Para facilitar a compreensão de conceitos fundamentais da teoria marxista, A Verdade publicará em suas próximas edições uma série de artigos sobre a Filosofia e a Economia Política marxistas. Começamos pela mais-valia, fonte da riqueza dos capitalistas, e que, nas palavras de Lênin, constitui a “pedra angular” de toda a doutrina econômica de Karl Marx.
O presente artigo foi extraído de “Cadernos Políticos de Educação Popular – nº 02”, de Marta Harnecker e Gabriela Uribe. Algumas partes do texto foram editadas.
Da Redação
Na sociedade atual, o capitalista, com o dinheiro que possui, compra pelo seu valor determinadas mercadorias: os meios de produção e a força de trabalho. Com elas, produz uma série de produtos que vende pelo seu valor no mercado. O dinheiro que obtém nesta troca é superior ao que gastou na compra de meios de produção e força de trabalho. Essa diferença de valor não tem origem na venda de produtos, mas na única mercadoria que produz valor: a força de trabalho.
A força de trabalho, em qualquer processo de produção, transforma a matéria-prima em produtos, empregando determinados meios de produção.
O valor de qualquer mercadoria se deve à quantidade de trabalho que tem incorporado. Ora bem, num determinado processo de produção (por exemplo, na produção de tecidos de algodão), o operário junta o seu trabalho ao trabalho que já está incluído nos meios de produção (no algodão e nas máquinas). Assim, o valor do produto, o tecido, é formado pelo valor dos meios de produção que o operário transfere para o produto mais o novo valor que ele próprio ao trabalhar está a criar.
A formação da mais-valia
Mas como se pratica esta transferência de valor dos meios de produção para o produto ou mercadoria? O caso da matéria-prima não é difícil de compreender: ela desaparece no processo de produção, visto ser totalmente transformada em produto. O algodão, por exemplo, desaparece para se transformar em tecido. A força de trabalho transfere, portanto, em cada fase do processo de produção, todo o valor das matérias-primas para o produto.
Já o caso das máquinas é diferente. Uma máquina, por exemplo, um tear mecânico, pode usar-se em vários processos de produção, quer dizer, no fabrico de tecidos durante vários anos. Mas não dura para sempre: à medida que se usa envelhece, gasta-se. Se supusermos que dura uns 10 anos, podemos dizer que em cada ano perde 10% do seu valor. Quer dizer que, em cada ano, a força de trabalho transfere para a mercadoria essa quantidade de valor.
Se a máquina vale 100 mil reais, o que significa que tem essa quantidade de dinheiro incorporado sob a forma de trabalho, em cada ano a força de trabalho transferirá para as mercadorias produzidas a quantidade de 10 mil reais. Se se produzirem 5 mil metros de tecido por ano com essa máquina, em cada metro são incorporados 2 reais (10 mil ÷ 5 mil = 2), que é a quantidade de valor da máquina que a força de trabalho transferiu para a mercadoria. Por este processo, a força de trabalho transfere o valor das máquinas aos poucos e não de uma só vez, como no caso das matérias-primas.
Vemos, então, que os meios de produção por si só não criam nenhum valor no decorrer do processo de produção. O seu valor só pode ser transferido para o produto pela força de trabalho que, ao mesmo tempo, lhe acrescenta novo valor.
Em qualquer processo de produção, o valor que se junta aos meios de produção deve-se ao trabalho que os transforma numa mercadoria nova. Deste trabalho sai o único valor que se cria em cada processo de produção.
A origem dos lucros do patrão
No regime capitalista, do valor criado no processo de produção sai não só o valor da força do trabalho do operário, como também o lucro do capitalista. Mas, o que acontece quando a força de trabalho é uma mercadoria e quando o dono dos meios de produção impõe as condições em que trabalham os operários, que vendem a sua força de trabalho porque não possuem meios de produção?
O capitalista e o operário encontram-se no mercado de trabalho. O operário oferece como mercadoria a sua força de trabalho. O capitalista comprou-a por uma determinada quantidade de dinheiro, para fazê-la trabalhar durante uma certa quantidade de tempo por dia.
