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domingo, 22 de dezembro de 2024

Entrevista com Hebe Bonafini: “Não se pode humanizar o capitalismo”

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No último domingo (20), recebemos com pesar a notícia do falecimento de Hebe Bonafini, uma das principais lideranças do movimento Mães da Praça de Maio. Hebe faleceu aos 93 anos de idade, em La Plata, na Argentina. Para homenagear sua vida e luta, republicamos em nosso site a entrevista que a revolucionária argentina concedeu ao jornal A Verdade em 2003, durante sua participação no Fórum Social Mundial.

Hebe Bonafini, presente!


LUTA POPULAR. Hebe Bonafini foi uma das principais lideres pela punição dos torturadores argentinos. (Foto: Reprodução/Twitter)
LUTA POPULAR. Hebe Bonafini teve dois filhos desaparecidos durante a ditadura militar argentina, e sua trajetória foi marcada pela luta em busca dos mortos e desaparecidos. (Foto: Reprodução/Twitter)

No Fórum Social Mundial muitas coisas aconteceram sem que ninguém soubesse, apesar de outras terem sido extremamente disputadas. Assim, foram todos os momentos em que esteve presente a representante do movimento Mães da Praça de Maio, a revolucionária argentina Hebe Bonafini. Um momento muito especial foi quando a companheira Hebe deu esta entrevista exclusiva ao jornal A Verdade.

Elizabeth Araújo e Indira Xavier


A Verdade – Hebe, qual a origem do movimento das Mães da Praça de Maio?

Hebe Bonafini – Em 1976, quando começou a ditadura militar na Argentina, e com ela o desaparecimento dos jovens lutadores, as mães começaram a reivindicar os filhos que foram sequestrados e não sabiam onde estavam. Em 30 de abril de 1977, fomos pela primeira vez à Praça de Maio, num ato público contra o terrorismo de Estado. Desde então, nunca mais deixamos de ir à praça. Há 26 anos, todas as quintas-feiras, vamos até lá, mas agora vamos reclamar outro tipo de justiça: temos três companheiras desaparecidas. Em abril de 1977, sequestraram três de nossas mães, pois achavam que assim acabariam com o movimento, Muitos foram os atentados. Já atentaram contra minha casa, contra minha filha, torturaram-na em casa, enfim, já passamos por muitas dificuldades, mas temos muita disposição de luta e não nos intimidamos perante as dificuldades. Temos um jornal, uma revista, uma universidade, muitos livros editados. Essa é nossa resposta: a conscientização. Realizamos grandes marchas todos os anos, somos internacionalistas, viajamos para todo o mundo, aprendemos com todo o mundo, sobre todas as coisas, levantamos a bandeira de todos os nossos filhos. Participamos, junto com as piqueteiras, de assembléias variadas. De tudo o que se passa na Argentina nós participamos.

A Verdade – Como o Movimento das Mães da Praça de Maio se tornou internacional, e o que você poderia dizer a outros movimentos de mães, no mundo, que defendem a luta contra o imperialismo e a luta travada por seus filhos?

Hebe – Considero que as Mães da Praça de Maio são conhecidas por causa da consequência da nossa luta. Temos conservado nossos princípios éticos, que nos formaram. Temos uma declaração de princípios, em que as mães da associação não podem se afastar, pois lutamos por todos os presos políticos do mundo. 

Não damos por mortos os nossos filhos, pois eles estão vivos em cada luta. Não somamos cadáveres como quer o capitalismo; os homens que morrem lutando não são cadáveres, nossos filhos são heróis, nossos filhos estão vivos em outros. Temos certeza da justeza da luta revolucionária dos nossos filhos, e não aceitamos a reparação econômica que o governo nos oferece. O valor é de US$ 150 mil por cada filho desaparecido. Eu tive três filhos, ganharia uma fortuna, mas não conseguiria olhar para você hoje. Como diria que luto pela liberdade, vendendo a vida de meus filhos? Continuar  a luta é a única forma de reparação que queremos, derrotar o capitalismo. 

À vida de nossos filhos não tem preço, ela vale a vida de outro e não vendemos o sangue que, até hoje, rega a luta de libertação do nosso povo. Essas são as bases da organização das Mães da Praça de Maio, esse é o exemplo que podemos dar a todos os movimentos do mundo

A Verdade – Na sua opinião, quais as causas da crise que vive hoje o povo argentino?

Hebe – A traição dos políticos, a mediocridade, o FMI, as privatizações. Se privatizamos poderemos pagar os aposentados, então, privatizamos o petróleo, porque desse dinheiro levantaríamos escolas; privatizamos a telefonia porque desse dinheiro quitaríamos isso ou aquilo. E quitamos? Tudo mentira, jogaram o nosso dinheiro nos bancos na Suíça, e seus parceiros, os países ricos, conservaram seus lucros e empresas enquanto o povo argentino agonizava.

A Verdade – Como você classifica essa declaração de guerra dos EUA dão povo ao iraquiano?

Hebe – É a soberba do imperialismo. Trata-se de um dos maiores genocídios, só que, vindo dos EUA, é muito pior, pois já cometeram genocídios em todo o mundo, já mataram milhões de pessoas. Os EUA são responsáveis por inúmeros massacres Camboja, Vietnã, Iraque, invadiram toda a América Latina, impondo-lhe ditaduras fascistas, mataram milhões de pessoas e tornaram-se os maiores inimigos da paz e da humanidade. É isso que tenho a dizer.

A Verdade – Os brasileiros vivem hoje um momento muito especial, com a vitória de Lula para a Presidência da República. O que você acha deste nosso momento?

Hebe – A luta deve continuar, para conseguir garantir o que Lula prometeu. É um momento muito importante para aqueles que crêem, que esperam e têm esperança. Sabemos que Lula não fará a revolução, sabemos que Lula faz concessões, mas também sabemos que vem do povo, que vem do trabalho, e que há esperança.

Portanto, temos que exigir que cumpra tudo o que prometeu.

A Verdade – Hebe, você hoje é exemplo de luta no mundo inteiro. Como mãe, que mensagem poderia enviar a mães que em toda a América Latina vêem seus filhos saindo de casa em alguns países para fazer parte de movimentos, para militar em organizações, e outros para fazer parte da guerrilha e lutar contra o imperialismo?

Hebe – Em primeiro lugar, que escutem seus filhos. É preciso escutá-los, e muito. Escutar os jovens muito, e depois acompanhá-los na luta, E, se morrerem, que não os abandonem, que os defendam, pois não há nada melhor para uma mãe que defender seus filhos, defender com consciência política, com a consciência de classe, com o amor que lhe damos quando os parimos. Fu estou parida pelos meus  filhos, grávida para sempre. Eles estão dentro de mim, não vão embora, me acompanham, me dão força. Pensando que meu destino é uma escola, é assim que eu falo, é assim que eles me acompanham. É uma loucura, uma loucura de amor, em todo caso. É isso que quero dizer às mães.

EDIÇÃO IMPRESSA. Foto da edição de abril de 2003, quando a entrevista foi publicada originalmente. (Foto: Arquivo)
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