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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Descolonizar os museus e arte também é dignificar seus trabalhadores

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Lutemos por uma arte que seja mais do que uma contradição escancarada entre o que se faz e o que se fala, mas sim uma construção política.
Tami Tahira | São Paulo


TRABALHADOR UNIDO|A base para se entender a reivindicação desta matéria é, primeiro, entender o que é o setor da arte-educação: o educativo de instituições culturais é a equipe que, estando entre o público e a obra de arte e cultura, faz a mediação cultural que catalisa esse encontro. Qualquer pessoa pode ter uma experiência com uma obra de arte – e o papel do trabalhador da arte-educação é potencializar esse contato, seja por meio de visitas, conversas, atividades educativas, oficinas, palestras, enfim.

Os arte-educadores são os profissionais com formação em artes e humanidades trabalham em espaços de educação não-formal (como instituições culturais, museus, fábricas de cultura), cuja a contratação é, em sua maioria, de terceirizados, e quase em sua totalidade com contratos temporários que duram a temporada de alguma programação cultural com data para terminar –  como uma exposição de arte que dura 6 meses, um festival de teatro de 1 mês, uma jornada de cinema de 2 meses.

No país em que a cultura recebeu 0,01% e a educação 2,70% do Orçamento Federal em 2022, com tendência a piorar com o Arcabouço Fiscal que limita esses gastos a até 2,5%, como é a realidade dos trabalhadores da arte-educação?

Os desafios de organizar os trabalhadores da cultura

Uma das formas de contratação que cresceu no setor cultural foi a terceirização – que é quando uma empresa é contratada para prestar serviços de outra empresa. 

Inicialmente, a terceirização atingia as atividades-meio, como limpeza e segurança, sem os quais não se mantém um local de trabalho, independente do ramo da empresa. Com a lei da terceirização irrestrita, aprovada em 2017 pelo golpista Michel Temer, a terceirização passou a ser permitida também para atividades-fim, o que torna possível terceirizar todos os setores de uma empresa. 

Por exemplo: se antes a atividade-meio de uma escola é a limpeza e a atividade-fim é a educação, depois de 2017, tanto a trabalhadora da limpeza quanto a professora podem ser terceirizadas – e assim, precarizadas. No ramo da arte-educação de museus, a situação segue a conjuntura brasileira.

A contratação terceirizada gera não só lucro para duas empresas com a venda da força de trabalho da mesma pessoa, mas também dificulta a organização da categoria por melhores condições: o curto período de trabalho e baixo salário desincentiva o trabalhador a se sindicalizar, o medo de perder o emprego já precarizado intimida mobilizações reivindicatórias, a longa jornada de trabalho em escalas 12×36 faz com que trabalhadores do mesmo setor não se encontrem em nenhum momento de sua jornada de trabalho, a falta de estrutura e espaço de descanso (salas sem janelas, com apenas 1 micro-ondas para centenas de trabalhadores, vale-refeição insuficiente que obriga o trabalhador a cozinhar em casa depois de extenuantes jornadas fora de casa e no transporte) em que há pouco contato e diálogo entre pessoas do mesmo setor – essa é a lógica que torna mais difícil coesionar os trabalhadores da cultura para lutarem por melhorias. O SINDEEPRES (Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços), representante dos terceirizados no estado de São Paulo, que deveria ser um instrumento de luta, está nas mãos de um presidente aliado do ex-vereador de direita, Mario Covas Neto (PODEMOS).

Em depoimento para o Jornal A Verdade na sede do SINDEEPRES, sem se identificar, uma mulher terceirizada de Itapevi relatou: “na realidade, eu não sei o que é esse sindicato. Só recebi uma ligação do meu patrão falando para vir até aqui e assinar esses papéis senão iam descontar dinheiro do meu salário”. A trabalhadora estava sendo coagida pelo empregador a assinar a carta de oposição ao desconto de contribuição para o sindicato, sem ter o direito de sequer saber o que é o sindicato de sua categoria – e também sem presenciar e confiar num sindicato de luta que se faça ser reconhecido pelos trabalhadores que diz representar.

Organização popular é a autodefesa da categoria

O desafio que se coloca é: como organizar os trabalhadores da cultura e arte-educação?

No dia 18 de outubro, trabalhadores da 35ª Bienal de São Paulo lançaram uma carta coletiva em repúdio às condições de trabalho desta que pode ser considerada a segunda maior bienal de arte do mundo, apenas atrás da Bienal de Veneza (Itália), e pioneira na edição de 2023 por seu conteúdo decolonial e racializado. 

Dentre os pontos da carta, constam denúncias de assédio moral, demora de até 3 horas para ir ao banheiro no cumprimento dos turnos, desmaios de trabalhadores obrigados a voltar ao posto após atendimento dos bombeiros, transfobia e capacitismo. Finalizada com reivindicações trabalhistas concretas que podem ser atendidas pelo contratante e com um e-mail de contato, a carta foi acolhida por trabalhadores de outras instituições e a articulação vem recebendo denúncias desde que foi lançada.

O instrumento de luta da categoria, quando terceirizada, como SINDEEPRES, como efetivo, o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões (SATED), são os sindicatos; protocolar denúncias formais da categoria fortalece o sindicato como instrumento de combate direto à exploração – e, caso o sindicato pouco faça diante da denúncia, é o termômetro do imobilismo que assola diversas diretorias de sindicatos que se colocam ao lado de acordos com os patrões. É necessário arrancar nossos históricos organismos de luta das mãos dos conciliadores de classe!

Não devemos perder o ímpeto combativo e cruzar os braços se o sindicato da categoria estiver imobilizado: combinar as estratégias de luta legais com as populares faz as reivindicações avançarem. 

O conjunto de trabalhadores precisa estar ganho para construir uma luta reivindicatória e política contra as condições de trabalho que sentem doer na pele todos os dias: reunir-se nos momentos de café, de descanso, de almoço, recolher depoimentos e disputar a consciência para a luta no transporte de volta pra casa quando o cansaço da exploração mais adoece, transformar essas reclamações de corredor em palavra de ordem e saber manejá-las com responsabilidade e consequência adiante.

Regra geral, as lutas externas tendem ao fracasso quando estão isoladas da evolução de uma luta interna. Se o desafio da nossa categoria é lutar por melhores condições de trabalho em longas jornadas de trabalho temporário, estar permeável e construir rápida aliança entre colegas de trabalho é a chave para concretizar um processo de luta! 

Sem superestimar o papel da denúncia na imprensa como luta externa, voltar para a luta interna de coesionar os trabalhadores na articulação para arrancar conquistas e reivindicar a não perseguição das lideranças tem potencial para abrir caminho para outros trabalhadores da categoria.

A carta aberta coletiva da 35ª Bienal aponta a maior contradição das condições de trabalho: “A Fundação Bienal recebe patrocínio de empresas privadas como Banco Itaú, Banco Safra, VALE, B3, Klabin, Bloomberg, Instituto Votorantim, Sabesp, Pepsico, XP, Unipar entre outras, além de recursos públicos vindos através do Ministério da Cultura e Secretaria da Cultura e Economia Criativa. Com tal montante de recursos e, principalmente, levando-se em conta o uso de dinheiro público na realização do evento, fica difícil compreender a restrição de investimento na valorização dos trabalhadores da arte-cultura.”

Deve-se olhar para quem está indo o lucro para se entender quem são os inimigos de classe. Lutemos por uma cultura que seja mais do que uma contradição escancarada entre o que se faz e o que se fala, mas sim uma construção política, criativa, coletiva, ética, crítica e estética feita pelos artistas e educadores da nossa classe trabalhadora.

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