Conheça a história dos navios que a ditadura militar fascista do Chile (1973-1990) transformou em centro de tortura. Em setembro, um deles virá ao Brasil em uma afronta à memória dos mortos e torturados pelo regime de Augusto Pinochet.
Christian Vicenzi | Petrópolis (RJ)
HISTÓRIA – Em 11 de setembro de 1973, um tenebroso golpe, marcado pela morte do presidente de esquerda Salvador Allende, aplicado pelos militares do Chile, com apoio dos Estados Unidos, implantou uma ditadura de 17 anos, liderada por Augusto Pinochet.
A ditadura chilena tem estimativa de ter matado mais de 40 mil pessoas e torturado cerca de 28 mil. Um verdadeiro período de morte e violência contra patriotas, cidadãos que não abaixaram a cabeça para um regime de exceção. Esta ditadura é até hoje aclamada pelos liberais, que defendem suas reformas econômicas, que na realidade atiraram o povo na miséria, aumentando a concentração de riqueza e a desigualdade social, com uma constituição ultrapassada que perdura até hoje e torna as condições de vida do povo muito ruins.
Muitos centros de tortura que trabalharam a serviço daquela ditadura, mas um fato pouco conhecido, é que a ditadura chilena utilizou navios como centros de detenção, tortura e de execução. Segundo o site memoriaviva.com, alguns navios foram utilizados com este propósito: Maipo, Orella, Lebu, Andálien e o Veleiro Esmeralda. Todos navios militares que foram controlados pela Armada de Chile (marinha chilena)
Quanto ao Lebu, propriedade da Companhia Sudamericana de Vapores, apresentamos o relato de Ricardo Jorge Aravena Cerpa, líder estudantil da Juventude Socialista, preso com 17 anos de idade em novembro de 1973.
Com apenas 17 anos, Ricardo foi preso e torturado junto a outros ex-presos. Em 2021 se dedicaram a construir uma pequena réplica do navio Lebu, para dar visibilidade ao horror da ditadura chilena. Detalhes da miniatura contam como era a situação no navio. “Olha, foi muita tortura física e psicológica. Ameaça de matar toda a sua família caso não dissesse o que queriam. Tortura física com corrente elétrica, porradas. Praticavam o chamado ‘submarino’, que era nos deixar com goteiras pingando na cabeça durante todo o dia e noite, para te enfraquecer e dizer o que eles queriam ouvir”, afirmou ele. As estimativas apontam que cerca de 4000 pessoas passaram pelo Lebu.
Quanto ao Navio Maipo, também propriedade da Companhia Sudamericana de Vapores, os relatos apurados contam que os presos foram recebidos com espancamentos, jogados ao porão e privados de água e comida, ficando presos em condições insalubres e anti-higiênicas. Alguns detidos foram isolados e levados para um porão especial de interrogatório e tortura, submetidos a espancamentos, nos pés e punhos com cassetetes e coronhadas, aplicação de eletricidade, enforcamento pelos pulsos e abuso sexual contra prisioneiras mulheres. Estima-se que cerca de 1000 pessoas passaram por este navio
O Navio Orella esteve envolvido na detenção e transporte de prisioneiros políticos, visto que havia superlotação dos outros navios.
Durante 1973, o Navio Andálien transportou presos do Estádio Nacional e da Escola de Infantaria de San Bernardo. Relatos contam que os presos viajaram em porões lotados, privados de comida, abrigo do frio e em más condições de higiene. Alguns eram espancados ou ameaçados de serem jogados ao mar.
Navio continua em operação
Utilizado de maneira criminosa nestas atividades, estima-se que 500 pessoas passaram pelo Veleiro Esmeralda. Neste veleiro, os relatos contam de torturas envolvendo espancamentos (alguns levando até a morte), água pressurizada, afogamentos, abusos sexuais contra mulheres e outras práticas, em meio a interrogatórios.
Destes, o Veleiro Esmeralda segue em atividade, a Armada Chilena até hoje o divulga com orgulho, como um belo navio imponente e histórico, e escondem de forma cínica toda a história sangrenta envolvida com este veleiro. Segundo o site da Armada de Chile: “O nome “Esmeralda” lembra duas ações navais que constituem verdadeiras jóias para a Marinha do Chile. São as páginas mais gloriosas da história naval do Chile, onde nossas tripulações deram testemunho do amor e sacrifício que devem ser dados à Pátria, valores incutidos nos convés dos navios.”
Talvez tais batalhas tenham sido “exemplos de amor e sacrifício”, porém, os valores incutidos nos convés destes navios visivelmente são outros, e estão entrelaçados com a perversidade e a crueldade, com um ódio bestial fascista ao povo chileno, ódio esse que os condenou à más condições de vida até hoje. O veleiro Esmeralda cruza o mundo inteiro, aportando em dezenas de países para visitas turísticas, iludindo as pessoas com um “passado glorioso”.
Ainda que possam existir boas intenções de trazer contato do povo com um navio que copia antigas embarcações, tal ato se faz de maneira que ignora totalmente a história de sofrimento do bravo povo chileno. E não se deve deixar isso se apagar.
Navio e centro de tortura virá ao Brasil
O navio virá ao Brasil no mês de setembro e contou com autorização da Marinha do Brasil e do governo federal para atracar em Recife e no Rio de Janeiro no período de 5 a 9 e 17 a 21 de setembro de 2023, respectivamente. Não é a primeira vez que esse navio vem ao Brasil, em 2003, foi recebido com protestos pelo grupo “Tortura Nunca Mais”.
Os lutadores devem estar comprometidos com a rejeição à ditadura militar em qualquer país. Devemos ser solidários ao povo chileno, exigir punição aos torturadores da ditadura de 1973 e uma constituição que atenda ao povo. Lutar contra a impunidade daquela ditadura, é lutar pela punição dos torturadores da nossa ditadura empresarial-militar de 1964, que matou mais de 10 mil e torturou dezenas de milhares de pessoas.
O navio Esmeralda deveria ter a bordo a história de seu derramamento de sangue, para que todo visitante e marinheiro conheça o que foi a ditadura militar de Pinochet. Que as datas em que o navio aportará nos portos de Recife e Rio de Janeiro sejam datas de mobilização e denúncia, na luta contra o fascismo.