Suponhamos que o capitalista comprou a força de trabalho pelo seu valor, por exemplo, 50 reais por 8 horas de trabalho diário. Com isso, pagou ao operário o valor dos produtos que este consome para se manter quando trabalha durante 8 horas. Suponhamos que, ao trabalhar para o capitalista, o operário produz em cada hora um valor de 10 reais. Então, em 5 horas, o operário cria uma quantidade de valor que corresponde ao valor da sua força de trabalho, 50 reais. Ao mesmo tempo, transfere para as mercadorias produzidas o valor dos meios de produção. Portanto, em 5 horas de trabalho do operário, o capitalista recupera todo o dinheiro que investiu na produção, tanto em salários como em meios de produção.
Mas o operário não deixa de trabalhar neste momento; tem de continuar a produzir durante mais 3 horas até completar as 8 horas pelas quais vendeu a sua força de trabalho. Tudo o que produz nestas últimas 3 horas é lucro para o capitalista.
Desta forma, descobrimos que o capitalista obtém os seus lucros apoderando-se de todo o trabalho que o operário continua a realizar após ter criado ou reproduzido um valor igual ao seu salário. A esse valor suplementar, Marx chamou de mais-valia.
A jornada de trabalho divide-se, então, em dois períodos que têm um significado muito diferente: chama-se de tempo de trabalho necessário ao tempo durante o qual o operário reproduz o valor da sua força de trabalho; já o tempo durante o qual o operário cria mais-valia para o capitalista chamamos de tempo de trabalho suplementar.
Podemos concluir, então, que a força de trabalho tem uma característica especial: ao ser usada pode criar mais valor que o necessário para se manter, para reproduzir o seu valor. Quer dizer, o operário não só cria valor, como tem a capacidade de produzir um valor suplementar.
O capitalista aproveita-se disso e assim obtém os seus lucros. Em outras palavras, em regime capitalista a força de trabalho é uma mercadoria que ao ser usada produz um valor suplementar, ou mais-valia, que é apropriado pelo capitalista.
Capitalismo e desigualdade social
Resumamos o que descobrimos até agora:
1) Na sociedade capitalista existem, dois grupos de pessoas: um é proprietário dos meios de produção mais importantes, os capitalistas, enquanto o outro é totalmente despojado dos meios de produção, de tal modo que não pode produzir por si sós os bens que necessitam para viver, ou seja, os trabalhadores.
2) Esta situação obriga os trabalhadores a vender como mercadoria a única riqueza que possuem, a sua força de trabalho, para poderem subsistir.
3) Os capitalistas compram no mercado essa mercadoria que tem a característica especial de ser a fonte criadora de todo o valor e usam-na para produzir mais valor de que necessitam para compensar o que pagaram por ela. É assim que os capitalistas obtêm os seus lucros, apoderando-se desse valor suplementar produzido pelos trabalhadores.
4) Esta relação que se estabelece entre os capitalistas e os operários é uma relação de exploração, pois os capitalistas, donos dos meios de produção, apoderam-se dos frutos do trabalho dos trabalhadores, que não possuem esses meios de produção. Às relações que se estabelecem entre os indivíduos, dependendo do lugar que ocupam no processo de produção, lugar esse que depende da posse ou não dos meios de produção, chamamos de relações sociais de produção.
5) Em consequência, resulta claro que a mais-valia é um conceito chave para explicar a exploração, própria de um regime de produção em que o processo de trabalho se realiza sob as relações de produção capitalistas.
No sistema capitalista, a força que obriga o operário “livre e soberano” a submeter-se à exploração capitalista é muito eficaz. É a força das necessidades vitais. Se não se submete às condições econômicas impostas pelo sistema, isto é, se não oferecer o seu trabalho “voluntariamente” ao capitalista, o trabalhador morre de fome, pois não possui os meios para produzir o que necessita para subsistir.
Assim, em condições normais, sem ter de recorrer à força direta ou a outras formas de pressão, o capitalista apodera-se do trabalho dos operários. Dizemos em condições normais, visto que basta que os operários, através das suas lutas, ponham seriamente em perigo o lucro ou a propriedade dos meios de produção dos capitalistas, para que estes recorram à polícia ou ao exército para reprimir os trabalhadores.
Matéria publicada na edição nº 280 do Jornal A Verdade.