Tami Tahira | Bacharela em Artes Visuais
CULTURA – No dia 08 de janeiro, fascistas apoiadores de Jair Bolsonaro invadiram e depredaram o Palácio da Alvorada, o Congresso Nacional e o STF. Além do caráter golpista e ditatorial, um fator alarmante da ameaça fascista foi a violência com que obras do patrimônio nacional foram danificadas ou roubadas. E por que se preocupar com obras de arte numa ameaça golpista? Aqui, a questão não é comparar o tamanho do dano monetário entre uma vidraça do prédio e uma tela quebrada. Disse o coordenador da Comissão Guarani Yvyrupa: “Arte é outra coisa. Ela não serve para contemplar pedras, mas para transformar corpos e espíritos”. Que tipo de transformação acontece com o corpo da nossa classe trabalhadora quando arte é destruída?
A arte adequada ao fascismo
A pintura Orixás de Djanira (1960), que retrata Iansã, Oxum e Nanã, foi uma das obras a serem retiradas do Salão Nobre a mando de Michelle Bolsonaro, evangélica. O acervo do Palácio do Planalto é público, e tem a intenção de retratar as faces do povo brasileiro. A retirada da obra que retrata três divindades africanas por estar individualmente em desacordo com a religião de quem governa é expressão da intolerância religiosa.
Não é a primeira vez que a arte é alvo de um regime autoritário. Durante a Segunda Guerra Mundial, Hitler organizou uma exposição chamada “Arte Degenerada”, em que, com a intenção de desmoralizar, reunia obras confiscadas de artistas que pintavam a desigualdade social, a pobreza, a miséria da classe trabalhadora de maneira expressionista e rompiam com as convenções do que era belo na arte.
Os fascistas, através da exposição do que levava o ser humano à decomposição, à degeneração, esperavam valorizar a arte que eles defendiam: homens brancos em poses elegantes, figuras proporcionais, que retratavam a realidade burguesa fidedignamente. As obras da exposição que não foram vendidas acabaram queimadas.
Os apoiadores de Bolsonaro seguiram os passos do golpista: esfacelaram obras de arte que eram disruptivas e se propunham a representar o povo. O pintor Di Cavalcanti buscava retratar um Brasil popular, a fim de construir a estética da identidade nacional. A pintura que foi depredada carrega, ao mesmo tempo, o movimento inovador para a época de recusar influência europeia sobre a produção brasileira e o racismo de animalizar mulheres negras ao receber o título de “As Mulatas”. Por mais limitada que possa ser, uma obra que buscava retratar mulheres negras como povo brasileiro foi perfurada sete vezes por bolsonaristas.
Criminalização da classe trabalhadora
Recentemente, lutadores de movimentos sociais como o entregador Galo foram criminalizados pelo incêndio da estátua do bandeirante escravizador e assassino de negros e indígenas Borba Gato. Esta foi uma intervenção sobre uma obra de arte que era porta-voz das ideias da elite branca escravagista, materialmente representada por essa gigantesca escultura em São Paulo.
De acordo com o revolucionário do Partido Comunista da Albânia, Enver Hoxha, a arte que serve à classe trabalhadora é a que “põe a nu, com coragem, as contradições e luta para as resolver, critica as lacunas sem nunca perder de vista a perspectiva geral, executa todos os dias o processo conhecido que consiste em edificar o novo e destruir o velho”.
Abrir um debate sobre quais são as figuras homenageadas pelos monumentos no país é de uma maturidade ideológica e política, que aponta para o avanço das reivindicações da classe trabalhadora: não aceitaremos mais o enaltecimento de racistas em via pública. Por esse potencial de revolta, a ação foi alvo de um processo que tentou encarcerar estas lideranças.
A mesma lei que condenou o entregador de aplicativo que ousou denunciar o genocídio na história do país não é aplicada aos fascistas que roubaram e destruíram obras de arte na invasão golpista.
A cultura está fundamentada em como se organizam os meios de produção. Enquanto não acabarmos com o sistema capitalista, a burguesia seguirá destruindo a potência criadora da classe trabalhadora. A arte só pode ser produzida dentro da sociedade em que é criada – realizemos simbólica e materialmente os maiores sonhos da nossa classe combatendo a dura conjuntura que nos é posta até a vitória final.
Matéria publicada na edição nº 264 do Jornal A Verdade