Beto Silva | Rio de Janeiro (RJ)
BRASIL – Em 1º de fevereiro, o Banco Central decidiu manter em 13,75% ao ano a taxa de juros do Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia). Essa é considerada a taxa básica da economia porque é com ela que os bancos emprestam dinheiro entre si e com o próprio BC. Dessa forma, a Selic influencia as demais taxas de juros do sistema bancário. Ao manter os juros nesse patamar elevado, o Brasil se tornou o país com a maior taxa de juros real do mundo1.
Mas, como a taxa de juros mais alta do planeta pode ajudar o país a combater a inflação? Quando a taxa de juros sobe, o crédito fica mais caro, dificultando o consumo e o investimento, e as aplicações financeiras tornam-se mais rentáveis em comparação com o investimento produtivo. Ou seja, aumentar a taxa Selic – ou mantê-la num patamar elevado – é uma medida que indiscutivelmente visa reduzir a atividade econômica.
A atual política de juros do Banco Central só teria algum fundamento se o país vivesse uma situação de crescimento econômico acelerado, em que o consumo e o investimento estivessem crescendo acima das condições materiais permitidas pelas forças produtivas (a chamada inflação de demanda). Porém, como sabemos, o quadro da economia nacional é justamente o oposto. Estamos no meio de (mais) uma década perdida. São 20 milhões de pessoas desempregadas, subempregadas ou que simplesmente desistiram de procurar emprego por falta de oportunidades.
Assim, mesmo no plano teórico, a política monetária do Banco Central é inadequada para a situação brasileira atual. Mesmo que os preços parem de subir, não será porque a inflação foi controlada, mas sim porque houve a quase total paralisia da economia. Aliás, esse é um caminho que o Banco Central explicitamente persegue ao afirmar, sem pudores, que “a desaceleração deve prosseguir e é necessária para que (…) ocorra a convergência da inflação para suas metas”.
A taxa de juros é uma decisão política
A atual taxa de juros praticada pelo Banco Central não é apenas um “equívoco” de teoria econômica. Embora tentem camuflar, a decisão sobre a Selic é uma decisão eminentemente política. Em primeiro lugar, porque a combinação adequada de desemprego, inflação, câmbio, etc., depende de um julgamento que não é o mesmo para todos e cujos efeitos também não são igualmente distribuídos. Segundo, porque mais de 60% da Dívida Líquida do Setor Público está indexada à taxa Selic. Isso significa que 1 ponto percentual da taxa básica representa cerca de R$ 35 bilhões por ano no pagamento de juros. Como os títulos da dívida pública – e os ativos financeiros em geral – são extremamente concentrados2, o pagamento de juros é um brutal mecanismo de transferência de renda para os mais ricos. Terceiro, porque, através da taxa de juros, os diretores do BC pretendem disputar os rumos de toda política econômica.
É interessante observar como o Banco Central se dá o direito de julgar medidas do Ministério da Fazenda, orientar o Conselho Monetário Nacional3, “mitigar efeitos” da política fiscal, avaliar o “arcabouço fiscal do país” e de estar sempre “vigilante”.
É por isso que a chamada autonomia do Banco Central é insustentável. Os órgãos de atuação do governo na área econômica (Banco Central, Tesouro Nacional, bancos públicos, Receita Federal, empresas estatais, etc.) têm que atuar de forma coordenada. Não faz o menor sentido o Banco do Brasil, por exemplo, ter uma determinada política de crédito e o Banco Central ter outra completamente autônoma ou até mesmo antagônica.
Os economistas neoliberais dizem que defendem os juros altos por estarem preocupados com os gastos públicos e as expectativas dos agentes. Bem, o pagamento de juros é um dos principais gastos do governo. Só no ano passado, o setor público pagou R$ 586 bilhões em juros. Logo, a preocupação com os gastos públicos é um fator a favor da redução da Selic, não o contrário.
Quanto às expectativas dos agentes, é importante notar que elas são captadas na Pesquisa Focus realizada pelo Banco Central e restrita a economistas de bancos, consultorias e grandes empresas. Se quisesse realmente auferir as expectativas da sociedade em relação à inflação, juros, PIB, etc., a Focus deveria ouvir também, por exemplo, os departamentos de economia das universidades, as federações sindicais e os conselhos regionais de economia.
