Foi com base na sua profunda opção pelo PCR, como instrumento da libertação revolucionária dos explorados e oprimidos, que Manoel Aleixo construiu a sua inquebrantável coerência. Por isso, ele encontrou forças suficientes para praticar também no cárcere do inimigo a orientação de não dar nenhuma informação sobre o Partido, pois, para um revolucionário, a traição é pior do que a morte.
Edival Nunes Cajá | Comitê Central do PCR
HERÓIS DO POVO BRASILEIRO – Manoel Aleixo da Silva nasceu no dia 04 de junho de 1931, no engenho Cova da Onça, em São Lourenço da Mata (PE), cidade cercada por canaviais e grandes usinas. Seus pais, João Aleixo da Silva e Maria Sabino da Silva, eram negros e foram escravizados quando crianças.
Nosso herói, ainda criança, foi também levado ao duro trabalho de moagem da cana, de domingo a domingo, para ter direito a comida e ao tosco vestuário em tudo semelhante ao dos escravos da senzala. Ele não teve tempo nem o direito de frequentar a escola, que, nos anos 1930, era privilégio de poucos.
Em 1955, já com 24 anos, acompanhou com interesse o surgimento das Ligas Camponesas no Engenho Galiléia, no Município de Vitória de Santo Antão, sob a liderança de Zezé da Galiléia.
Por outro lado, recrudesciam a repressão, as milícias privadas e o uso da polícia militar pelos senhores de engenho e usineiros para fazer despejos, sacrificar animais domésticos, arrancar as lavouras de subsistência e assassinar líderes camponeses. Foi a partir daí que Manoel Aleixo descobriu que pertencer às Ligas e politizar o coco de roda e as emboladas das quais participava não seria suficiente.
No final de agosto de 1963, os Sindicatos e as Ligas de São Lourenço, Moreno e Jaboatão, sob a sua influência e a de Amaro Luiz de Carvalho (Palmeira, Capivara), sentindo que a confrontação se aproximava, convocaram, de forma unitária, grandes assembleias para responder à onda de prisões e assassinatos no campo. As assembleias aprovaram a seguinte deliberação: a cada militante morto, um ajuste de contas com o assassino ou seus mandantes; “agora será olho por olho, dente por dente”.
Golpe e luta clandestina
Em 1º de abril de 1964, os usineiros, latifundiários, a alta burguesia e seus mandos militares fascistas se aliaram aos monopólios imperialistas dos Estados Unidos para acabar com aqueles que ameaçavam seus imensos lucros, eliminar as lideranças revolucionárias e a organização crescente dos operários, especialmente dos 400 mil assalariados agrícolas da Zona Canavieira de Pernambuco. Como num pesadelo, milhares de operários das usinas e camponeses pobres dos engenhos amanheceram nas delegacias e quartéis transformados em presídios.
Para não ser capturado e morto, Manoel Aleixo, ligeiro como um vento forte, já com 34 anos, separa-se da família, dos amigos, de tudo, e passa a viver nos mais distantes engenhos, onde vai recomeçar tudo de novo.
O encontro com o PCR
Logo no início de 1967, um ano após a fundação do Partido Comunista Revolucionário (PCR), Manoel Aleixo reencontra, por acaso, na cidade de Barreiros-PE, o mais procurado e mais experiente agitador e organizador comunista de toda a zona canavieira, Amaro Luiz de Carvalho, que já havia integrado a Comissão do Trabalho Militar das Ligas Camponesas e feito cursos de formação política e militar em Cuba e na China.
Amaro retoma as conversas com Aleixo, interrompidas pelo Golpe Militar de 1964. Passam em revista os nomes dos companheiros desaparecidos, assassinados, presos, a desmobilização e a dispersão das massas. Apoiado nos seus estudos e nos documentos do Partido, Amaro argumentou que as Ligas Camponesas e os quilombos, apesar de sua imensa importância, eram incapazes de impedir o golpe contrarrevolucionário das classes dominantes.
Para vencer os golpistas, era necessário um partido comunista revolucionário, reconhecido pelas massas, com capacidade de direção política para conduzi-las tanto nos momentos de ofensiva para tomar o poder de Estado, quanto nos momentos de recuo organizado, quando necessário.
Palmeira, então, conclamou Manoel Aleixo a ingressar do Partido, que, emocionado, respondeu de pronto: “Quero ser militante do PCR até a vitória ou morte. Já tenho uma lista de companheiros para serem recrutados para o Partido”.
Preparando militantes revolucionários
Manoel já havia se transformado numa respeitável liderança do poderoso Sindicato de Barreiros e tinha influência em Água Preta e Joaquim Nabuco. E aí começa o seu primeiro batismo de fogo. Seu nome de guerra, Ventania, expressava a força de vontade e a rapidez com que ele se dedicava ao trabalho profissional de construção do Partido, retirando-se, aos poucos, do papel de líder de massas para atuar mais no aparelho partidário clandestino no campo. Foi só dentro do PCR que aprendeu a ler e a escrever.
