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segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

A privatização na saúde retira direitos das mulheres

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O antigo Hospital da Mulher Pérola Byington, maior espaço de referência em atendimento emergencial a mulheres vítimas de violência sexual em São Paulo, foi fechado no fim de 2022, passando na calada da noite por um processo de privatização.

Helena Sá, Paula Moro e Clarisse Stavola*


MULHERES –

Para investigar essa mudança, o Movimento de Mulheres Olga Benário realizou uma visita ao local, em fevereiro de 2023, onde conversamos com os trabalhadores da nova gestão e observamos o funcionamento do novo espaço, com objetivo de compreender seu funcionamento, quais eram as condições trabalhistas dos funcionários, a estrutura dos espaços, o acompanhamento e o acolhimento.

Neste processo, mapeamos questões importantes sobre a situação da privatização de serviços públicos, e observamos entraves na acessibilidade do espaço com a mudança de local e das equipes de trabalho, bem como falta de clareza e justificativa para esta alteração por parte do governo do estado, especialmente quando realizado sem diálogo amplo com a sociedade e trabalhadores.

Conversamos sobre o funcionamento atual do serviço, fluxos de entrada e saída a mulheres em situação de violência doméstica, violência sexual de crianças e mulheres e aborto legal.

O Hospital da Mulher é porta aberta para casos de violência imediata, recebe e acolhe via pronto socorro demandas de situações críticas. Composto por dois Pronto Socorros, acolhe casos de violência e pacientes de quadros oncológicos.

Durante a entrevista, também foi abordado o fluxo de como proceder em casos em que o agressor se encontra no local ao qual a mulher/criança retornaria em situação de pós-violência e visita ao Hospital, qual direcionamento em situações de trauma e esclarecimento sobre acesso a profissionais da atenção psicossocial dentro do Hospital foram feitos.

Retrocessos e imposições burocráticas

Os recentes retrocessos e entraves impostos para a realização do aborto legal também se mostraram presentes dentro da dinâmica de funcionamento do hospital. Durante a pandemia, de acordo com a Artigo 19 e revista AzMina, das 76 clínicas cadastradas que oferecem aborto legal em todo o Brasil, apenas 42 permaneceram abertas. Além disso, foi implementada a portaria nº 2.561 de setembro de 2020 que estabelecia que os profissionais do Sistema Único de Saúde comunicassem os casos de aborto por estupro e, mesmo garantido por lei, o procedimento apenas poderia ser realizado após abertura de inquérito criminal, parecer técnico de médico legista e autorização judicial.

Essa portaria foi revogada em janeiro de 2023 e, no entanto, ainda está presente no fluxo de atendimento do hospital — de acordo com os funcionários da enfermaria, uma mulher que deseja realizar abortamento legal no espaço e não está em situação de trauma imediato deve acessar primeiramente a delegacia e outros serviços de atendimento até ser encaminhada ao Hospital da Mulher.

Na prática, e somando-se a problemática da falta de informação sobre o tema, isso significa uma possível revitimização da mulher e nova situações de abuso, seja por uma escuta não afinada por profissionais não qualificados, seja por deslegitimação dos fatos e desencorajamento por questionamentos machistas estruturais costumeiros às delegacias.

É notável a subutilização do serviço de atendimento à mulheres em situação de violência, que se encontra fisicamente esvaziado, e que teve seu quadro de servidores públicos concursados reduzido a 2 pessoas. Atualmente, o quadro de funcionários é composto por estas organizações sociais, contando com trabalhadores que recebem apenas um treinamento genérico e não o preparo adequado para lidar com mulheres em situação de violência sexual desde a recepção, tampouco uma formação específica sobre violência de gênero e suas complexidades, além de não contar mais com a experiência de muitos funcionários públicos que por tantos anos se aprimoraram neste serviço no Pérola.
A fachada de um hospital novo, higienizado e equipado com catracas e cafés gourmets inflacionados esconde a realidade da privatização: a criação de impasses para acesso dos serviços públicos e o avanço do movimento fascista de ódio à vida e os corpos das mulheres, por meio de mecanismos tecnocratas que se materializam cruelmente em entraves burocráticos para que mulheres acessem seus direitos básicos.

É essa a dinâmica do governo Tarcísio em São Paulo, que empossou a Secretária da Mulher que afirma que “o feminismo é a sucursal do inferno” e que “o feminismo é o grande genocida do nosso tempo, essa ideologia imunda mata mais que guerras e doenças”, deixando clara a ofensiva contra os movimentos que lutam pelos direitos das mulheres e foram os responsáveis pelas conquistas das políticas públicas que nos asseguram o direito mínimo à vida com dignidade e livre de violência.

Não apenas corte de verbas e gestão privatista, o avanço do governo do estado é reflexo direto de uma política fascista, que tem como espinha dorsal o ódio à mulheres e a retirada de nossos direitos.

A luta pelo fim da violência contra as mulheres passa pela reinvindicação de investimento e atenção aos serviços da rede de enfrentamento à violência. O sucateamento ou fechamento de muitos desses serviços nos últimos anos é um reflexo direto da ideologia neoliberal e fascista, que transforma um debate de saúde pública em uma pauta moral, enquanto no Brasil estima-se que o aborto inseguro mata uma mulher a cada 48 horas.

É necessário que nos organizemos para barrar os retrocessos e voltar a debater a ampliação e acessibilidade dos serviços de abortamento legal, em equipamentos adequados, com funcionários concursados, boas condições de trabalho, capacitação e remuneração.

Chega de retrocessos, chega de atrocidades! O momento é de ampliar o debate e avançarmos para a legalização completa do aborto em nosso país, garantindo o direito à saúde às mulheres e para que deixemos de perder tantas mulheres pobres e trabalhadoras nos procedimentos ilegais.

Que sigamos o exemplo das nossas companheiras uruguaias, argentinas, chilenas e colombianas, e organizemos uma grande onda verde em nosso país. Nem presa, nem morta, descriminalizar o aborto é um ato de justiça com as mulheres!

*Militantes do Movimento de Mulheres Olga Benario

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