O texto “O movimento estudantil na revolução cubana” faz um apanhado do movimento estudantil cubano entre 10 de março de 1952 e 13 de março de 1957. Graças à autonomia que gozava em relação ao Estado e à direção revolucionária de seus quadros mais avançados, o movimento estudantil cubano tornou-se, durante vários anos, um setor muito importante do movimento político anti-ditatorial na época de Fulgêncio Batista.
José Antonio Echeverría (Revolucionário Cubano, presidente da Federação de Estudantes Universitários e membro fundador da organização militante Directorio Revolucionário 13 de Marzo)
Tradução: Igor Barradas (RJ)
TEORIA MARXISTA – Ao estudarmos o papel desempenhado pelos estudantes na revolução cubana, não podemos deixar de levar em conta as tradições de luta deste setor social na história do país.
Em Cuba existem algumas peculiaridades em relação a outros países da América Latina. É o último país latino-americano a se libertar do colonialismo espanhol (1898), mas esse atraso acabará tendo repercussões históricas muito positivas. O movimento de libertação cubano se nutre de um pensamento muito mais complexo do que o do liberalismo europeu que inspirou as lutas pela independência no início do século. A luta contra a Espanha foi imediatamente ligada à luta contra os Estados Unidos. Um número significativo de estudantes ou recém-formados da Universidade de Havana participou ativamente dessa façanha e alguns foram massacrados.
“Por volta dos anos 1950, um programa de Martí era um programa revolucionário para Cuba, mesmo tomado literalmente”, disse o sociólogo argentino Juan Carlos Portantiero, que realizou um estudo sobre o movimento estudantil na América Latina de 1918 a 1938.
O pensamento de Martí e o pensamento marxista convergem na década de 20 em torno do movimento de reforma universitária. Nesse sentido, Julio Antonio Mella, seu grande promotor e depois fundador do Partido Comunista, promove a criação das universidades populares José Martí e, ao mesmo tempo, se convence de que não há reforma universitária sem revolução.
A reforma universitária em Cuba segue um processo similar a outros processos na América Latina. “A princípio, os estudantes que criaram a federação universitária em 1923 obtêm as melhorias acadêmicas solicitadas, amparadas pelo governo liberal de Zayas. Ao final de seu mandato, iniciou-se um período de repressão no governo de Gerardo Machado que reprimiu as conquistas reformistas, fechou a universidade e perseguiu de forma sangrenta o movimento popular. Assassinos de Machado assassinam Mella no México.
“As reivindicações democráticas da luta anti ditatorial somam-se às nacionais da luta anti ianque centradas no objetivo da anulação da Emenda Platt, apêndice constitucional que formalizou a submissão política à América do Norte e abalou o meio aulas naqueles anos cubanos. A crise da década de 1930 radicalizou ainda mais a pequena burguesia. Em 1927, quando Machado sancionou uma lei que lhe permitia permanecer no poder por 10 anos, os estudantes criaram o primeiro Diretório Estudantil Universitário, inaugurando uma forma de expressão política autônoma dos estudantes, que mais tarde adquiriria grande importância, nas sucessivas crises, em 1933 ou em 1959. Um de seus fundadores é Antonio Guiteras, uma das figuras mais proeminentes do movimento revolucionário dos anos 1930. O jovem líder político revolucionário realizou algumas ações armadas urbanas e rurais contra Machado e planejou um plano de assalto para o Quartel de Moncada.”
Organização universitária como um dos pilares da resistência
Em 1933 a situação de Machado já era insustentável. Um dos pilares da resistência é a organização universitária. No mês de agosto, uma greve geral o derrubou.
Um personagem central deste governo é Antonio Guiteras. O antigo dirigente estudantil, intransigente combatente anti-machadista, sabia, porém, que a luta tinha de ir muito mais longe do que uma simples mudança de homens, estava convicto da necessidade de realizar profundas transformações sociais em Cuba e que para isso era necessário pôr fim à situação neocolonial em que vivia o país.
No chamado governo dos Cem Dias, Guiteras sustentou uma intensa luta contra Grau e demais elementos de direita que adotavam posições cada vez mais reacionárias, e contra Batista, chefe das Forças Armadas. Enquanto eles queriam limitar-se a fazer valer as liberdades burguesas sufocadas por Machado, Guiteras se propunha a iniciar a aplicação das primeiras medidas e leis verdadeiramente revolucionárias contra os latifúndios, o capital estrangeiro e para a melhoria das condições de vida do povo. “Apesar de ser uma peça isolada naquele governo […] ele agiu de tal forma que impôs medidas realmente radicais.” Mas a “vida efêmera do governo e as próprias circunstâncias da época […] não permitiram a plena realização desse programa de libertação nacional e anti-imperialista…”
A rebelião estudantil no poder durou pouco. Muito em breve os elementos de direita e reacionários dentro do governo se deixaram “levar pelo anticomunismo”, começaram a “reprimir ferozmente a luta dos trabalhadores do açúcar (e) as manifestações populares e anti-imperialistas foram atacadas sangrenta. ..” Grau renunciou e voltou ao poder, governou os setores mais reacionários e pró-imperialistas e “Batista, com o aparato militar nas mãos, assumiu o controle efetivo”.