Para lá iam somente aqueles que mais se destacavam na luta, revelavam características de futuro militante para receber cursos de formação política e ingressar no PCR. Passou a trabalhar em estreito contato com Amaro e Manoel Lisboa, constituindo-se, assim, em pouco tempo, um coletivo dirigente desta frente, na qual teve destacado papel de direção juntamente com o companheiro Amaro Félix Pereira (Procópio), homenageado na edição passada de A Verdade (nº 274).
Manoel é preso e, por nada informar, é torturado e recolhido durante todo o ano de 1970 na Casa de Detenção do Recife. Quando conquistou a liberdade, retomou suas atividades revolucionárias, clandestinamente, com muito mais disposição do que antes, pois sabia que teria que enfrentar grandes dificuldades com a repressão e, especialmente, com o desenvolvimento do seu trabalho – agora sem o Sítio Borboleta e sem a sábia companhia de Palmeira, que continuava preso e torturado.
Certa vez, um camarada lhe perguntou por que ele tinha tanta pressa em tudo que fazia. Em cima da bucha, respondeu: “Agora, eu tenho que recrutar por dois, por mim e pelo companheiro Capivara, que continua preso”.
O covarde assassinato do camarada Amaro Luiz de Carvalho na Casa de Detenção do Recife, no dia 22 de agosto de 1971, não o apavorou. Ventania rapidamente procura recompor o trabalho e também a sua vida pessoal, casando-se com a companheira Izabel Simplício da Conceição.
Paixão e morte
O ano de 1973 foi de cerco aos comunistas revolucionários. Sequestraram Manoel Aleixo e o assassinaram sob as mais selvagens torturas. E como provamos esta fé suprema no Partido? Havia um ponto marcado com o companheiro Valmir, da direção do Partido, no interior da igreja da cidade de Ribeirão, no dia 06 de setembro, às 10 horas. Coube a mim a tarefa de cobrir o ponto, e, na hora exata, lá compareci e ele não estava, nem tampouco a polícia.
O DOI-Codi do IV Exército, o torturador Sérgio Paranhos Fleury (diretor do Dops-SP), o torturador Moacir Sales de Araújo (diretor do Dops-PE), o delegado José Oliveira Silvestre e o torturador Luís Miranda (agente da Polícia Civil) foram os responsáveis diretos por todas as sevícias, pelo assassinato e pela desavergonhada mentira veiculada nos grandes jornais da burguesia no dia 08 de setembro, de que Ventania teria morrido no dia 29 de agosto ao resistir à voz de prisão e travar um tiroteio com agentes da segurança na cidade de Ribeirão.
Na verdade, Manoel foi sequestrado da sua própria casa, em Joaquim Nabuco, na madrugada do dia 29 de agosto, fato testemunhado por Izabel, sua companheira, conduzido numa Veraneio do Exército até a sede do Comando do IV Exército, no Parque 13 de Maio, onde foi assassinado.
Só em 2012, com o esforço dos seus filhos, o Estado brasileiro reconheceu o crime praticado contra Manoel Aleixo, através da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça. Izabel Simplício, sua esposa, declarou ainda, em documento entregue à Comissão, que “apoiava a luta e que agora espera justiça para que nunca mais aconteça outro final de agosto tão triste como aquele de 1973”.
No dia 4 de novembro de 2012, no Município de Joaquim Nabuco, Zona Canavieira Sul de Pernambuco, militantes de esquerda, ativistas sociais e trabalhadores da cana se reuniram na Câmara Municipal para prestar uma justa e comovida homenagem a um destacado a Manoel Aleixo. O Comitê Memória, Verdade e Justiça de Pernambuco decidiu pela homenagem a Manoel Aleixo pelo fato injustificável de a Comissão da Verdade do Estado de Pernambuco ter publicado a lista dos 50 mortos e desaparecidos políticos de Pernambuco e nela não constar o seu nome.
Herói do povo
Foi com base na sua profunda opção pelo PCR, como instrumento da libertação revolucionária dos explorados e oprimidos, que Manoel Aleixo construiu a sua inquebrantável coerência. Por isso, ele encontrou forças suficientes para praticar também no cárcere do inimigo a orientação de não dar nenhuma informação sobre o Partido, pois, para um revolucionário, a traição é pior do que a morte.
Sobre Ventania, assim se expressou a direção do PCR:
“Na sala de torturas, comportou-se como um autêntico herói nascido do povo; diante das torturas mais atrozes, cerrou os dentes, nada falou aos sádicos policiais. Morreu como herói do povo, um combatente do Partido, digno e firme como uma rocha”. (Editorial do jornal A Luta, nº 18, dezembro de 1974).
Camarada Manoel Aleixo, você conquistou, com a sua elevada honra comunista, um justo lugar no panteão dos heróis da História e da Dignidade.
Matéria publicada na edição nº 275 do Jornal A Verdade.