O jornal A Verdade entrevistou Nadja Maria Barreto, coordenadora do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) em Pernambuco. Com 49 anos, 9 filhos e 25 netos, Nadja nos conta que nasceu em Campestre, Estado de Alagoas e que foi para Pernambuco antes de completar seu primeiro ano de vida para morar na cidade de Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana de Recife.
Da Redação
A Verdade – Como você conheceu o MLB?
Nadja Barreto – Eu conheci o MLB através de uma pessoa que falou que estava fazendo inscrição para conseguir uma moradia digna. Eu morava praticamente na rua, porque quando a gente cresce, a gente quer viver. Então eu não tinha onde morar, eu morava de favores e decidi me cadastrar no Movimento. Na época, o MLB estava organizando a Ocupação Mércia de Albuquerque, em Barra de Jangada. Eu participei dessa luta e passei seis anos morando na ocupação. Veio a reintegração de posse e a coordenação decidiu ir para a Prefeitura continuar a luta. Eu fui, mas depois desisti. Então só vim reencontrar o MLB de novo quando estávamos construindo a Ocupação Selma Bandeira.
Conte um pouco sobre essa experiência da Ocupação do Selma Bandeira.
Como eu entrei como moradora da ocupação, foi um pouco difícil porque são pessoas diferentes, a gente não conhece, a gente vai ter que começar a se adaptar. Mas a gente teve muita ajuda da Coordenação, que incentivava, motivava a gente a estar ali, a não desistir. Passamos por muita dificuldade, mas sempre com o apoio do MLB. Então isso me deu mais força pra lutar. Depois de dois anos, me interessei pra saber como era que funcionava a Coordenação, estudei um pouco nos cursos do MLB pra entender melhor, pra saber se era aquilo mesmo que eu queria e aceitei ser coordenadora. O próprio Movimento faz essa formação com as famílias. A Coordenação é que vê seu comportamento, se você está interessada, seu incentivo dentro dos trabalhos em ajudar outras famílias, em colaborar e deixar as famílias unidas. A gente tem acima de tudo que tentar unir as famílias pra luta pelos nossos direitos.
Qual a experiência que você teve de luta nesse processo todo que lhe marcou muito, que você não esquece, que foi difícil, mas que aquela luta valeu a pena?
Até hoje eu não me esqueço de um ato em frente ao Palácio do Governador. A gente chegou lá e nossa comissão foi falar com eles, que deveriam ser nossos representantes, mas nos receberam com paulada, com bala de borracha. Foi muito revoltante saber que a gente coloca pessoas no poder pra cuidar de uma cidade e, quando a gente vai lá reivindicar nossos direitos, somos recebidos com pancada, xingamento, a polícia batendo, espancando, como se a gente devesse alguma coisa à lei. Isso aí machucou muito. Muitas pancadas que muitas mulheres levaram. Isso me deixou muito triste até hoje, eu não esqueço.
Como as famílias arrancaram o compromisso de construção de um conjunto habitacional?
Prefeito nenhum, governador nenhum, nunca chegou lá na ocupação pra saber o que a gente estava precisando. Nunca deu apoio nenhum, nem auxílio-moradia. Só em eleições que apareciam por lá, mas a gente também nunca aceitou esse tipo de gente que promete as coisas e, no final, não cumpre. Porque a gente não vai se vender por uma cesta básica nem um saco de cimento. E a Ocupação Selma Bandeira está se transformando, está se concretizando num residencial, no Habitacional Ruy Frazão.
O MLB iniciou a negociação com a Prefeitura de Recife. Mas, quando vai passando um ano, dois anos, muitas famílias desistem. Então, decidimos unir as ocupações e as famílias da Selma Bandeira, que é em Jaboatão, migraram pra Recife. Depois de cinco anos nessa luta, as famílias das duas ocupações conquistaram a vitória e ficaram muito felizes. Ficaram naquela expectativa de quando é que vai ser, quando é que a gente vai se mudar pro residencial. A construção foi feita pelo Minha Casa Minha Vida – Entidades. O movimento não só organizou as famílias, como foi quem correu atrás de resolver a obra. Fomos à luta para resolver as coisas, com toda a burocracia e a dificuldade que tem. Então, pra mim, o habitacional é mérito do MLB e das famílias.
E agora, olhando o prédio pronto, com as famílias fazendo a vistoria para entrar nos apartamentos, qual é o sentimento que você tem? Qual é a mensagem que você deixa para as outras famílias do MLB em todo o Brasil?
Vendo o habitacional já pronto, depois de tanta luta, já prestes a ser entregue, o sentimento é de muita satisfação. Quero dizer pras famílias que lutem, que não desistam, que estejam organizadas junto com o MLB. Porque quem luta, conquista! Se você ficar parado, você não vai conseguir nada. E isso também é pras pessoas verem, confiarem e acreditarem mais no Movimento. Porque o MLB não está na luta pra brincar nem pra enganar ninguém. A gente está aqui pra lutar e conquistar, pra satisfazer o desejo de uma família em ter uma moradia digna, coisa que a gente vê muitos por aí que não têm. Então é isso, eu fico muito feliz em ver todos eles, a carinha de cada um que sofreu tanto, que mora dentro da lama, como hoje ainda está morando, de finalmente ver seu apartamento e dizer “poxa, eu vou morar numa casa e vai ser minha”.