Em 25 de maio de 2022, 400 famílias da comunidade de Vila Municipal tiveram suas casas tomadas pela Prefeitura de Carapicuíba, cidade da região metropolitana de São Paulo, sob truculência e bombas de gás lacrimogêneo da polícia. Desde então, a luta pela moradia continua.
Eldin Toledo* | Osasco (SP)
LUTA POPULAR – Pensando muito mais em ser a pessoa política que daria andamento ao viaduto construído para ser parte do Corredor Metropolitano Itapevi-São Paulo, o prefeito Marcos Neves (PSDB), lutou judicialmente para subjugar a Lei “Despejo Zero” – que impedia ações de despejo durante a pandemia – para oferecer a rua e a Covid-19 às família que moravam há anos na região, algumas há décadas.
Como “pontos positivos” a prefeitura oferecia um “vale aluguel” de 400 reais não condizente com a possibilidade de conceder a essas famílias um lugar minimamente equivalente ao de suas moradias que levaram anos de luta para serem construídas e foram destruídas diante de seus olhos.
Os moradores da região não aceitaram a situação de forma passiva. Organizaram-se, fizeram Ato contra o despejo semanas antes, atearam fogo a objetos para impedir a passagem da polícia no dia. Colocaram as próprias vidas em frente às suas casas, para impedir a derrubada. Nada demoveu a polícia ou o prefeito de que aquilo deveria acontecer.
A longa batalha contra o despejo, iniciada no começo daquele ano, teve como desfecho as famílias colocando o que pudessem em caminhões de mudança e tendo que ir buscar um lugar para ficar, enquanto observavam a construção e as memórias de uma vida sendo derrubadas a marteladas e tratoradas.
As moradias prometidas para essas famílias, não passavam de um plano no papel. Mas a dignidade das pessoas, essa foi pisoteada mais uma vez.
Vila Municipal, um ano depois
A construção do viaduto é visível. Ele passará por cima dos trilhos da Via Mobilidade, dando mais acesso àqueles que têm a possibilidade de arcar com o valor de um automóvel. Logo se vê a prioridade, tanto por parte da Prefeitura, quanto do Governo Estadual: pessoas são retiradas de suas casas para dar lugar a uma estrutura que privilegia quem tem poder aquisitivo mais alto.
Enquanto isso, o acesso, não só à moradia, mas ao transporte público de qualidade é terceirizado. Não apenas isso, mas os moradores que ainda estão na Vila Municipal têm que lidar com problemas cada dia mais profundos.
Para começar, existe um ponto sobre a região que precisa ser colocado a partir do ponto de vista da Prefeitura e do Governo estadual: a região onde hoje se encontra a comunidade da Vila Municipal é considerada área de risco de desmoronamento. Mas as únicas vezes que se encontra a menção ao risco de desmoronamento na região são justamente aquelas relacionadas ao despejo.
Em visita a comunidade foi possível constatar não apenas uma estrutura bem estabelecida de casas em alvenaria como também que não havia em nenhum lugar qualquer região de terra argilosa ou barro que pudesse justificar um desmoronamento por chuva.
Os problemas vinculados à chuva são outros, condizentes com a falta de assistência prestada pela própria Prefeitura e os órgãos do Governo. O primeiro deles vinculado a SABESP, uma das empresas que o Governo Tarcísio (Podemos) força a privatização após anos de sucateamento perpetrado pelo PSDB.
Falta de água e esgoto a céu aberto
“Ninguém está se negando a pagar a água, é só colocar o relógio que a gente paga pelo que a gente usa. A gente não recebe água na torneira. Fica 2 dias com água e 5 dias sem “. Quem fala isso é Maria de Lourdes Brito Oliveira da Silva, 67, vice-presidente da Associação de Moradores Nova Vila em processo de formação.
Dona Lourdes, como é conhecida, mora na região há mais de 30 anos, já batalhou e batalha fortemente por toda a comunidade, chegando a atravessar São Paulo para reclamar ou pedir ajuda. A solução para falta de água é uma mina que fica no meio das casas ao lado do esgoto a céu aberto. “Deve estar contaminada. Uma vez fomos pegar para guardar num pote fechado, três dias depois subiu aquele cheiro, mas o que a gente pode fazer? É o que a gente tem”.
