O governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato de Bolsonaro, decretou que escolas públicas de São Paulo não terão mais livros impressos a partir de 2024. Secretário da Educação é sócio de empresa de tecnologia que possui contratos com a pasta que ele dirige.
Pablo Cavichini* | Diadema
EDUCAÇÃO – A medida causou indignação entre os profissionais da educação uma vez que sequer foram consultados. Parte da categoria dos professores e professoras da rede estadual diz sentir-se apreensiva ao receber a notícia, uma vez que não conseguem visualizar um bom processo de ensino-aprendizagem que não conte com pelo menos alguns livros físicos para as aulas.
O secretário de educação do estado de São Paulo, Renato Feder, saiu publicamente em defesa das medidas alegando que os professores “passam slides e os alunos anotam”. Resta saber quais escolas o secretário de educação andou visitando, se é que visitou alguma, já que grande parte das escolas não possuem projetores ou TV’s em pleno funcionamento em todas as salas.
Em uma outra justificativa o secretário disse que, se necessário, a escola poderá imprimir os chamados “materiais digitais” que nada mais são do que slides como os encontrados em uma pesquisa básica no Google.
Ele reforça o desconhecimento da realidade escolar da qual diz respeito à pasta em que trabalha, afinal não faltam reclamações por falta de folha sulfite e impressoras em bom funcionamento para que os professores possam imprimir suas atividades e provas. Também não são poucas as vezes em que os profissionais da educação tiram dinheiro do próprio bolso para comprar o material pedagógico que deveria ser financiado pelo governo estadual.
Fica difícil compreender as justificativas do secretário que possui uma história intrigante desde que assumiu a pasta: Feder se tornou secretário de educação mesmo sendo acionista da Dragon Gem LLC – dona de 28,1% das ações da Multilaser – empresa de informática que assinou contratos de R$200 milhões com a pasta de educação comandada pelo mesmo.
Além de ignorar todas as dificuldades da estrutura material, o governador e o secretário também ignoram o processo do trabalho pedagógico. Em um estudo publicado recentemente pelo Instituto Nacional de Saúde da França foram apresentados dados conclusivos que relacionam o uso exagerado de telas digitais à queda de desempenho intelectual, sobretudo em relação às questões da linguagem, concentração, criatividade e memória. Digitalizar 100% do material pedagógico também prejudica o estímulo à escrita e à leitura do estudante que, se não forem fomentadas na escola, onde serão?
Escolas dos ricos defendem livro impresso
Vale dizer que as escolas particulares caríssimas e com grande infraestrutura tecnológica, que utilizam os mais diversos processos pedagógicos, acessadas por filhos e filhas da classe alta, continuarão utilizando livros físicos. De onde vem, então, esta grande ideia de inovação?
A escolha de Tarcísio para a pasta de educação não foi por um motivo qualquer: Renato Feder, antes de assumir a pasta em São Paulo, era secretário de educação do Paraná onde promoveu a implementação de mais de 200 escolas cívico-militares – o maior programa de militarização de escolas no país.
Tal fato já mostra por si só a preferência do governador pela pregação de ideologias fascistas, pois nas escolas militares os alunos são ensinados que não houve ditadura militar, ignorando o fato de que o Regime Militar fechou o Congresso Nacional, cassou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e perseguiu, torturou e assassinou milhares de opositores.
Infelizmente Tarcísio não está sozinho nessa empreitada. A extrema-direita, apesar de derrotada nas eleições federais, ainda conta com muitos outros aliados como o governador Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais e Eduardo Leite (PSDB) no Rio Grande do Sul.
Junto com Tarcísio, ambos os governadores decidiram por manter a todo vapor o funcionamento das escolas cívico-militares em seus respectivos estados, mesmo com o Governo Federal interrompendo 100% o programa de escolas militares a nível nacional.
As evidências não terminam por aí: o governo do estado de São Paulo, sob gestão de Tarcísio, promulgou uma homenagem ao coronel Erasmo Dias, militar conhecido por liderar a invasão da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e perseguir estudantes durante a ditadura.
Além disso, foi posta em prática uma nova medida em que a secretaria de educação obriga os diretores das escolas estaduais a assistirem as aulas dos professores, promovendo uma clara intimidação, monitoramento ostensivo e cerceamento da liberdade de cátedra da categoria.
Fica a questão: o que quer um governador que monitora ostensivamente os professores ao mesmo tempo que propõe a retirada da câmara da farda dos policiais militares, medida que resultou na queda de 85% da letalidade policial no estado de São Paulo?
Uma coisa é certa, Tarcísio está um passo à frente de seus ídolos anteriores da extrema-direita: não precisará queimar livros se estes sequer existirem.
A história se repete como farsa
Era 10 de maio de 1933, uma grande fogueira se formava na então chamada Praça da Ópera (Opernplatz) em Berlim. Milhares de pessoas assistiam a queima dos mais de 25.000 livros de autores estabelecidos como inimigos da Alemanha Nazista.
Entre eles, o dramaturgo, poeta e comunista Bertolt Brecht, o físico socialista Albert Einstein e o grande teórico e revolucionário Karl Marx. O evento ficou marcado para a posterioridade como A Grande Queima de Livros em Berlim.
A história nos mostra o modus-operandi de governos fascistas e, entre estes, sempre está presente a censura e a perseguição aos muitos segmentos culturais e artísticos, mas, principalmente, ataques ao pensamento crítico e o acesso básico ao conhecimento.
No Brasil não foi diferente. No período da Ditadura Militar foram inúmeros os artistas, autores e opositores perseguidos, torturados, assassinados e desaparecidos. Milhares de livros, roteiros de peças de teatro e músicas foram censuradas e proibidas de serem publicadas.
Não podemos deixar que esses eventos retornem no presente. Famílias, educadores, estudantes e toda a sociedade brasileira devem defender uma educação de qualidade, com condições materiais de trabalho suficientes para atender a grande diversidade presente nas salas de aula.
*Professor da rede estadual de São Paulo