No dia 7 de setembro, a primeira construção colonial e também uma das atrações turísticas mais famosas da capital do Rio Grande do Norte foi decorada com as palavra de ordem ‘Não ao PL/2903’ e ‘Aqui é terra indígena’. Os movimentos indígenas lutam contra o Marco Temporal e por mais respeito dentro de sua própria terra.
Îawotĩ Potygûara Tarairiý | Potygûasú (Natal)
LUTA POPULAR — O Forte dos Reis Magos, edificação militar levantada na época colonial na capital do Rio Grande do Norte, amanheceu neste 7 de setembro decorado em protesto contra o Projeto de Lei 2903, que contém a tese do Marco Temporal. Essa intervenção representa a luta dos povos indígenas na busca por seus direitos de existência e resistência nas terras sagradas de Abya Yala (nome adotado pelo movimento indígena continental para nomear ancestralmente as terras que os brancos chamam de “América”).
O Marco Temporal é uma tese inconstitucional que pretende modificar os critérios de demarcação de terras indígenas para que somente tenham direito à terra os povos que estavam ocupando até a data da promulgação da Constituição: 5 de outubro de 1988. Isso desconsidera a expulsão dos povos originários de seus territórios entre as invasões às terras ao longo da história, e que, portanto, não haveria como documentar a ocupação naquele local.
Além disso, o estado do Rio Grande do Norte é o único estado brasileiro a não ter terras indígenas demarcadas; no RN, apenas a região das aldeias Jacu Sagi e Sagi-Trabanda, a 90 km da capital, estão em processo de demarcação há 8 anos. A não demarcação de territórios abre mais espaço para o agronegócio seguir com o genocídio indígena que vem acontecendo há mais de 500 anos neste país, mostrando a conivência do Estado com essa situação. O marco temporal teria consequências particulares no Rio Grande do Norte, porque para além das dificuldades já existentes para a demarcação, muitos povos estariam sujeitos a nunca de fato poderem ocupar suas terras.
Por isso, o protesto no Forte dos Reis Magos possui muito simbolismo. O Forte foi construído com o objetivo de manter o controle do colonizador sobre a área, inclusive fazer a defesa contra os levantes de indígenas que reivindicavam suas terras. O forte serviu durante a ocupação Holandesa no século XVII sob o nome de Castelo Keulen, da mesma forma serviu para demarcar a presença colonizadora europeia em detrimento aos ancestrais indígenas da atual massa trabalhadora de Natal. Antes do dia 7 de setembro, o Forte dos Reis Magos não tinha serventia turística, estava esquecido pelo poder público e pela população, mas agora está marcado fruto de protesto popular, uma luta que segue desde 1500. Portanto, é importante conscientizar a população da importância de protestar e ir às ruas pela vida dos povos indígenas e contra o marco temporal.
Vale ressaltar que além da intervenção conter “Não ao PL 2093”, também consta as palavras “Aqui é Terra Indígena” e um grafismo Tupi (especialmente Potyguara) da Panama (Borboleta) que em alguns contextos Tupis representa a Beleza, mas para os Potyguara de Potyguasú (Nome ancestral da antiga aldeia Potygûasú que havia na Zona Norte do Natal) é um grafismo amplamente usado na Resistência contra a ocupação Portuguesa nos tempos de Felipe Camarão e Cacique Jaguarari.
Em um contexto de uma cidade construída em cima de uma aldeia que representa uma ocupação milenar que, mesmo depois da invasão dos Portugueses, ainda conseguiu resistir intocada por mais de 100 anos, o que rendeu a fama dos Potygûara de o povo tupi mais combativo de sua época, é mais do que necessário que a população trabalhadora não branca perceba que não é um povo sem história; grande parte tem raízes indígenas e nem sabe disso.
No último Censo Demográfico realizado em 2022, a população indígena no “Brasil” inteiro teve um aumento de 88,82% (Dados do IBGE), no caso do “Rio Grande do Norte”, o Censo contabilizou 11.725 indígenas, maior parte no município de João Câmara (2.421) onde há a comunidade do Amarelão formada por Potiguaras e Tarairiús; seguido de Potygûasú (Natal, para os brancos) com 1.798 indígenas em contexto urbano de diversas origens étnicas; Macaíba (1.179) onde resiste a comunidade de Tapuias do Tapará; Ceará-Mirim (1.064) com os Potiguaras e Tapuias do Rio dos Índios; Canguaretama (739) com os Potiguara Katu na aldeia de mesmo nome dentre várias outras. Mesmo sem nenhuma demarcação, nossos parentes e parentas (que é como nós indígenas nos chamamos) resistem existindo.
É bem emblemática a presença do grafismo da Panama na intervenção no Forte, que é um símbolo colonial, no dia da “Independência” ao som das palavras de ordem do protesto do Grito dos Excluidos, porque mostra que a intervenção no Forte não foi apenas feita por pessoas simpatizantes do movimento indígena no RN. Quem conhece os grafismos somos nós indígenas. São esses indígenas que perceberam suas raízes e se impuseram perante o Censo. Uma abordagem combativa ao monumento colonial não pode ser ignorada ou criminalizada como fizeram vários jornais burgueses de Natal. São indígenas e não qualquer indígena. São combativos como Felipe Camarão, como Clara Camarão e Cacique Jaguarari.
Se faz clara a necessidade da organização dessa juventude. A criação de um coletivo indígena, não só anti-capitalista, mas também marxista-leninista dentro da Unidade Popular. Afinal não é só de pretos que consiste a classe trabalhadora brasileira, no campo e na cidade. Procure tuas raízes, participe do movimento indígena, lute conosco. Não ao Marco Temporal. Viva Potygûasú. Viva Abya Yala.
Texto brilhante! Seria muito forte transforma-lo em impresso para distribuição ampla pelo espaços de educAção e políticas públicas #marcotemporalnão #decolozarjá