A ausência de saneamento básico não se constrói como uma mera questão de ineficiência estatal, mas como um projeto para a região. Para implantar um relógio d’água as casas precisam ser registradas. Sendo registradas, não teriam outra alternativa a não ser lidar com as pessoas naquela região de forma minimamente decente.
Porém, ao entrarem em contato com a Sabesp os moradores são tratados como invasores, “pessoas que moram sobre o viaduto” e por isso, aos olhos e registros da operadora, merecem menos respeito e dignidade.
Os muros e grades da Via Mobilidade
A comunidade de Vila Municipal não é a única que fica à beira das linhas da antiga CPTM, basta pegar o trem de Osasco para Itapevi e a paisagem típica vai ser das várias quebradas. A chegada da Via Mobilidade, no entanto, resultou numa mudança significativa para a região. A empresa levantou um muro entre a comunidade e os trilhos, que num primeiro olhar poderia soar como proteção para que nenhuma pessoa desavisada resolvesse atravessar o trilho em direção ao rio.
Acontece que o fluxo de outra coisa foi obstruído no processo, o esgoto. Para solucionar esse problema a Via Mobilidade implantou uma grade por onde a água passaria. A empresa só esqueceu de combinar isso com as chuvas torrenciais pelas quais passamos nos últimos meses.
A falta de uma estrutura de saneamento básico somado à solução pela metade resultou num problema antes incomum para a comunidade: as enchentes. Com as chuvas, o lixo proveniente da Avenida dos Autonomistas desce em direção ao rio, fluindo livre pela região cimentada até chegar no mesmo local que o esgoto, a grade. Consequentemente, as casas mais próximas ao muro começaram a ser abandonadas. Não bastasse morar por cima do esgoto, as pessoas ali passaram a ser forçadas a conviver com ele dentro de casa.
A região não tem risco de desmoronamento e se tivesse uma boa estrutura de saneamento básico as pessoas talvez pudessem ter o mínimo de dignidade para morar na região ocupada. Região essa que muitos moram há décadas. Região que se tornou lar mesmo diante de toda a adversidade e risco.
As tais casas prometidas
O projeto virou construção quase um ano depois do despejo criminoso. As obras do Conjunto Habitacional N começaram. Em teoria, 354 moradias serão entregues. Pois é, a conta não fecha; mesmo que o projeto ficasse pronto hoje e não daqui há 2 anos, nem todas as famílias teriam a oportunidade de garantir a casa nova.
O medo permanece. A luta continua!
As famílias que perderam suas casas tentam se virar entre um aluguel mais alto do que o auxílio pode oferecer, a boa vontade da moradia de favor ou a situação de rua. Aqueles que ainda se mantém na comunidade temem o dia que se tornarão aqueles que perderam suas casas. Ao mesmo tempo, batalham por manter e melhorar as condições de moradia que tem.
A Associação de Moradores constrói ativamente momentos culturais e de discussão politizadora – que vão desde venda de acarajé até conquistas de moradores de outras regiões para construir o trabalho de base e a luta do povo – para que as pessoas não se esqueçam do que aconteceu em 25 de maio de 2022.
Nós, da Unidade Popular de Osasco, Carapicuíba, Barueri, Jandira e Itapevi, nos unimos à luta desses moradores e moradoras para fortalecer seus direitos à moradia digna; para impedir que novos despejos ocorram; para que as casas sejam entregues a todas as famílias desalojadas; para impedir a privatização da empresa que é do povo e que essa faça o seu trabalho para o povo; para reverter as empresas já privatizadas, para que possam voltar a cumprir a sua função social e não atender o lucro.
Chamamos todos e todas que estejam dispostos a construir e fortalecer essa luta para enfrentar a Prefeitura de Carapicuíba, o Governo de São Paulo e as empresas que desrespeitam a moradia das pessoas. Moradia é direito, água não é mercadoria, a comunidade merece respeito!
*Militante do núcleo Osasco, Carapicuíba e Região da Unidade Popular