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domingo, 28 de abril de 2024

A luta por moradia e as ocupações urbanas salvam a vida das mulheres

A maior parte das mulheres e jovens aguentam caladas por uma vida inteira, devido à opressão, à insegurança, à falta de políticas públicas e alternativas reais. Apenas uma menor parte das mulheres violentadas conseguem denunciar seus agressores e uma parcela ainda menor consegue romper com o ciclo de violência a qual estão submetidas, muitas vezes desde a infância.

Victória Magalhães e Laura Santana | São Paulo


LUTA POPULAR – As mulheres trabalhadoras estão na linha de frente da luta por moradia. No Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) as mulheres têm um papel fundamental na construção das lutas. Afinal, mesmo sendo mais da metade da população do mundo, o sistema dos ricos em que vivemos não garante às mulheres e as crianças, nem mesmo os direitos mais básicos. 

Como denunciou o jornal A Verdade na edição impressa nº 275, mais de 7,9 milhões de famílias não têm acesso à moradia digna no Brasil. De acordo com o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), a maior parte da população em situação de déficit de moradia é do sexo feminino, representando 58,62%.  A nós mulheres estão reservados, além da falta de moradia, também os baixos salários, o desemprego, a fome e, infelizmente, para grande parte, o ciclo de violências que vai desde a violência obstétrica, psicológica até a violência física, levando várias de nós, muitas vezes, à morte.

A maior parte das mulheres e jovens aguentam caladas por uma vida inteira, devido à opressão, à insegurança, à falta de políticas públicas e alternativas reais. Apenas uma menor parte das mulheres violentadas conseguem denunciar seus agressores e uma parcela ainda menor consegue romper com o ciclo de violência a qual estão submetidas, muitas vezes desde a infância. Afinal, como denunciar o agressor e depois voltar para o mesmo teto que divide com ele? Como sair da violência se não há um outro lugar em que possa se abrigar com seus filhos?  

Segundo o Boletim da Rede de Observatórios da Segurança, o Brasil registrou 2.423 casos de violência contra a mulher em 2022, 495 deles resultando em feminicídios.Pior, nos primeiros meses de 2023, aumentaram também os registros de violência sexual no país e a maior parte deles, são de crianças e adolescentes, um aumento de 68%. Quando se trata das mulheres e crianças negras, esse número quase dobra. Mas essa história muda quando as mulheres se encontram com a luta popular e se fortalecem através dela.

A luta por moradia é pela vida das mulheres

A partir da luta pela moradia e da conquista de um lar, as mulheres do MLB dão um passo fundamental para sair da situação de violência. Esse ciclo começa a se romper com a possibilidade de morar fora do mesmo teto do seu agressor e de poder começar a construir coletivamente uma moradia que possa garantir a sua vida e a de seus filhos, e se conclui a partir da convivência e do coletivo, com a troca de experiência com outras mulheres trabalhadoras, com a escuta, o acolhimento, defesa dos seus direitos e com a tomada de consciência de que é possível que nós, pelas nossas próprias mãos, podemos lutar pelo fim de todas as violências e opressões.

Acostumadas com a violência, quando conhecem a luta organizada, as mulheres descobrem que podem ser poder e ajudar a organizar outras mulheres. 

Vânia, hoje militante do MLB em Belo Horizonte, foi a primeira mulher atendida pela Casa Tina Martins. Vítima de violência doméstica, conta que hoje participa e ajuda as mulheres a não aceitarem mais o ciclo de violência: “Eu passei 16 anos sendo violentada e, por vergonha, escondia da minha família a violência que sofria. Hoje minha família é o Movimento de Mulheres Olga Benário e o MLB, onde me formei como defensora popular e depois, como assistente social. Nós precisamos entender que não precisamos dos nossos agressores para viver, que é possível lutar ao lado de outras mulheres e garantir a nossa liberdade”. 

São muitas as mulheres que, fugindo do ciclo de violência, encontraram o MLB e viram no movimento a possibilidade de recomeçar as suas vidas, organizando a luta pelas suas casas e chegando depois em outras mulheres que também buscavam uma alternativa.

