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sexta-feira, 29 de março de 2024

Falta de planejamento das cidades amplia mortes por desastres naturais

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O número desigual de pessoas afetadas ou mortas pela chuva na periferia e nos centros das cidades reflete a desigualdade social amplificada pelo sistema capitalista.

André Luís Santos


SOCIEDADEAldo Rossi (1931-1997), um importante pesquisador italiano da questão urbana, afirma um dia que “a história da arquitetura e dos fatos urbanos realizados é sempre a história da arquitetura das classes dominantes”. Sua intenção era chamar atenção ao fato que as cidades não se desenvolvem de forma independente da luta de classes, mas, pelo contrário, são resultados dela.

Para entender melhor essa relação entre as nossas cidades e o modo de produção em que vivemos – o capitalismo – e como fenômenos naturais como a chuva se tornam tragédias mortais (como as de São Sebastião, Petrópolis e tantas outras semelhantes e cada vez mais frequentes no Brasil) é preciso falar um pouco sobre como se constroem e se administram as cidades.

Imagine uma cidade como uma obra de arquitetura – não como um palácio bonito, rodeado de grama verdinha e com belas formas como os desenhados artisticamente, mas num terreno apertado – onde cada cômodo foi sendo construído numa época quando sobrava algum dinheiro, cada puxadinho somado conforme a família aumentava ou mudando de uso quando ela diminuía, em que o acabamento é um misto de gosto e limite de orçamento, basicamente como uma casa da periferia. Agora multiplique a complexidade desse processo por alguns milhões e é assim que se formam as cidades.

A cidade é um grande palco de disputas e conflitos, interesses e contradições. E a peça que se encena nesse palco é o capitalismo. Nele é preciso, por exemplo, manter a massa trabalhadora ao alcance da exploração, mas ao mesmo tempo garantir a venda lucrativa dos melhores locais. É preciso que a massa se mova até seus empregos, mas é preciso garantir também que as empresas de ônibus sejam altamente lucrativas e que o espaço dos carros privados seja sempre a prioridade, e assim por diante.

Nessa lógica da vida e do território onde se vive como mercadoria, são criadas situações como a de São Sebastião, onde a classe trabalhadora que sustenta a vida da cidade se espreme em encostas perigosos enquanto os terrenos seguros são ocupados por casas de veraneio que ficam vazias a maior parte do tempo.

A manchete veiculada em 23 de fevereiro de 2023 no portal “O Globo” resume bem como esse processo funciona: “Em cinco anos, São Sebastião deixou de construir 500 moradias populares. Oposição feita por moradores de condomínios de luxo e hotéis fez prefeitura suspender 220 novas casas em Maresias”.

Natureza não é a culpada

Um segundo ponto importante, além de entender a relação entre cidade e capitalismo, é entender a relação entre ambos e os fenômenos naturais. Aqui cabe uma afirmação importante: a tragédia natural nunca é somente natural, mas também social. Vamos tomar como exemplo o fenômeno natural mais imprevisível e sobre o qual as ações humanas não têm nenhuma influência: o terremoto.

Recentemente, um terrível terremoto ocorreu na região da fronteira entre Síria e Turquia, uma região longe das capitais, onde houve uma devastação da região e mais de 45 mil mortos. Em 2010, outro terremoto, mas no Haiti, deixou mais de 200 mil mortos e uma destruição da qual o pequeno país com menos de 10 milhões de habitantes na época, não se recuperou completamente até hoje.

Se comparamos esses eventos com o maior terremoto já registrado no Japão, em 2011, o número de vítimas foi cerca de 18 mil e houve uma recuperação total em poucos anos (com exceção da área afetada pela explosão da usina nuclear). Por que essa diferença tão grande? A resposta é que, mesmo sendo todas regiões com históricos de abalos sísmicos, a infraestrutura urbana e administrativa desses lugares tem capacidades muito diferentes de lidar com esse fenômeno natural.

No Japão, um país populoso e bastante denso demograficamente, todo ecossistema de construções tem sistemas caros e sofisticados para que elas não desabem. No Haiti, Síria e Turquia, países empobrecidos, essas infraestruturas são muito mais precárias ou mesmo totalmente despreparadas, ou seja, muito mais propensas a desabarem.

Com enchentes e deslizamentos de terra não é diferente. Embora tudo mundo saiba que chuvas fortes de verão acontecem quase todos os anos, a classe dominante e seu aparato político-administrativo se recusam a fazer o necessário para tornar nossas cidades seguras, porque isso simplesmente não é lucrativo. E assim dezenas, centenas ou milhares de famílias são destruídas ano a após ano.

As mortes desiguais refletem as diferenças sociais e a desigualdade entre países no centro do capitalismo (para onde fluem os recursos e se cria valor) e na periferia do capitalismo (de onde se extraem recursos e se perpetua a pobreza).

Mas quando se trata de chuvas intensas ainda existe um outro problema, um outro agravante que o capitalismo como um todo traz: as mudanças climáticas. Conforme a temperatura média do planeta aumenta, fenômenos extremos como secas e chuvas fortes tendem a aumentar em ocorrência e intensidade. E o aumento da média de temperatura ocorre devido a enorme quantidade de poluentes que um sistema baseado no consumismo e na descartabilidade dos bens acarreta.

Fica muito claro que se quisermos viver em cidades onde fenômenos naturais tão corriqueiros como chuvas de verão não signifiquem temer pela própria vida, não existe outro caminho que não seja enfrentando a forma como o capitalismo organiza a nossa sociedade e os nossos territórios.

Só o socialismo, onde o estado é feito para garantir os interesses da classe trabalhadora e não o lucro da classe burguesa, pode transformar nossas cidades em espaços de vida, vivências e trabalho dignos e verdadeiramente democráticos e não espaços de morte e exploração privada como são hoje.

Criar um sistema produtivo global realmente eficiente e sustentável, baseado em suprir as necessidades de todos os povos e não em concentrar riqueza em meia dúzia de países garantirá o direito de viver dignamente e em segurança, com respeito à natureza e às necessidades humanas.

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