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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Povo do Rio Grande do Norte sofre com onda de violência urbana

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Rio Grande do Norte passa por semana de ataques de facções criminosas. Violência no estado é produto de uma série de crimes cometidos pelo Estado, desde tortura nos presídios até a falta de investimentos concretos nas áreas sociais.

Kivia Moreira e Augusta Rocha | Natal


Desde o início de março, ondas de violência ocorrem no estado do Rio Grande do Norte — com frequência ainda maior nas periferias em Natal — especialmente na zona leste e oeste da capital. Semana passada, uma criança de 9 anos foi vítima de “bala perdida” no bairro Felipe Camarão, enquanto brincava.

Na zona leste da capital, após inúmeras denúncias de violência policial houve um ato no bairro Rocas com dezenas de famílias para pedir paz nas periferias. Assassinatos, espancamentos e opressão é uma constante nos bairros pobres do RN. 

Desde terça (14), mais de 20 cidades, incluindo a capital, registram ataques a tiros, incêndios contra prédios públicos, comércios e veículos públicos e privados, que, segundo as autoridades locais, são realizados por uma facção que atua nos presídios. 

Além da denúncia da violência policial, uma das principais causas apontadas para ocorrer os ataques no estado é o tratamento desumano dado aos detentos – falta de visitas íntimas desde 2017, alimentos estragados e torturas têm sido relatadas pelos apenados.

Além disso, a dificuldade e humilhação que as famílias passam para visitar os apenados, fazendo com que estes fiquem isolados completamente. E quando há formas de denunciar a proibição de visitas nos presídios, a polícia reprime violentamente as famílias. Foi o caso do ato de reivindicação de melhoria nos presídios que ocorreu na manhã do dia 15 de março, em que uma mulher foi espancada por cinco policiais, além da detenção de duas manifestantes pela polícia.

Com esse ambiente de violência e insegurança, os trabalhadores e trabalhadoras potiguares são os mais afetados, obrigados a trabalhar em meio ao clima de insegurança e de paralisação do transporte público. 

A origem dos ataques

No entanto, desde o início dos ataques no estado, na terça-feira (14/03), circula em grupos do Whatsapp, supostamente de autoria da facção “Sindicato do Crime”, afirmações que os ataques seriam uma resposta às condições do sistema prisional do Rio Grande do Norte, descritas como “degradantes”.

De acordo com a antropóloga Juliana Melo, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pesquisadora do sistema prisional e da área de segurança pública, “dizer que o que aconteceu é só uma retaliação é invisibilizar um problema maior”. Assim, ela continua “quanto maior a prisão é, mais violenta é a sociedade. Tudo que acontece dentro do sistema prisional tem consequências para o que acontece do lado de fora. Nosso sistema prisional é marcado por violação dos direitos humanos enorme e o sistema potiguar consegue ser pior que outros lugares do Brasil”.

Tortura nas prisões do RN

Segundo o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, durante as inspeções em unidades prisionais em 2022 no estado do Rio Grande do Norte, diversas práticas de tortura e insalubridade dentro dos presídios foram alertadas. De acordo com o relatório do órgão nacional, além de entregarem comida estragada para os detentos, cerca de 40 a 60 apenados estão convivendo na mesma cela.  De acordo com a Secretaria de Estado da Administração Pública (Seap), atualmente são 7.804 presos para apenas 6.353 vagas. Um déficit de 1.451 vagas.

Uma das peritas do mecanismo, Bárbara Coloniese, durante as visitas, relatou: “Em uma das unidades, flagrei uma pessoa que estava há 39 dias numa cela de castigo. Quando eu abri a portinhola foi difícil de respirar. Tinha uma atmosfera irrespirável pelo cheiro daquele espaço. Imagine a situação dessa pessoa”.

Além do ambiente de superlotação nos presídios, há práticas de tortura frequentes contra os apenados. Um deles, relatado pelo mecanismo, é a contaminação proposital de tuberculose e meningite aos apenados saudáveis.

Conforme Coloniese, “Nós flagramos uma situação numa cela de castigo, onde eles colocavam uma pessoa com o tratamento iniciado de tuberculose, quando ele ainda era um vetor de contaminação, dentro da cela como forma de castigo para que as outras pessoas que não tinham tuberculose fossem contaminadas”.

Contudo, mesmo com as humilhações passadas pelos apenados, torturas e alimentação estragada, a situação não é nova. Como afirma a antropóloga da UFRN, desde 2017, durante o massacre de Alcaçuz, relatos dessa natureza têm sido frequentes. “Eles relatavam torturas dos mais variados tipos, como beber água sanitária, choque elétrico, ficar horas em posição de procedimento, ser obrigado a andar nu. Sem falar na humilhação dos familiares na hora de fazer a visita”, diz a professora.

Violência urbana é fruto da falta de investimentos sociais

Historicamente, o estado foi abandonado nos investimentos de segurança, sem investimento em material humano, em capacitação, em estudos para combater a criminalidade, isto é, há ausência de desenvolvimento na saúde, educação e segurança na capital e, onde não tem isso, a criminalidade se expande. Segundo o Índice de Desenvolvimento na Educação Básica (IDEB), em 2021, o Rio Grande do Norte teve o pior ensino médio do Brasil.

Nesse sentido, é um problema que existe estruturalmente no Brasil devido ao capitalismo. Para os grandes ricos do país, o direito ao acesso ao ensino, à saúde e à segurança é mercadoria, fazendo políticas de sucateamento de estruturas públicas para enriquecer o mercado privado. Isso se percebe na nova reforma do ensino médio, na Emenda Constitucional nº 95 que estabeleceu “teto” nos investimentos destinados às políticas sociais (dentre elas a educação e saúde) e na reforma trabalhista aprovada no governo golpista de Michel Temer.

Em consequência, se não há interesse em investir na melhoria da vida dos trabalhadores e da juventude, é impossível viver num país sem violência. Sem acesso à educação de qualidade, à moradia digna e ao emprego, a única saída para diversos jovens da periferia, em maioria negros, no Brasil é a criminalidade. Isso acaba gerando mais violência e morte nas comunidades. De acordo com Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 84% das pessoas mortas por ações policiais são negras e moradoras das periferias.

Assim, quem ocupa o sistema prisional são jovens e negros em sua imensa maioria, e todos são pobres. Por isso, o encarceramento em massa é uma política de Estado da burguesia, que nos enxerga como escravos e objetos. Precisamos acabar com esses crimes cometidos contra nosso povo dentro e fora dos presídios. 

Por isso, a solução para a melhoria da vida dos trabalhadores e da juventude não é mais policiais reprimindo as comunidades e presídios, o que vai resolver os problemas do povo são mais direitos e políticas públicas para os jovens e trabalhadores. Enquanto não melhorar a situação nas cadeias, nas periferias e a vida da classe trabalhadora, não se resolverá o problema da violência, que é cíclico.

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