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domingo, 6 de outubro de 2024

Arcabouço Fiscal mantém privilégios para os banqueiros

O projeto de lei do novo Arcabouço Fiscal, enviado ao Congresso Nacional pelo Governo mantém a velha política fiscal, mais conhecida como “Teto de Gastos”, que os investimentos sociais e garante imensos recursos financeiros para a elite gananciosa, exploradora e antidemocrática.

Luiz Falcão | Comitê Central do PCR


EDITORIAL – Em mais um retrato da degradação humana em que vive nosso povo, a população brasileira em situação de rua já ultrapassa 285 mil pessoas e 27% dos jovens e adolescentes estão sem estudo e sem trabalho. Nos primeiros meses do ano, não foram poucas as imagens de crianças, mães e idosos das comunidades indígenas da Reserva Yanomami doentes e com quadros graves de desnutrição, muitos, inclusive, mortos, por serem impedidos de plantar, caçar e pescar em suas próprias terras.

Era de se esperar, portanto, que um governo eleito majoritariamente com o voto dos pobres e dos trabalhadores, ao estabelecer as prioridades dos gastos públicos, contemplasse principalmente os mais necessitados, a imensa maioria do povo.

Mas, qual o quê! O projeto de lei do novo Arcabouço Fiscal1 enviado ao Congresso Nacional pelo Governo mantém a velha política fiscal, mais conhecida como “Teto de Gastos”, que limita os investimentos sociais e garante imensos recursos financeiros para a elite gananciosa, exploradora e antidemocrática.

Com efeito, o Arcabouço Fiscal defendido pelo Governo Lula não tem nenhuma limitação para os descomunais pagamentos de juros da dívida pública, mas estabelece teto para os investimentos na melhoria das condições de vida do povo brasileiro. A injustiça está aí: os gastos com saúde, educação, moradia popular e reforma agrária não podem, em hipótese nenhuma, ultrapassar o teto fixado entre 0,6% e 2,5% da despesa primária do ano anterior.

Dizem os economistas a serviço da oligarquia financeira, repetidos pelos grandes meios de comunicação, que o Governo não pode gastar mais do que arrecada, pois, se assim o fizer, a dívida pública vai aumentar. Pois bem, dentro dessa lógica, inteiramente desprovida de qualquer sentimento humano, deveria, então, verificar quais são os gastos que causam realmente o déficit público ou para onde está indo o dinheiro das riquezas produzidas pelos trabalhadores e pelas trabalhadoras.

A causa do déficit público

Há anos que a patriótica e democrática organização Auditoria Cidadã da Dívida denuncia e prova que o principal gasto do Governo não é com o salário dos servidores públicos, com as aposentadorias e, muito menos, com a saúde e a educação públicas. A maior despesa do governo são os volumosos pagamentos de juros e amortizações da dívida pública. De fato, em 2022, dos R$ 4 trilhões que o Governo arrecadou, os donos dos títulos da dívida pública (banqueiros, fundos de investimentos, grandes companhias, etc.)  receberam nada menos que 46,3% de todo o Orçamento Federal. Para o agronegócio, o governo entregou R$ 340 bilhões, além de isenção fiscal.

Eis os números:  com a dívida, o Governo gasta 40,3% do Orçamento; com Assistência Social, 4,7%; com Saúde, 3,37%; com Educação, 2,7%; e com Previdência Social, 20,7%. Em outras palavras, o povo brasileiro trabalha, passa fome, recebe um salário mínimo miserável, tem universidades sucateadas, funcionários públicos mal remunerados e milhões de famílias vivendo em condições precárias para tornar centenas de super-ricos ainda mais ricos.

Desse modo, um governo que verdadeiramente queira evitar o déficit público e ter o efetivo controle dos gastos e receitas, precisa pôr fim à sangria desatada causada pelo pagamento dos juros da dívida pública. Sem dúvidas, nos últimos dois anos (2021 e 2022), o total de juros e amortizações pagos pelo Governo alcançou a fabulosa fortuna de R$ 3,8 trilhões, mas a dívida, em vez de diminuir, cresceu: era de R$ 6,935 trilhões e pulou para R$ 8,107 trilhões no final de 2022. Portanto, como muito bem escreveu Maria Lucia Fattorelli, “o novo Arcabouço Fiscal privilegia os gastos com a dívida pública por meio da manutenção de teto para os gastos sociais e compromissos com superávit primário que supera as expectativas do mercado” (auditoriacidada.org.br).

R$ 4 trilhões que o Governo arrecadou, os donos dos títulos da dívida pública (banqueiros, fundos de investimentos, grandes companhias, etc.) receberam nada menos que 46,3% de todo o Orçamento Federal. Para o agronegócio, o governo entregou R$ 340 bilhões, além de isenção fiscal. (Foto: Reprodução)
R$ 4 trilhões que o Governo arrecadou, os donos dos títulos da dívida pública (banqueiros, fundos de investimentos, grandes companhias, etc.) receberam nada menos que 46,3% de todo o Orçamento Federal. Para o agronegócio, o governo entregou R$ 340 bilhões, além de isenção fiscal. (Imagem: Reprodução)

Punição para quem?

