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sábado, 27 de abril de 2024

Entrevista com Alva Helena de Almeida: um olhar sobre a saúde da população negra brasileira

O jornal A Verdade entrevistou a Dra. Alva Helena de Almeida, enfermeira, militante e uma das idealizadoras da Articulação Nacional de Enfermagem Negra (ANEN). Ela fala sobre a importância de garantir o acesso da população negra à saúde pública de qualidade e dos desafios enfrentados pela Enfermagem. 

Redação PE


A VerdadeComo se desdobrou a luta sobre a questão da saúde da população negra em nosso país?

Alva Helena – A saúde da população negra é uma conquista do movimento negro, encabeçado pelas mulheres negras, que desde os anos 70 vem denunciando as condições de saúde-adoecimento do povo negro e, em particular, a atenção dispensada à saúde das mulheres negras no país. Várias denúncias foram feitas sobre atendimento discriminatório e desigual, violência obstétrica, política de esterilização das mulheres pobres e negras implementada no norte e nordeste do país.  No final dos anos 90, em uma comissão interministerial, técnicos e pesquisadores propuseram a criação da Atenção à Saúde da População Negra, como um programa do Ministério da Saúde.

Por ocasião do 1º Governo Lula, criou-se a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e, no campo da saúde, ativistas, docentes e pesquisadores, maioria de mulheres, propuseram a implantação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN).

Não foi um processo fácil: a proposta da política foi gerada em 2005, passou pelo Conselho Nacional de Saúde e pela Comissão Tripartite em 2006, foi aprovada em 2007 e publicada em 2009. O texto publicado revela, na sua apresentação, o reconhecimento do racismo estrutural em decorrência de processos históricos, sociais e econômicos que acometeram a população negra, assim como o racismo institucional nas práticas dos serviços de saúde, nos processos de formação e de gestão. Há também o reconhecimento do racismo como determinante de saúde.

Quando você fala em saúde da população negra, é referente a doenças específicas? Fala um pouco sobre essa relação entre racismo e saúde pública.

Existe no imaginário social um entendimento de que essa política está direcionada para algumas doenças específicas que acometem mais a população negra, como anemia falciforme, a maior incidência de hipertensão arterial e diabetes, ou ainda que tais doenças são mais complexas ou tem uma pior evolução quando acometem o povo negro. O que nós, ativistas, técnicos e pesquisadores, revelamos é que as condições de vida e trabalho desse grupo social determinam processos distintos de adoecimento e morte. 

Os determinantes sociais, dentre eles o racismo, impactam de forma diferenciada a população negra. E quando ela chega nos serviços de saúde, apesar de diversos indicadores de saúde e epidemiológicos serem comparativamente piores quando comparados à população branca, o tratamento “igual”, ofertado a “todos”, propicia uma evolução pior e de maior gravidade entre os negros, expressão direta do racismo institucional. 

Por essa razão é que há ocorrências de casos de maior gravidade e pior evolução entre os negros. Então, a Política Nacional foi pensada justamente para alertar e responsabilizar o Sistema de Saúde para ofertar à população negra, de forma diferenciada, uma atenção à saúde compatível com os indicadores revelados/existentes. Daí o conceito de equidade, ofertar de forma diferenciada, de acordo com as diferentes necessidades: “dar mais a quem tem menos”.

Quando a população negra procura um serviço público de saúde, muitas vezes é mal atendida, ou somos tratados com uma certa negligência. 

 Eu acho que o foco da saúde da população negra é exatamente esse: pensar no conceito ampliado de saúde, que fala em moradia, trabalho digno, renda, posse da terra, educação, etc. Quando chegam aos serviços, é preciso que os profissionais olhem para esse indivíduo e vejam sua trajetória social para compreender o resultado desse processo de vida-adoecimento, e dar para ele uma atenção compatível com as suas necessidades. Falar da saúde da população negra no país é falar de mais da metade da população, né? Todos nós sabemos. Então, mais de 54% da população se diz preta ou parda. 

Recentemente, saiu uma portaria do Ministério da Saúde (n° 3.115, de 23 de janeiro de 2024) que cria uma comissão para elaborar o Programa de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalhador e Trabalhadora do SUS sem ter nenhuma representação negra ou incluir as entidades representativas dos movimentos sociais da negritude nessa discussão. Esse é um exemplo de racismo institucional? 

Ao olhar a portaria nº 3.115/2024, no seu artigo 4°, na proposta de composição da comissão que vai criar o programa, não consta a saúde da população negra. É disso que a gente está falando: não está, não foi incluída. Importante lembrar que as trabalhadoras negras, maioria da enfermagem, estão na base da pirâmide do sistema de saúde, e foram mais acometidas pelos processos de contaminação e morte no período da pandemia da Covid-19. 

E não é só isso! O fato de estar na base da pirâmide, as condições de vida e trabalho expõem essas trabalhadoras a uma condição mais desgastante. São elas e suas famílias que buscam o sistema público de saúde; têm duas, três jornadas de trabalho; usam o sistema público de transporte, enfim, é disso que a gente está falando. Desse contexto social, estrutural e do racismo institucional que mantém essas mulheres nessa posição de subalternidade, de maior exposição e risco de adoecimento na base da pirâmide organizacional.

Nós estamos falando das agentes comunitárias, das técnicas de laboratório, e estamos falando da enfermagem. Na área da enfermagem, mais de 50% da força de trabalho é de mulheres negras.

Essa limitação em relação ao Governo Federal ainda afeta o acesso da população a um melhor serviço na saúde básica?

Nessa gestão, a ministra publicou, primeiro, uma política de equidade de raça, de gênero, e classe. Muito bem! Então, existe uma política publicada no ano passado, em 2023, que reconhece desigualdades de gênero, raça e classe no país e no Sistema de Saúde. Ela está falando de quem? Está falando da população negra, na sua maioria. Está falando das mulheres na sua maioria. 75% da força de trabalho do SUS é feminina, e mais da metade é negra. Quando a gente olha para a estrutura do Ministério da Saúde não tem uma área de saúde da população negra. Eu procurei. E cadê? Tem área de saúde indígena, que é importantíssima, mas não tem área de saúde voltada para a população negra. A Assessoria de Equidade da População Negra não aparece na estrutura organizacional do sistema e não foi incluída na composição da comissão técnica que vai criar o Programa de Saúde e Segurança das Trabalhadoras e Trabalhadores do SUS.

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