O golpe militar planejado pela quadrilha a que pertencem esses coronéis, além de uma afronta aos eleitores, significa a ruptura com os princípios da Constituição de 1988. Tratava-se de utilizar ilegalmente as Forças Armadas em favor de um bando fascista para desrespeitar o resultado da vontade popular demonstrada nas urnas.
Thiago Santos | Advogado e presidente da UP em PE
BRASIL – Anular o resultado das eleições, afastar integrantes do Tribunal Superior Eleitoral e nomear substitutos alinhados com o seu grupo, manter na Presidência um candidato derrotado nas urnas e submeter o país inteiro a uma intervenção militar (nome escolhido para se referir a uma ditadura militar fascista). Tal era o plano do golpe encontrado no celular de Mauro Cid, coronel do Exército e ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O que se sabe até agora a esse respeito é que o coronel Mauro Cid e o coronel Jean Lawand Junior foram apanhados com a boca na botija. Além das conversas que tiveram e foram extraídas do celular de Cid, também encontraram um arquivo que seria o instrumento jurídico para tentar justificar a tomada do poder pelo uso das Forças Armadas, mais conhecido como “minuta do golpe”.
O golpe militar planejado pela quadrilha a que pertencem esses coronéis, além de uma afronta aos eleitores, significa a ruptura com os princípios da Constituição de 1988. Tratava-se de utilizar ilegalmente as Forças Armadas em favor de um bando fascista para desrespeitar o resultado da vontade popular demonstrada nas urnas.
As consequências desse ato criminoso podem ser estimadas, a julgar pelo rastro de destruição do dia 08 de janeiro em Brasil, e, principalmente pelas atrocidades praticadas pela ditadura militar imposta em 1964: prisões e perseguições aos opositores, especialmente os comunistas, torturas, ocultação de cadáveres, censura, cassação de mandatos e fechamento de entidades associativas, como sindicatos e entidades estudantis. Entre outros absurdos, é surpreendente que, apesar de agirem totalmente ao arrepio das Leis e da Ordem Constitucional vigentes, os golpistas citam o Art. 142 da Constituição Federal para atribuir às Forças Armadas o “poder moderador” de fechar o Congresso Nacional, prender juízes e empossar quem perdeu as eleições.
Ocorre que o tal poder moderador estava na Constituição outorgada pelo imperador D. Pedro I, em 1824, mas não está presente na Constituição atual, de 1988. O moderador consistia num poder que seria capaz de regular os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e era exercido pelo imperador, a quem conferia ampla liberdade para governar o Império e interferir nas atividades parlamentares.
A Constituição promulgada em outubro de 1988, apesar de não ter resolvido vários problemas do nosso povo, consolidou o ingresso da República numa nova fase e deixou para trás o período do regime ditatorial vigente desde o golpe militar de 1964. Portanto, é incompatível a interpretação que querem dar os golpistas a esse artigo da Constituição.
O que diz o Artigo 142?
Vejamos, então, o Artigo 142: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Esse é o texto do famoso artigo. Como se pode ver, não trata de divisão de poderes; também não cita o badalado “poder moderador”. Muito menos, dá direito aos comandos militares para assumirem a direção do país e desrespeitarem eleições.
Os parágrafos seguintes e seus incisos também não dão carta-branca para ninguém dar golpe. Tratam de normas gerais de funcionamento, patentes, promoção, transferência para a reserva e outras coisas desse tipo.
Conclusão: não há espaço para tramas golpistas envolvendo as Forças Armadas sem que isso represente rasgar a Constituição e atentar contra a ordem legal. Os autores, executores, financiadores, cúmplices e apoiadores em geral cometeram crimes, por isso, precisam ser identificados e presos, sejam civis sejam militares, de qualquer patente. Ou no Brasil só os pobres vão para a cadeia?
Matéria publicada na edição nº 274 do Jornal A Verdade.