Em maio de 1934, Guiteras, que estava na clandestinidade, fundou a Joven Cuba, organização de luta armada, anti ditatorial e anti imperialista, que postulava o socialismo em seu programa. Um ano depois, aos 27 anos, é assassinado em El Morrillo, quando saía de Cuba para ir ao exterior organizar, com alguns latino-americanos, La Joven América e preparar uma expedição armada para voltar a lutar contra Batista.
“Apesar de tudo” aponta Portantiero “a revolução de 1933 continua sendo um notável precedente político na história de Cuba, cujo legado será recolhido, triunfalmente, em meados dos anos 50. Foi também o ponto mais alto que a mobilização estudantil alcançou na América Latina América quando a reforma iniciou sua projeção política. Na revolta que derrubou Machado juntaram-se os elementos peculiares da formação ideológica de Cuba: o nacionalismo democrático de Martí como programa do presente e não do passado; sua ligação com as tradições locais do socialismo; a fusão entre classes médias e setores populares que cristalizou a reforma universitária.
Fidel Castro e o movimento estudantil
Alguns anos antes do golpe de Batista, em 10 de março de 1952, o movimento estudantil da Universidade de Havana havia, entretanto, sofrido uma profunda crise devido à corrupção e à politicagem de seus dirigentes.
Cargos estudantis foram usados para escalar posições políticas. No entanto, alguns estudantes se opuseram à situação vigente e tentaram resgatá-la para colocá-la no nível de suas tradições históricas. Entre eles, destacam-se Fidel Castro, que começou a ser filiado ao Partido Ortodoxo no final dos anos 40, passando a fazer parte de sua ala mais radical, e outros universitários como Alfredo Guevara e Lionel Soto, militantes do Partido Socialista Popular Festa. Eles representavam “as ideias mais avançadas do corpo estudantil nas décadas de 1940-1950”.
Especificamente, Fidel tornou-se presidente da Faculdade de Direito, presidente do Comitê para a Democracia Dominicana da Universidade de Havana, participou da expedição abortada contra Trujillo em 1947, tornou-se o centro da luta contra o governo de Grau dentro da Universidade e foi o promotor da organização de um Congresso de Estudantes Latino-Americanos em 1948, simultaneamente e no mesmo local onde aconteceria a reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), para promover a luta contra o imperialismo e as tiranias na América Latina.
Antes de 10 de março de 1952, o movimento estudantil universitário já havia sido expurgado de seus elementos mais corruptos e mantinha uma atitude combativa contra a gestão presidencial antipopular de Carlos Prío. Nessa data, ocorreu o golpe de Fulgêncio Batista, os estudantes eram “a única força social relativamente organizada” que opôs uma resistência visível e instantânea ao ditador.
Analisando o movimento estudantil cubano desde o golpe de 10 de março de 1952 até o triunfo da revolução, a 1ª. Janeiro de 1959, julgamos poder distinguir, no seio de um processo de radicalização ascendente deste movimento, as seguintes fases:
Primeira fase: predominância de uma atitude oposicionista declarativa, em que ocorrem mobilizações de massas de diferentes dimensões, mas sem grandes confrontos com as forças repressivas (10 de março a 27 de novembro de 1952).
Segunda fase: confrontos crescentes com o aparato repressivo por parte da vanguarda estudantil (26 de novembro de 1952 a 26 de julho de 1953).
Terceira fase: radicalização da massa estudantil em decorrência do assalto ao quartel de Moncada, que permite às posições mais combativas conquistar hegemonia no movimento estudantil (26 de julho de 1953-final de 1955).
Quarta etapa: início da atividade dos grupos armados de apoio ao movimento estudantil de massas e maior confluência de lutas com outros setores populares e, principalmente, com a classe trabalhadora (final de 1955-março de 1957).
Quinta etapa: greve universitária por tempo indeterminado até o triunfo da revolução, sendo a forma fundamental de luta a guerrilha no campo. Nessa fase, o Movimento 26 de Julho e seu principal líder, Fidel Castro, conquistaram a hegemonia do movimento estudantil e se tornaram a vanguarda indiscutível da luta anti-Batista (13 de março de 1957 a janeiro de 1959).