Debate sobre “voto de qualidade” no CARF expõe hipocrisia e privilégios da grande burguesia.
Raul Bittencourt | Rio de Janeiro
BRASIL – O debate sobre o “voto de qualidade” no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o CARF, tem envolvido políticos, advogados e grandes grupos empresariais. Entretanto, é um debate distante de grande parte da população e a imprensa burguesa não tem o menor interesse em mudar isso.
O CARF foi criado em 2009, por meio da Lei 11.941, para julgar processos administrativos referentes a impostos, tributos e contribuições, inclusive da área aduaneira (importação e exportação). Atua na esfera administrativa quando há conflito entre a posição dos órgãos competentes dos governos e os interesses dos empresários, sendo formado por representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes.
O “voto de qualidade” existiu no Brasil até 2020, quando o governo Bolsonaro, através de uma medida provisória (MP) revogou a norma que permitia ao presidente do CARF dar um voto de minerva para desempatar julgamentos no órgão. Isso se dava nos julgamentos das dívidas de impostos com a Receita Federal no âmbito administrativo, o que não impedia o devedor a entrar na justiça contra o governo.
O povo paga pelo calote dos ricos
A partir de 2020, as votações envolvendo os muito ricos e suas empresas passaram a ficar empatadas, sendo decididas em benefício destes e em prejuízo de toda sociedade. Assim, para custear a máquina pública, o Estado precisava aumentar a cobrança de impostos sobre a classe trabalhadora e a classe média.
O Estado permitiu os bilionários como Jorge Paulo Lemann, Sicupira, Batista, Telles, Esteves, Guedes e outros, ficarem livres do pagamento de tributos e multas devidas, seja sobre seus próprios esquemas, seja sobre suas empresas, como as Lojas Americas, Ambev, Havan, entre outras. Na prática, a lei de Bolsonaro garantia o calote dos muito ricos, jogando a conta no colo do povo.
Agora que o voto de qualidade voltou a vigorar por conta de uma MP do governo Lula, o “mercado ficou nervoso”. Os empresários buscam saídas políticas e jurídicas para continuar a não pagar os tributos que são devidos. Também pressionam por uma reforma tributária que “retire a carga do setor produtivo”. Mas a verdade é que eles não estão se referindo à classe trabalhadora, que realmente produz na sociedade, mas sim à classe deles, dos exploradores, a grande burguesia.
Ricos não pagam impostos
O efeito prático do não pagamento de tributos pelos bilionários e suas empresas está na não atualização da tabela do imposto de renda, IR. Isso levará a classe trabalhadora que ganha cerca de um salário mínimo e meio a pagar esse imposto.
Assim, os assalariados têm uma fatia considerável de suas remunerações consumidas por impostos, enquanto os muito ricos se valem de todo o tipo de manobra para pagarem nada ou muito pouco.
Enquanto os que têm muito se esquivam do pagamento de impostos, o custeio da máquina pública, inclusive do aparato repressivo do Estado utilizado para oprimir o povo, assim como grandes investimentos e a farra da dívida pública, seguem sendo pagos pelos que pouco ou nada têm.
É como denunciava a estrofe do hino da Internacional, o “crime de rico a lei o cobre, o Estado esmaga o oprimido, não há direitos para o pobre, ao rico tudo é permitido”.
Uma reforma tributária é de fato urgente. Todavia, não é defendida pelos que lucram com a exploração do povo. A volta do voto de qualidade no CARF é importante, mas insuficiente para dar conta das necessidades de recursos pelo Estado. É insuficiente para investir no que realmente importa, como saúde, educação, habitação popular, saneamento e serviços públicos para a população.
É urgente tributar as grandes fortunas, os lucros e dividendos acionários, taxar a remessa de lucros e o pagamento de royalties para o exterior, aumentar a tributação sobre a herança, acabar com a farra das isenções e desonerações, ampliar a progressividade e o teto do IR e retirar impostos que incidem sobre os mais pobres para que, finalmente, os ricos paguem a conta.