Márcia, que conheceu o MLB há poucos meses, em Santa Catarina, ainda se recupera de todos os maus que a violência acarretou em sua vida: “Sofri abuso sexual desde muito nova, do meu pai. Depois que minha mãe morreu, meu irmão mais velho e primos também me violentaram. Cansada, aos 13 anos de idade decidi sair de casa e fui viver nas ruas, logo me tornei usuária de drogas. Só me recuperei do vício aos 33 anos.  Há cinco anos eu tô limpa e depois que conheci o MLB que passei a descobrir que eu tinha algum valor. Estou começando a aprender que eu sou bonita, que sou uma boa mãe e que posso lutar pra mudar meu futuro e das minhas crianças. Sei que com a luta a gente pode mudar as nossas vidas”.

A partir da organização com o MLB e da conquista de uma casa que garanta a dignidade e a autonomia, as ocupações urbanas salvam a vida das mulheres. Nas ocupações do MLB, construímos espaços de debate, a defesa do direito das mulheres, creches coletivas e atividades de finanças que apoiam as mães e ajudam a não recorrer aos seus antigos agressores.

Nesses espaços o povo é quem toma todas as decisões e é por isso que a consciência das pessoas muda, deixa de ser individual. A conquista não é individual, portanto, nossas dores e nossa libertação também não são. 

Laís Chaud, coordenadora da Ocupação Anita Garibaldi e coordenadora nacional do MLB, reforça o papel das mulheres na construção de uma nova sociedade: “Desde o início dos núcleos de base do MLB, a maioria das pessoas que chegam ao movimento em busca de moradia são as mulheres, em sua maioria mães. Nas ocupações, no dia de entrar no local que vamos destinar a moradia também são sempre as mulheres que estão na linha de frente. Claramente são as mulheres as mais atingidas por esse sistema de injustiça e as que têm menos a perder, as que tomam coragem para tentar uma vida melhor para as suas crianças, mas também as que sabem que ali, aquele espaço, será para ela a saída que sempre buscou. Eu percebo muito que as mulheres após observarem o comportamento que os companheiros e companheiras do movimento têm com elas e a diferença na nossa prática, percebem que é possível ter um outro tipo de relação. Mesmo as mulheres que vem para a Ocupação ainda casadas, param de aceitar o xingamento dentro de casa, ameaças psicológicas e forçam uma mudança de comportamento dos seus companheiros ou chegam a romper esse relacionamento tendo a certeza que na Ocupação não ficará desamparada, de que poderá começar ali uma vida nova com a proteção necessária”.

Para Tânia Maria, coordenadora do MLB em São Paulo, conhecer o movimento lhe deu uma nova vida: “Eu tenho três anos de vida, eu comecei a viver quando eu conheci o MLB. Foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida morar na Ocupação Manoel Aleixo”.

Outra questão importante para a libertação das mulheres é o estudo, muitas vezes negado ao longo de suas vidas. Laiza Silva, 33 anos, moradora da Ocupação João Pedro Teixeira, em João Pessoa (PB), relata que após ingressar no movimento, ela pôde estudar e compreender melhor a realidade que ela vive. “Antes da Ocupação eu sofria para pagar as contas, tendo que escolher entre o aluguel e a alimentação minha e da minha filha. Depois de me organizar com o MLB, aprendi com a luta e os cursos do Movimento que a escola normal não nos mostra os fatos, nem explica por que certas coisas acontecem. O Movimento mudou minha consciência e meu ponto de vista, agora ajudo a organizar outras mulheres em núcleos, reuniões e plenárias para coletivamente termos uma vida melhor e uma sociedade mais justa, que é o socialismo”, disse.

A luta cotidiana nos ensina que podemos derrubar todo o tipo de violência e de opressão, que podemos transformar prédios abandonados pelo Estado em moradia digna e que podemos transformar a luta em semente para que outras mulheres não as vivam também. Na luta aprendemos que podemos mais, podemos pôr fim à esse sistema que lucra com as nossas vidas e construir uma sociedade nova, onde nenhuma mulher ou criança precise sofrer nenhum tipo de violência e importunação, uma sociedade onde as mulheres trabalhadoras possam ser verdadeiramente livres e felizes, a sociedade socialista.

*Os nomes de algumas das mulheres entrevistadas para essa matéria foram alterados.

Matéria publicada na edição nº 277 do Jornal A Verdade.

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