Mas, não é só isso. No ano que ocorrer crescimento da economia, a despesa só poderá crescer míseros 2,5% ao ano acima da inflação. Quando o país estiver em recessão, necessitando de mais investimentos para sair da crise, o gasto terá o teto de 0,6% ao ano acima da inflação.

Pasmem, leitores e leitoras! O Arcabouço Fiscal formulado pelo Governo Lula prevê “a aplicação de mecanismos de punição” ao próprio Governo, caso o resultado primário (que exclui os gastos com juros) fique abaixo da margem definida (entre 0,6% e 2,5% acima da despesa do ano anterior).

Uma singela pergunta: o que significa “mecanismos de punição”? Seria, por acaso, algo que possibilita uma interpretação tipo a “pedalada fiscal” que surrupiou metade do mandato de Dilma Rousseff, eleita pelo voto direto e secreto? A bem da verdade, apenas um obsessivo desejo de agradar a classe dominante, de se ajoelhar perante a oligarquia financeira, em comunhão com um grave distúrbio masoquista para remeter ao Congresso mais reacionário das últimas três décadas um projeto de lei que prevê mecanismos de punição para o Governo. Em resumo, um governo, por mais democrático que seja, se não enfrentar a raiz da verdadeira causa do déficit público, estará apenas enxugando gelo, enganando o povo e preparando o terreno para um novo governo da extrema-direita.

Quem governa o Brasil?

Elaborado pelos sábios dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento com a colaboração de vários representantes dos endinheirados, além de diversas consultas à Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), esse vergonhoso e humilhante Arcabouço Fiscal é mais uma evidência de que, sai governo, entra governo, e a grande burguesia, a classe que é dona dos meios de produção, dos bancos e da terra, segue mandando e desmandando no país.

É fato. Há meses o presidente da República, eleito com mais de 59 milhões de votos, dá entrevistas e faz discursos clamando por uma queda da taxa de juros, mas a diretoria do Banco Central sequer escuta e mantém a taxa Selic em 13,25% (a maior do mundo) e uma política monetária que provoca a quebradeira de milhares de empresas e o endividamento de nove em cada dez famílias brasileiras.

Na realidade, o presidente da República não possui nenhuma autoridade sobre a taxa de juros, sobre quanto se deve pagar de juros aos banqueiros e, muito menos, se a produção agropecuária será para baratear os preços dos alimentos ou para aumentar os lucros do agronegócio. A autonomia do presidente é para discursar na Organização das Nações Unidas (ONU), visitar países, promover reuniões com chefes de Estados e nomear ministros que agradem ao mercado. Realizar alguma mudança no modelo econômico que vigora no Brasil está fora das atribuições de um presidente em qualquer país capitalista.

Falta, portanto, coragem cívica e compromisso do Governo com a pátria e com o povo trabalhador, mas sobra generosidade com a minoria dos super-ricos. Para não deixar dúvida de que a santificada propriedade privada de 1% da população continuará intocável, o ministro de Relações Institucionais Alexandre Padilha declarou repudiar as ocupações de terra como forma de luta. Não, ele não estava se referindo às invasões das terras indígenas pelas madeireiras, à contaminação dos nossos rios pelas mineradoras, nem tampouco às invasões realizadas pelo agronegócio no Centro Oeste. A ira do ministro foi dirigida às 100 mil famílias que vivem em acampamentos e esperam, há décadas, por um pedaço de terra para plantar e para colher. Foi para pessoas de comportamento igual ao do Sr. Padilha que o poeta Renato Russo escreveu os versos: “Tem gente que está do mesmo lado que você/Mas deveria estar do lado de lá”.

Bem, como agora o Palácio da Alvorada, residência oficial do Presidente da República, tem um sofá com mecanismo elétrico para reclinar a cabeça e os pés, que custou aos combalidos cofres públicos a bagatela de R$ 65 mil, espera-se que, ao acordar de um dos seus cochilos, o presidente Lula decida realizar um governo menos submisso ao capital financeiro e aos reis e rainhas do agronegócio. O povo que o elegeu está cansado de tanto esperar uma mudança que não vem e, cedo ou tarde, terminará se decidindo por avançar na luta por uma transformação revolucionária da velha e arcaica estrutura econômica e política que massacra os que trabalham e protege os parasitas. Afinal, a fila anda!

¹ Arcabouço Fiscal é o nome dado ao conjunto de regras que irão nortear o Governo na política fiscal, ou seja, no controle dos gastos e receitas do país. Dito de outra maneira, que classe social receberá as maiores fatias do bolo, quiçá o bolo inteiro.

Editorial publicado na edição impressa nº 269 do Jornal A Verdade.

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