Entre 2018 e 2019, o município de Bom Lugar aumento em 1.300% seus procedimentos de média e alta complexidade. Detalhe: o município de 16 mil habitantes não possui hospital.

Já o município de Pedreiras, com 39 mil habitantes, declarou ter realizado no ano passado 540 mil extrações dentárias, o que significaria ter retirado 14 dentes de cada morador da cidade. Esses são alguns exemplos de uma lista de dezenas de cidades em que esse tipo de prática acontece.

O desespero de Bolsonaro em se manter no poder custará quantas vidas forem necessárias, sua falta de escrúpulo e ódio ao povo não tem limites. É necessária a reação da classe trabalhadora que, impedida de acesso a saúde, ao trabalho e a vida digna, não pode se calar.