Mesmo sendo criado pela burguesia inglesa, o futebol logo se tornou um esporte popular, sendo praticado por operários como uma via de escape aos abusos sofridos durante a exploração causada no ápice da Revolução Industrial. No final do século XIX, o esporte chegaria aos solos brasileiros, revolucionando toda sua técnica, resistência e história.
Maria Laura Diniz Siqueira Alves | Belo Horizonte
CULTURA – Inicialmente, o esporte podia ser praticado somente por homens brancos da elite brasileira. Contudo, com o avanço da urbanização e, consequentemente, com a criação de vilas e favelas, o futebol foi adotado pelo povo. Assim, quando começaram a ser criados os times profissionais, o Clube de Regatas Vasco da Gama foi responsável pela “primeira revolução” oficial no futebol na década de 1920: o time abriu as portas para que negros pudessem jogar com direito à salários, ficando conhecido nacionalmente como “Camisas Negras”. Desde então, o futebol nacional e internacional começou a ser marcado por ser um esporte das massas, que luta pelas principais pautas sociais e garante entretenimento por um custo baixo.
Com a implantação da Ditadura Militar fascista em 1964, o futebol sofreu com diversos impactos. Os técnicos da seleção em sua maioria eram militares, o ditador que escolhia quem jogava ou deixava de jogar, calavam manifestações, dentre outros absurdos. Engana-se quem acha que o futebol se deixou levar por isso, pois foi aí que começou um dos maiores atos políticos envolvendo um esporte da história mundial.
Um grande exemplo é o jogador Reinaldo, que atuava em 1977 pelo Atlético-MG. Sendo um dos melhores jogadores em atuação na época, Reinaldo era um dos principais atacantes cotados para a Copa do Mundo de 1978, que ocorreria em plena ditadura na Argentina. Mesmo mostrando suas habilidades marcando vários gols nos jogos, Reinaldo ainda era dúvida, por sempre se posicionar politicamente contra a ditadura e comemorava seus gols com um punho cerrado, símbolo de resistência antirracista e socialista dos Panteras Negras. Após pressão dos torcedores, Reinaldo foi convocado com uma condição: o general fascista Ernesto Geisel – na época atual ditador do Brasil – o proibiu de comemorar seus gols como costumava, que comemorasse “de braços abertos que é mais bonito”. Contudo, logo no primeiro jogo da seleção, Reinaldo marcou um gol e mesmo perdido, comemorou com os punhos cerrados.
Tal decisão custou caro para ele, que logo foi expulso do time. Porém, ao chegar ao hotel, Reinaldo encontrou documentos vindos da Venezuela que comprovariam a Operação Condor – orquestrada pelo governo Estadunidense para promover ditaduras em países da América Latina. Com isso, Reinaldo deixou os documentos com o cantor Gonzaguinha – que atuava na militância contra a ditadura – e auxiliou no fim da ditadura.
Outro exemplo de combate à ditadura de 1964 foi o jogador Sócrates com a “Democracia Corinthiana”. Em meados de 1982 e com a ditadura quase ao fim, um grupo de jogadores do Corinthians se organizaram e criaram o movimento, que tinha como principal objetivo lutar pela volta da democracia no Brasil. Grandes nomes participaram além de Sócrates, como por exemplo, Zé Maria, Casagrande, Biro-Biro, Wladimir e Zenon. Em praticamente todos os jogos, o grupo realizava manifestações contra a ditadura e pedindo eleições diretas – o famoso movimento “Diretas Já!”. Em 1985, o grupo se desfez com a saída de alguns dos jogadores do clube e com o fim da ditadura militar.
Ademais, as ações não se limitavam apenas aos jogadores de futebol. A ditadura marcou a união entre duas das torcidas organizadas de uma das maiores rivalidades do futebol brasileiro: a Gaviões da Fiel (Corinthians) e a Torcida Jovem (Santos) se uniram em passeata pelas Diretas Já em 1984, na cidade de São Paulo. O ato contou inclusive com os jogadores Sócrates e Wladimir da Democracia Corinthiana.
Na Argentina, um dos maiores jogadores de futebol da história também se posicionava contra a ditadura do país e contra a desigualdade gerada pelo capitalismo. Diego Maradona era amigo íntimo de Fidel Castro, um dos líderes da Revolução Cubana, e sempre se posicionava a favor do poder popular e do socialismo.
Como está o futebol atualmente?
Com o passar dos anos o esporte sofreu uma elitização, excluindo boa parte das massas das arquibancadas e impedindo a compra de itens oficiais devido aos altos preços. Mesmo assim, a luta antifascista segue firme no dia a dia dos clubes.
Em 2019, no campeonato italiano, a torcida do Celtic realizou uma provocação à torcida da Lazio – conhecida e criticada por ser o time de coração do ditador fascista italiano Benito Mussolini; e até os dias atuais ter elementos fascistas, como cantos racistas, antissemitismo, machismo, dentre outros – e ao fascismo. No jogo, os torcedores fizeram um mosaico em que mostrava Mussolini enforcado.
No Brasil, diversas torcidas organizadas – além das que existem há mais tempo – passaram a se dedicar exclusivamente à duas coisas: acompanhar seu time de coração e derrotar o fascismo. Exemplo é a organizada Resistência Alvinegra (Atlético-MG) e a Resistência Antifa (Cruzeiro), que estão sempre presentes nos atos pela democracia. Organizadas “tradicionais” também mostram a força do poder popular, como foi visto em novembro de 2022 com a “tropa do fura bloqueio” das organizadas Galoucura (Atlético-MG) e Gaviões da Fiel (Corinthians). Os grupos desmobilizaram bloqueios feitos em rodovias por fascistas que impediam o tráfego de veículos para tentar implantar um golpe militar juntamente ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Dentro de campo, os jogadores também não deixaram de se manifestar. Bom exemplo é a comemoração de punhos cerrados feita por Taison em 2021, atuando pelo Internacional.
A história do futebol nos mostra que o esporte sempre esteve e sempre estará ao lado do povo e pelo povo, sempre lutando contra o fascismo. Mesmo com a tentativa de tirar isso do povo, o futebol segue vivo e segue firme na luta pelo poder popular!