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quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Setor da confecção utiliza trabalho precarizado de mulheres para obter lucros

As condições de trabalho das costureiras na região metropolitana de São Paulo traz à tona uma realidade cruel e alarmante que vem sendo enfrentada pelas trabalhadoras do setor de confecção.

Natalia Santos | São Paulo


MULHERES – Um estudo realizado pela ONU, que mapeou as condições de trabalho das costureiras na região metropolitana de São Paulo, traz à tona uma realidade cruel e alarmante que vem sendo enfrentada pelas trabalhadoras do setor de confecção.

Dados percentuais constatam que a região metropolitana de São Paulo concentra 12% das vagas de emprego do setor no país. Esse número, embora muito relevante, não deve ser visto isoladamente, pois não é considerada a subnotificação dos trabalhos terceirizados. No capitalismo, a riqueza se concentra na mão das grandes empresas, enquanto a classe que produziu toda a riqueza vive a precariedade laboral, deixando em evidência a relação de desigualdade e exploração.

Para entender e atuar sobre esta realidade, foi entrevistada a costureira Beatriz Zeballos (22 anos), que trabalhou no bairro do Bom Retiro. O trabalho de costura entra nas casas desde cedo: “Minha própria jornada começou por volta dos 7 ou 8 anos, quando comecei a auxiliar minha mãe na produção. Meu pai, boliviano, chegou ao Brasil há cerca de 25 anos e começou a trabalhar em uma confecção. Não havia registro formal, nem vínculo empregatício. Minha mãe, brasileira, natural de Pernambuco, compartilhava de uma história semelhante. Ela trabalhou no campo antes de imigrar.”

Gênero, raça e classe da confecção

A predominância feminina no trabalho de costura é mais uma manifestação das desigualdades de gênero que persistem na sociedade, com 87% dos profissionais do setor sendo mulheres. Tal fato é resultado da construção histórica de papéis de gênero que relegam as mulheres a trabalhos pouco valorizados e mal remunerados.

Ainda, o estudo destacou a perspectiva interseccional ao levantar dados sobre idade, escolaridade, raça e local de trabalho das costureiras. Menos da metade delas concluiu o ensino médio (45%), o que reforça a vulnerabilidade da classe trabalhadora diante das barreiras impostas pelo sistema educacional, que não garante acesso à formação adequada.

Além disso, a maioria (62,1%) exerce a profissão na própria residência, caso da família da entrevistada: “Nossa oficina era na nossa casa, onde minha tia também trabalhava. Isso era uma necessidade devido à responsabilidade de cuidar das crianças, levá-las à escola e outras demandas familiares. Nossos serviços eram informais, baseados em acordos verbais, o que frequentemente resultava em calotes.”

A informalidade e a sobrecarga das jornadas de trabalho, conhecida como jornada dupla, são consequências diretas da exploração do capitalismo. A ausência de carteira assinada atinge 69% das costureiras, sendo ainda mais acentuada (93%) entre as imigrantes, refugiadas e indígenas.  Essa situação reflete a disposição dos empregadores em reduzir custos e desresponsabilizar-se pelos direitos trabalhistas e sociais dessas mulheres.

Zeballos segue relatando: “Minha jornada começava pontualmente às 7 da manhã e terminava por volta das 9 da noite, às vezes até mais tarde, devido à alta demanda. Uma das minhas responsabilidades era levar os moldes a pé para as empresas localizadas no Bom Retiro, o que ocasionalmente resultava em atrasos e levava a humilhações por parte dos clientes devido às demoras. Lembro-me de sonhar com o trabalho e de falar sobre os problemas enquanto dormia. Fazer horas extras era uma constante. Quando finalmente pedi demissão, ele me pagou apenas 100 reais referentes a três meses de horas extras, apesar de eu não ter sequer uma hora de almoço.”

Trabalho que escraviza mulheres

Em 2019, o setor têxtil representou 18% (57) das 311 denúncias de trabalho análogo à escravidão no Brasil. Essas denúncias também incluem tráfico de pessoas, já que uma de suas finalidades é o trabalho escravo. A questão de gênero também se manifesta nesse contexto, com 95% das vítimas resgatadas sendo mulheres. A política pública adotada pelo Estado brasileiro demonstra sua insensibilidade para essas questões, pois após o resgate nada é feito para mudar as condições de vulnerabilidade e desamparo dessas trabalhadoras.

“A indústria é inteiramente exploradora, lucra às custas dos baixos salários dessa categoria e afeta negativamente a saúde física e mental das trabalhadoras. O ruído constante das máquinas é particularmente desgastante, algo que minha mãe também experienciou. As indústrias de confecção terceirizadas são as mais afetadas, já que não podem obter direitos básicos, como aposentadoria ou seguro-desemprego, e também são ignoradas as necessidades das trabalhadoras em relação aos filhos, que precisam deixar por exemplo do meu caso, com a criança mais velha todas as responsabilidades”, como denúncia Zeballos.

O sistema de trabalho em casas-oficinas terceirizadas é um exemplo de como funcionam essas explorações. É evidente que a exploração das costureiras não é um acaso, mas sim uma consequência direta do sistema em que vivemos.

Nesse cenário, é imperativo que as forças políticas, sindicais e dos movimentos sociais unam esforços para combater a exploração e garantir condições dignas de trabalho para todas. Essa luta deve incluir ações para libertar essa classe trabalhadora da grave exploração que sofrem nas grandes metrópoles comerciais, como o centro de São Paulo, onde a exploração do trabalho humano é flagrante.

Quando perguntada sobre o sindicato de sua categoria, Zeballos respondeu: “A única associação que conheci foi o sindicato das costureiras, mas ele foi completamente abandonado pela direção. Atualmente, está sob o comando de uma ala evangélica que não demonstra interesse em melhorar as condições de trabalho. Eu pagava as taxas do sindicato, mas nunca vi nenhuma ação significativa por parte deles. Lembro-me de que, quando meu pai era sindicalizado, ele conseguiu me encaminhar a um dentista por meio do sindicato quando eu era criança, mas desde então não ouvi mais nada sobre o sindicato. Infelizmente, a direção atual parece favorecer os empregadores, e sua comunicação nas redes sociais é inadequada, com promessas de que a só a fé resolverá os problemas das trabalhadoras. Um sindicato forte poderia reduzir os lucros dessas empresas.”

Apenas com a organização da categoria e a construção de um sindicato verdadeiramente combativo, com ações coletivas voltadas para conquistar melhores condições de trabalho e a emancipação da mulher , podemos garantir a superação do sistema capitalista e alcançar uma sociedade mais justa, onde a dignidade e os direitos das trabalhadoras sejam respeitados plenamente.

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