Para reduzir a inflação o país precisa voltar a crescer
Em janeiro de 2023, o IPCA (índice nacional de preços ao consumidor amplo) acumulado em 12 meses foi de 5,8%. Considerando o grupo de maior peso, Alimentos e Bebidas, a inflação foi bem maior: 11,1%. Nos últimos 10 anos, o setor agropecuário cresceu a uma taxa anual média de 2,9%, mas, no mesmo período, a produção de arroz, feijão e batata inglesa teve crescimento anual médio de -0,2%, 1,5% e 2,0%, respectivamente. Por outro lado, a produção de soja cresceu aceleradamente, com taxa média anual de 6,7%. Ou seja, o crescimento do agronegócio é baseado em commodities para exportação, enquanto que os produtos que são base da alimentação da população são secundarizados. Assim, uma forma de combater a inflação atual é aumentar a oferta de alimentos, tarefa que é dificultada pelo encarecimento do crédito agrícola em função da Selic elevada.
Indo mais fundo, mesmo os produtos que são comercializados no mercado doméstico têm seus preços de referência no mercado internacional, em dólares, pois a prioridade do agronegócio é o lucro e não o abastecimento do país. Portanto, alterar a estrutura e a forma de produção agrícola, isto é, realizar a reforma agrária, é fundamental não apenas para preservar o meio ambiente e produzir alimentos saudáveis, mas também para a estabilidade dos preços.
Voltando aos componentes do IPCA, o grupo com maior inflação acumulada é o de Vestuário, com aumento nos preços de 16,5%. Tal como o restante da economia, o desempenho da indústria brasileira foi lamentável na última década. O setor de produtos têxteis caiu 31,4%, o de confecção caiu 36,6% e o de calçados 23,5%, entre 2012 e 2022. Ora, é óbvio que a queda de 1/3 da produção de qualquer bem ou serviço tende a resultar no aumento dos preços.
O desmantelamento da capacidade produtiva do país torna o suprimento nacional cada vez mais dependente de importações. Por esse motivo, economistas argumentam que a Selic mais alta tende a atrair capitais internacionais e a valorizar o real, tornando os produtos importados mais baratos e, consequentemente, reduzindo a inflação.
De fato, a valorização do câmbio é um elemento importante para a redução da inflação. Porém, capitais estrangeiros atraídos por juros altos são tipicamente de curto prazo, e é óbvio que a estabilidade macroeconômica do país não pode depender deles. Usar a taxa de juros como um instrumento de política cambial é temerário e inapropriado. Isso só nos torna crescentemente vulneráveis às bruscas variações da taxa de câmbio. Há uma série de medidas que devem ser tomadas para reduzir o impacto no mercado de câmbio brasileiro dos ciclos de liquidez internacional e dos ataques especulativos. Uma delas é a revogação da Resolução 3458/2008, do próprio BC, que acabou com a obrigatoriedade de converter em reais os dólares recebidos da exportação.
Manter a inflação sob controle é fundamental para controlar o custo de vida dos trabalhadores. Mas esse objetivo tem que ser perseguido com políticas econômicas bem desenhadas e que não acarretem novos custos sociais, em especial, que não aumentem o desemprego.
A política de juros altos do Banco Central sabota o crescimento da oferta nacional, alimentando a inflação. Ao mesmo tempo, protege os super-ricos, que são os detentores da maioria dos títulos da dívida pública.
A redução da Selic, por si só, não garante a retomada do desenvolvimento econômico, mas é um enfrentamento direto ao rentismo e ao capital financeiro e, portanto, um passo fundamental para superação da crise.
Notas
- Taxa de juros real é taxa básica descontada a inflação esperada.
- Segundo a Anbima, 10% das contas de investimento – os chamados segmentos private e alta renda – detêm 66% de todos os ativos financeiros do Brasil.
- O CMN é formado pelo ministro da Fazenda, pela ministra do Planejamento e pelo próprio presidente do Banco Central. É o órgão que define a meta de inflação.
Matéria publicada na edição impressa nº 266 do jornal A Verdade