Nesta terça-feira, 19 de Dezembro, o Senado aprovou o projeto de lei n° 3696 (PL 3696), que visa promover a circulação nacional de filmes brasileiros através de cotas para salas de cinema. Hoje, 40% da população vive em cidades que não possuem sala de cinema.
João Rio da Silva | Santa Catarina
CULTURA – O Projeto de Lei nº 3696 foi aprovado pelo Senado nesta última terça-feira, 19 de Dezembro. O texto do PL determina que os locais de exibição pública comercial sejam obrigados a exibir obras brasileiras de longa-metragem, com número mínimo de sessões e diversidade de títulos. Segundo a Agência Senado, será de responsabilidade da Agência Nacional de Cinema (Ancine) o controle do cumprimento da medida.
O descumprimento da obrigação sujeitará o infrator à advertência, em caso de descumprimento pontual, ou multa. A lei terá vigência até 2033 e aguarda sanção do presidente da república.
Os relatórios de 2023 da Ancine mostram que, de cada 100 sessões de cinema, apenas 13 correspondem a filmes nacionais. Além disso, 40% da população mora em cidades que não possuem sala de cinema. Com os preços exorbitantes dos ingressos nas redes de cinema, para a maior parte dos brasileiros a experiência de assistir a filmes no cinema sequer é uma realidade cotidiana.
Sucessos de bilheteria nacionais são pontos fora da curva
As produções nacionais representam apenas 1% das bilheterias do Brasil. O último filme nacional que foi a maior bilheteria da história das telas brasileiras foi o filme “Minha Mãe é uma Peça 3”, de Paulo Gustavo. Em 2019 o filme faturou R$138 milhões de reais, levando 11,5 milhões de pessoas ao cinema. Porém, as listas de maiores bilheterias do país não costumam ter um filme brasileiro entre o top 10. Assim, a trilogia de “Minha Mãe é uma Peça” é um ponto fora de curva. Enquanto isso, há pelo menos 20 anos, filmes estrangeiros ultrapassam a marca.
Outros filmes brasileiros que compartilham o feito de ultrapassar os R$100 milhões em bilheteria foram: “Tropa de Elite” (2010), “Os 10 mandamentos: O filme” (2016)” e “Nada a perder” (2018), que conta a história de Edir Macedo. Esse último consta em alguns relatórios como a maior bilheteria. Entretanto, diversas notícias reportaram a compra de ingressos pela Igreja Universal, o que resultou em um alto faturamento mas salas de cinema vazias.
Em 2023, o filme nacional mais assistido do ano foi “Nosso Sonho”, que conta a história de Claudinho e Bochecha, com 430 mil espectadores. Já a maior bilheteria do ano foi “Barbie” com 10 milhões de espectadores e um faturamento de 209 milhões de reais só no Brasil. Destaque ao aumento do faturamento em relação a 2019, resultado do aumento no valor dos ingressos.
A contradição dos premiados filmes de “sucesso”
A comparação entre os sucessos de bilheteria com filmes estrangeiros se dá, praticamente, em relação a filmes estadunidenses. Afinal, pouco se vê do cinema europeu e quem dirá do oriental nas salas das grandes redes de shoppings.
Porém, ainda existe uma gigantesca indústria de “filmes de arte” com circulação internacional. Por exemplo, dentre os poucos filmes selecionados ao Oscar de melhor filme estrangeiro, existem centenas de produções aptas à indicação da academia. Estas indicações são primeiro selecionadas por órgãos nacionais. Todos os anos o Brasil escolhe um filme como representante do país.
O último filme Brasileiro a ser indicado à categoria de melhor filme estrangeiro foi “Central do Brasil”, em 1999. Mas, em 2020, o filme de Petra Costa, “Democracia em Vertigem”, foi indicado à categoria de melhor documentário. Exemplos de filmes selecionados pelo Brasil como representantes são: “Cidade de Deus” (2002), “Que horas ela Volta” (2014), “Marte um” (2022) e este ano “Retratos Fantasmas”, documentário de Kléber Mendonça Filho. O documentário trata justamente da relação do centro histórico de Recife com os cinemas da cidade durante o século 20. Todos os filmes que representaram o Brasil no Oscar, o prêmio máximo da indústria audiovisual ocidental, foram premiados em festivais e outras competições pelo mundo fora e até mesmo no Brasil.
Percebe-se que essa escolha tem histórico de se dar por um filme de teor político que, em geral, costuma tratar de temas relacionados a problemáticas sociais. Entretanto, das maiores bilheterias da história do cinema no país, pode-se dizer que apenas “Tropa de Elite” tem discurso crítico a questões sociais e, ainda assim, é um filme que acabou por ser muito subvertido em prol de discursos da extrema direita como argumento da violência policial.
Ou seja, mesmo que de determinada forma possa-se considerar filmes que representam os problemas do povo Brasileiro um sucesso em festivais e premiações, porque esses filmes não são assistidos pelo povo nas salas de cinema, refletindo seu prestígio no faturamento das bilheterias? Porque o projeto de cinema brasileiro não convém a burguesia e muito menos ao imperialismo. Crítica não beneficia o lucro, prestígio internacional entre a burguesia intelectual, sim.
Houve-se falar de esporádicos “sucessos” ou até mesmo do histórico Cinema Novo, mas estamos longe de poder dizer que o cinema nacional já pôde ver a mínima dignidade que merecia. E que, mesmo com as cotas aprovadas pelo PL, o cinema brasileiro não é feito para a classe trabalhadora.
As cotas são inúteis?
O ponto de discussão sobre o projeto de lei das cotas foi acerca da baixa procura. Entretanto, é essencial que se considere a realidade da motivação. Hoje, num cinema de 12 salas as grandes distribuidoras solicitam 8 ou até 10 salas para exibição de blockbusters – filmes considerados muito popular e bem-sucedidos financeiramente – na primeira semana, o que reduz muito a possibilidade de escolha do público. Com as cotas procura-se ampliar a possibilidade de escolha.
Mas o problema do cinema Brasileiro não se reduz a isso. Como colocado, a maior parte das cidades do país sequer possui uma sala de cinema, além do mais não se pode comparar a capacidade de publicidade que os grandes estúdios têm para as campanhas de lançamento.
Assim, as cotas de tela para filmes brasileiros não são uma solução que termina em si mesma. A raiz do problema está em toda a cadeia da indústria cinematográfica brasileira, afinal fazer cinema no Brasil é para poucos. Ou se ganha editais ou se nasce herdeiro. E um povo que não se vê no cinema, não precisa de cinema. Enquanto o circuito de filmes brasileiros for restrito à classe média intelectual, será difícil pensar em uma mudança que de fato revolucione a relação do Brasil com o cinema.