Quem é você pra derramar meu mugunzá?

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Desrespeito à cultura popular e resistência de artistas marcam o São João do Nordeste. Defesa da expressão cultural do povo brasileiro é dever de todos que desejam construir uma sociedade pautada pelos interesses do povo. 

Gregorio Motta Gould | SALVADOR


Pessoal, boa noite, um prazer enorme estar aqui participando dos 40 anos do “Maior São João do Mundo” e eu me sinto na obrigação de comunicar a vocês que ao chegar aqui me disseram que eu só podia cantar uma hora e dez, então se ficar alguma música do repertório, que vocês tão pensando em ouvir, e não vão ouvir, a culpa não é minha. Eu não tenho nenhum show para sair daqui correndo pra fazer. Não foi ideia minha. Infelizmente, são essas coisas que os artistas da música nordestina sofrem. ‘Precisa cantar 1h30 não, uma hora tá bom’. Vamos nos virar nos 30 para ver se a gente atende vocês.

CULTURA – Com esse protesto abriu seu show o cantor Flávio José no São João de Campina Grande, no dia 02 de junho desse ano, após ser informado que deveria cantar uma hora e dez e não o tempo de uma hora e trinta para o qual foi contratado. Flávio José é um cantor Paraibano, um dos expoentes da cultura nordestina e mais especificamente do forró. O motivo da diminuição do tempo imposta pela produção do evento foi o fato do cantor “sertanejo” Gustavo Lima, que estava contratado para um show de duas horas, por estar “empolgado”, dizer que estava disposto a cantar meia hora a mais.

Isso por si só já representaria um grande desrespeito ao artista contratado em qualquer contexto. Acontece, porém, que se tratava do São João, tradição do povo nordestino, que tem no forró sua principal expressão musical. O desrespeito então não se resume ao artista, mas a cultura de um povo e sua tradição.

Mas por que isso acontece?

O motivo é simples, mas muito grave: o São João de Campina Grande, evento batizado de “Maior São João do Mundo” não é mais do povo de Campina, foi vendido. Isso mesmo, vendido! A empresa que comprou foi a Arte Produções de Eventos Artísticos LTDA do Empresário João Carlos, mesmo dono do Ceará Music, que faz o Festival de Verão de Salvador e Expocrato.

Até então, nas edições anteriores, a Prefeitura contratava a Empresa de produção de eventos responsável pela organização da festa, ela geria a produção, mas o comando era da Prefeitura. A partir da edição deste ano a Arte Produções comprou, através de pregão eletrônico, o “Maior São João do Mundo” e por isso passa a ser a operadora, não apenas da organização do evento, mas de toda captação de patrocínio, organização de camarotes, bares do evento, etc.

O resultado disso é que o esforço para fortalecer uma tradição e festejar a época de colheita na agricultura, o forró e a resistência do povo nordestino é substituído pelo esforço para aumentar o lucro do capitalista dono do evento. As consequências práticas disso são o aceleramento de um processo que já ocorria de elitização e abandono da tradição do São João, gerando o aumento das partes privadas da festa (camarotes) e diminuição do espaço destinado ao povo, desrespeito, expulsão e dificuldades para o trabalho dos ambulantes, agora substituídos pelo Bar da Brahma.

A verdade é que o Capitalismo é inimigo da cultura popular, na medida em que tudo vale para obter lucro a qualquer custo. Segundo o produtor cultural Fabiano Gomes em entrevista para a rede Diário do Sertão, a escolha pelo aumento do show de Gustavo Lima em detrimento do de Flávio José não se deve pelo público do sertanejo ser maior que do artista local, já que os dois levariam multidões ao parque do povo, mas pelo tipo de show do Gustavo Lima ser de uma maneira que o consumo de bebidas aumenta gerando mais lucro por venda nos bares do evento. “Gustavo Lima chegou empolgado e falou, vou cantar meia hora a mais, e o que que fizeram? Se agacharam. Mas tudo isso, para quem é empresário, tem uma conta, meia horazinha de show a mais de Gustavo Lima. O show de Flávio José é um show para uma multidão, mas não é um show pra bar, pra vender no bar e o que dá lucro em evento talvez mais que tudo é o bar. Então entre meia hora de Flávio, que a galera passa o show cantando com ele, dançando e meia hora de Gustavo Lima que todo mundo enche a cara e vai gastar o dinheiro no bar do Parque do povo. Eles preferiram essa meia hora de bar” relata o produtor cultural. 

Protestos e Solidariedade

O protesto de Flavio José, porém, não foi o primeiro, muito menos o último. Antes do forrozeiro, a ex-BBB Juliete, que é de Campina Grande, falou durante sua participação no show de Geraldo Azevedo e Chico Cesar, “E nunca esqueçam, essa festa é do povo” se referindo criticamente ao aumento dos camarotes e diminuição dos espaços públicos do evento.

A indignação entre os artistas, porém, cresceu muito após a atitude desrespeitosa com Flávio José, o que gerou diversas declarações de solidariedade. Xand do Avião, começou o show cantando a música Tareco e Mariola e com uma frase da música sendo exposta no telão “Quem é você pra derramar meu mugunzá” e ao fim da música disse “Essa é uma pequena homenagem a um cara chamado Flávio José… Sejam bem vindos à um show de forró, com um cantor de forró cantando forró”. 

Santana, o cantador, também se referiu ao ocorrido em seu show no Parque do Povo e homenageou Flávio José ao cantar a música “Paraíba Joia rara” e dedicando ao amigo. Ao final da música ele fez um discurso em que disse “Sabe o que é isso? Isso é o sentimento de Nação. Nação não é aquilo que você pode pegar não. É aquilo que lhe pega. Eu posso ir embora da minha terra, mas minha terra não vai embora de mim nunca! Eu digo a vocês, eu me sinto muito honrado de ser nordestino. E na minha casa, convidado não “caga” com a porta do banheiro aberta não. Convidado é convidado! Na hora do meu aniversário, a vela vai estar acessa, e quem vai assoprar a vela e cantar os parabéns sou eu, não é o convidado que vem e assopra a vela não, de jeito nenhum! Cheiro pra vocês!”

Cabe ao povo defender sua cultura

O sistema capitalista, através das burguesias dos países, tenta transformar tudo em fonte de lucro e passa por cima das manifestações culturais do povo, mas não será sem resistência. Cabe ao povo, organizado, defender sua cultura e aos revolucionários se engajar e organizar essa luta.

O forró é parte importantíssima da expressão cultural do povo brasileiro que luta e resiste ao longo da história, o São João, na mesma direção é uma festa popular que tem relação com a religião, com a música produzida pelo povo nordestino e que comemora a época da colheita na agricultura, não atoa as comidas típicas são de milho e outras variedades locais.

Somente uma sociedade onde os interesses populares sejam mais importantes que o lucro de uma minoria pode tratar como prioridade a cultura popular, precisamos relacionar a resistência cultural de nosso povo com a luta pelo poder popular e avançar na construção de uma sociedade sem exploração e miséria, a sociedade socialista.