Beto Silva | RIO DE JANEIRO (RJ)
Em 1º de fevereiro, o Banco Central anunciou a manutenção da taxa básica de juros da economia em 13,75% ao ano. Essa é a taxa das operações de crédito de curtíssimo prazo (de um dia para outro) entre os bancos, ou seja, no mercado interbancário. Ela é considerada “básica” porque é com ela que os próprios bancos se financiam e, assim, é a referência para as demais taxas de juros do sistema bancário. Essas operações se dão no Sistema Especial de Liquidação e Custódia, daí porque ela é também chamada de taxa Selic.
A manutenção da Selic significa a continuidade do aperto monetário iniciado em março de 2021, quando a taxa era 2,00% ao ano. Descontando a inflação, a taxa de juros atual da economia brasileira é a mais alta do mundo.
Juros altos concentram renda e sabotam o crescimento
Mais de 60% da Dívida Líquida do Setor Público está indexada à taxa Selic. Isso significa que 1 ponto percentual da taxa básica representa cerca de R$ 35 bilhões por ano no pagamento de juros. Em 2022, o setor público pagou R$ 586 bilhões em juros. Como os títulos da dívida pública – e os ativos financeiros em geral – são extremamente concentrados[i], o pagamento de juros é um brutal mecanismo de transferência de renda para os mais ricos.
Além disso, taxa de juros elevada torna a rentabilidade das aplicações financeiras muito superior à do investimento produtivo. É uma trava para o crescimento porque incentiva a migração do capital da esfera produtiva para a financeira. Em seu comunicado, o próprio Banco Central é forçado a reconhecer o quadro “desaceleração” da atividade econômica, o que é obviamente um eufemismo já que são quase 10 anos de crise e estagnação. Basta lembrar que, em 2022, o PIB per capita brasileiro foi menor que o de 2012!
Restou então ao Banco Central apelar para o argumento da “incerteza fiscal”. Mas esse argumento é contraditório e falacioso. Contraditório porque o pagamento de juros é um dos principais gastos do governo, sendo diretamente impactado pela taxa de juros. Se o Banco Central está preocupado com os gastos públicos, esse é mais um motivo para a redução da Selic. É também falacioso porque, apesar das amarras autoimpostas pela Lei do Teto de Gastos, o déficit público não ameaça a solvência do Estado Brasileiro nem afeta a capacidade do poder público de usar o orçamento para garantir serviços sociais essenciais à população.
Na verdade, o que o Banco Central faz é disputar, em nome do capital financeiro, os rumos da política econômica. O objetivo é manter o orçamento fechado aos investimentos sociais e ao desenvolvimento. A decisão sobre a taxa Selic é política por definição. Se fosse “puramente técnica”, não precisaria ser votada pela diretoria do Banco. Ninguém vota pra decidir quanto é 2+2. A votação é o reconhecimento de que há prós e contras em jogo, o que torna a decisão, obrigatoriamente, política. É por isso também que é insustentável que o novo governo não possa indicar o presidente do Banco Central. A atuação do BC e do Ministério da Fazenda tem que ser coordenada, não “independente”.
Reduzir a Selic não gera inflação
Alguns economistas argumentam que, mesmo com a economia estagnada, reduzir a taxa de juros pode gerar inflação por seu efeito na taxa de câmbio. A lógica é que juros mais baixos não seriam atrativos ao capital internacional. Com isso, o real seria desvalorizado, aumentando o preço dos insumos e produtos finais importados e dos produtos nacionais indexados ao mercado internacional.
De fato, entre 2017 e 2021, quando a taxa de juros teve trajetória de queda, houve expressiva desvalorização do real. Embora outros fatores devam ser lavados em consideração – como a pandemia –, não é inteiramente uma coincidência que a cotação máxima, perto de R$ 5,90 para US$ 1,00, foi atingida no momento de mínima da Selic (março de 2021).
Entretanto, o que essa correlação evidencia é o quanto a economia brasileira está atrelada aos ciclos de liquidez internacional e vulnerável a ataques especulativos. Capitais estrangeiros atraídos por juros altos são tipicamente de curto prazo. É óbvio que a estabilidade da taxa de câmbio não pode depender deles. Usar a taxa de juros como um instrumento de política cambial é temerário e inapropriado.
A causa da brusca desvalorização do real e suas consequências na escalada inflacionária de 2021-2022 não foi a Selic reduzida, mas sim o domínio do capital financeiro sobre a taxa de câmbio. Há uma série de medidas (controle de capitais, conversão compulsória de receitas de exportação, etc.) que podem e devem ser usadas justamente para aumentar o grau de autonomia da política monetária brasileira, evitando a subordinação da Selic à taxa de câmbio.
Por fim, é importante destacar que a redução da Selic, por si só, não garante a retomada do desenvolvimento econômico. Mas isso só reforça a necessidade de fortalecer a ação estatal na economia e avançar em reformas como a agrária, a urbana e a tributária. Reduzir a taxa de juros é um enfrentamento direto ao rentismo e ao capital financeiro e, portanto, um passo fundamental para superação da crise.
[i] Segundo a Anbima, 10% das contas de investimento – os chamados segmentos private e alta renda – detêm 66% de todos os ativos financeiros do Brasil