Governo federal aprova portaria que mantém financiamento do Estado a entidades religiosas que fazem internações forçadas. As chamadas “comunidades terapêuticas” são conhecidas pelo cometimento de inúmeros crimes contra internos.
G. Carvalho | estudante de Psicologia
BRASIL – Aprovada no dia 8 de agosto de 2023, a portaria n° 907, que delineia o planejamento do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), pasta chefiada por Wellington Dias (PT), promete aumentar os recursos e continuar apoiando as anticientíficas e danosas comunidades terapêuticas.
Mostrando baixa ou nenhuma efetividade no tratamento do vício em drogas, as comunidades terapêuticas são denunciadas pelo consenso científico, e não aderem aos princípios da reforma psiquiátrica. Os internos, fragilizados seja pelo uso de narcóticos ou pela própria internação, frequentemente sem que sua palavra seja ouvida, saem das paredes das comunidades tão vulneráveis ao vício quanto chegaram.
O tratamento oferecido frequentemente envolve a introdução forçada de aspectos religiosos na vida do paciente. Pede-se a ele que deposite sua fé numa “força maior”, que reze por “milagres” e que se mantenha em abstinência absoluta. As violências são muitas no interior desses “recantos de fé”: trabalhos forçados, privação de liberdade e a internação de adolescentes são apenas alguns dos temas ressaltados pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), que vem se posicionando fortemente contra a expansão dessas instituições, e que realizou um relatório profundo sobre elas em 2017.
Não bastassem os maus-tratos aos afligidos pelo vício, a internação em tais comunidades é frequentemente realizada de forma forçada e sem justificativa. Para vários internos, a condição que os internou sequer tem a ver com qualquer tipo de droga – lícita ou ilícita. As comunidades são usadas como “prisões provisórias”, lugares para “se corrigir o caráter”, e de onde não se tem data de saída, em especial para pessoas pretas e pardas, que formam a maioria da população presa nesses “manicômios modernos”.
Por baixo dos panos
Tão vergonhoso é esse posicionamento, essa defesa ao “manicômio moderno”, que nem o governo federal, comandado por Lula (PT), desejava-o assumir. Aprovada silenciosamente, sem sequer mencionar o termo “comunidade terapêutica”, a portaria, em vez disso, disfarça a resolução usando construções como “Ampliar o número de acolhimentos em Entidades de Apoio e Acolhimento Atuantes em Álcool e Drogas contratadas pelo Governo Federal […]”.
A roupagem sanitarizada até engana, mas não se trata de outra coisa. O “Departamento de Entidades de Apoio e Acolhimento Atuantes em Álcool e Drogas” não é nada além do que o “Departamento de Apoio a Comunidades Terapêuticas” – que teve seu nome trocado após a controvérsia gerada pela comunidade da luta antimanicomial.
O que se alcança com mudanças superficiais como essa? Mudar o nome do órgão não serve senão de “cortina de fumaça”, uma forma momentânea de “apaziguar os ânimos”. Não basta o sofrimento dos internos, as montanhas de evidências contrárias, o grito desesperado dos profissionais de saúde mental por um tratamento humano – nenhuma prece alcança os ouvidos da democracia burguesa. Como uma entidade impiedosa, as comunidades terapêuticas, como verdadeiros moedores de homens e mulheres, continuam salvando almas e deixando corpos e mentes destroçados.